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Síria: Promessas de “paz” só têm garantido mais guerra

No passado dia 15 de Março completaram-se sete anos desde o início do levante popular na Síria contra Bashar Al-Assad. A repressão aos protestos pacíficos deu origem a uma guerra civil, sem fim à vista, que já fez mais de 217 mil mortos civis, dos quais 93% são responsabilidade do regime e dos seus aliados (Rússia, Irão e Hezbollah), sendo 18% destes mulheres e crianças. No mesmo relatório, a Rede Síria para os Direitos Humanos denuncia que 104.029 pessoas continuam presas arbitrariamente ou desapareceram nas prisões de Assad [1].

Hoje, o regime canta vitória depois do martírio que impôs à população de Ghouta Oriental. Cercado desde 2013, desde Novembro de 2017 que este subúrbio de Damasco foi bombardeado quase diariamente, suspeitando-se que tenham sido utilizadas armas químicas, como o gás cloro [2]. Só em Fevereiro de 2018 é que o Ocidente e o Mundo acordaram para a carnificina imposta aos seus cerca de 400 mil habitantes, subindo desde logo o tom entre os países imperialistas.

De um lado, os EUA exigiram uma trégua para a saída dos civis e a entrega de ajuda humanitária, ameaçando atuar com mais força caso a mesma não fosse cumprida. Do outro, a Rússia pôs em vigor uma “trégua” de cinco horas diárias, raramente respeitada. A evacuação começou a ser efetuada após vários acordos entre o regime e a oposição, mediados pela Rússia. Depois de cerca de 1.600 mortos [3] e dezenas de milhares de desalojados [4], o regime controla agora praticamente toda a área de Ghouta Oriental.

Desde o início de Abril, têm sido anunciados os acordos finais com o movimento fundamentalista Jaysh al-Islam (Exército do Islão) para a evacuação de Douma [5], com a retirada de opositores para Jarablus e al-Bab, na região de Alepo, e Idlib. Jarablus e al-Bab estão atualmente sob o controlo da Turquia e de fações aliadas reacionárias do Exército Livre da Síria (ELS), tendo sido tomadas ao autoproclamado Estado Islâmico (EI), em 2016, durante a operação Escudo de Eufrates. Idlib é o último grande bastião da oposição, mas é também a principal região onde está presente a Hay’at Tahrir al-Sham (Organização pela Libertação do Levante ou Comité de Libertação do Levante – HTS), organização que pertencia à Al-Qaeda, designada anteriormente por Frente Al-Nusra.

Num encontro em Ancara, a 4 de Abril, Rússia, Irão e Turquia voltaram a acordar o estabelecimento de “zonas de segurança” para proteger os civis. Já nas “negociações de paz” de Astana, em Setembro do ano passado, tinham sido estabelecidas quatro zonas que incluíam áreas como Ghouta Oriental, Idlib, Latakia, Alepo, Hama e Homs [6]. Como se sabe, a “paz” não durou muito. Além de Ghouta, o regime tem avançado nos subúrbios de Hama, Idlib e Alepo, tendo causado cerca de 485.000 desalojados. Nestes combates foram também registadas 204 mortes nas áreas de Hama e Idlib e 49 mortes em Alepo [7].

A estratégia assassina de Assad não é nova, foi a seguida em Homs, depois em Alepo e agora em Ghouta. Pelos avanços do regime e tendo em conta as vãs promessas de paz anteriores, o mais provável é o massacre continuar enquanto houver oposição no seu território. Nessas áreas, a população resiste como pode, tanto aos avanços do regime, como à ação de grupos armados fundamentalistas da oposição, que tanto reprimem e matam ativistas democráticos como se combatem entre si, registando-se ainda hoje manifestações civis [8].

A guerra na Síria está longe de chegar ao fim, ainda mais numa altura em que a Turquia abriu uma nova frente com a “Operação Ramo de Oliveira” lançada contra os curdos, o Partido da União Democrática (PYD) e as Unidades de Proteção Popular (YPG), para derrotar qualquer aspiração de autonomia. Depois de Afrin, Erdogan ameaça expandir a sua operação para outras localidades como Manbij. Resta saber qual será a posição dos Estados Unidos, que apoiou as YPG no combate ao EI e tem tropas nessas áreas. Na última semana Trump expressou por duas vezes a sua vontade de retirar as tropas americanas do país, tendo depois um porta-voz afirmado que os EUA iriam permanecer no país por mais algum tempo. Além disso, nos últimos dias têm sido registadas movimentações de tropas na cidade de Manbij e chegada de reforços [9].

Na pilhagem da Síria, por parte das potências regionais e globais, o principal interesse é a sua posição geoestratégica determinante para o escoamento do gás natural e do petróleo da região. Além disso, a área que constitui o Curdistão sírio, conhecida por Rojava, é onde se encontram os principais poços de petróleo. Para a Rússia, é também o país que alberga a sua principal base aérea na região. Enquanto vão falando de paz, as várias potências começam a alinhar-se de forma a beneficiarem da reconstrução do país. Neste momento, não é possível derrubar Assad através da mobilização popular. Uma eventual, ainda que muito pouco provável, deposição do regime por tropas ou ataques externos apenas colocaria outro regime despótico no seu lugar.

Por esse motivo, a situação exige que os movimentos sociais se unam exigindo o fim da intervenção de todas as potências globais e regionais na Síria e na região. Deve-se exigir que os países, nomeadamente, europeus, abram as suas portas aos refugiados e desenvolvam amplas políticas de uma verdadeira integração social e laboral. Este é o tipo de políticas que permitirão combater o crescente sentimento xenófobo e racista, potenciado pela extrema-direita. Só essa solidariedade internacional possibilitará que a oposição social e laica na Síria se recomponha e reorganize, de forma independente, como já o procura fazer no exílio. Só uma Síria sem Assad trará paz a um povo que já enfrenta tantos anos de sofrimento.

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