Gibran Jordão*, do Rio de Janeiro (RJ)
A morte de Marielle gerou comoção nacional e internacional e foi o acontecimento mais comentado nas redes sociais nos últimos anos, superando o impeachment.
Os grandes jornais do Brasil e do mundo registraram notas e muitos estamparam reportagem de capa. Líderes partidários dentro e fora do País publicaram declarações de solidariedade à Marielle, incluindo um coronel da Polícia Militar do Rio, o ministro Raul Jungmann e até o ilegítimo presidente da República. Todos os pré-candidatos à Presidência da República comentaram o caso, prestando solidariedade a família da vereadora, a não ser o deputado federal Jair Bolsonaro.
Por que logo a família que mais pauta o tema da segurança pública em seus discursos, simplesmente não tem nada a declarar sobre o caso? O deputado estadual Flavio Bolsonaro (PSC) chegou a publicar uma mensagem de condolências à família de Marielle, mas rapidamente apagou, fato estranho que chegou a ser noticiado pela imprensa.
A execução de Marielle foi um duro ataque a todo o povo negro, em especial as mulheres negras, da favela e das periferias desse Ppaís que se sentiam representad@s e tinham orgulho do mandato da vereadora do PSOL. Como foi também um duro golpe em toda a militância da esquerda socialista, principalmente os mais jovens, que nunca tinham visto uma execução tão covarde e de tamanha repercussão contra uma figura pública da esquerda desde a época do assassinato de Chico Mendes. Grandes manifestações aconteceram e outras vão acontecer, exigindo respostas das investigações, tod@s querem saber o que de fato motivou o crime e quem são os responsáveis por essa barbaridade.
Carro clonado, munição desviada da Polícia Federal, profissionalismo na execução dos disparos, planejamento antecipado. Foram muitos disparos, todos endereçados a Marielle numa emboscada onde nada foi roubado. O único objetivo era mandar o recado. Há suspeitas de que a execução tenha sido elaborada por milicianos que possuem relações com organizações criminosas e ao mesmo tempo com a banda podre da polícia.
Crise social, crescimento das milícias e intervenção militar
O processo de decomposição social da sociedade carioca é estarrecedor e angustiante por não ter uma solução mágica e rápida. A crise econômica mundial, que derrubou o preço do petróleo desmantelando toda a cadeia produtiva associada a Petrobrás, foi um dos elementos que ajudou a quebrar financeiramente o Estado do Rio de Janeiro. Somado a isso a corrupção, isenções e as más gestões dos governos do PMDB também contribuíram para mergulhar a cidade e o estado em uma crise alarmante. Funcionários públicos sem salários, serviços públicos semiparalisados, incluindo a própria segurança pública, milhares de desempregados pelas ruas e explosão da violência urbana. O estado de ação social frágil abre flancos para o avanço do crime organizado, é nesse meio de cultura que as milícias ganham mais terreno, controlando comunidades, recrutando civis e militares, organizando negócios como distribuição de agua, gás, venda de lotes, organizando roubo de cargas… Disputando militarmente espaço com o tráfico, e em outros momentos substituindo o mesmo.
Temer ao não ter sucesso em aprovar a reforma da Previdência, gira todas suas baterias para a intervenção militar no Rio de Janeiro, com possibilidade de expandir para outros estados. Cria o Ministério da Segurança Pública e anuncia investimentos nessa área. Tenta responder com medidas autoritárias ao sentimento de medo presente na população e ao mesmo tempo responde também a demanda de frações da burguesia insatisfeitas com as ações do crime organizado e das milícias. Não é à toa que a Firjan foi a primeira a publicar seu apoio a intervenção.
Nem toda a burguesia tem negócios com o tráfico e com as milícias. Na crise econômica acirram-se as disputas entre as frações dos ricos e poderosos, há setores do Capital que querem ocupar e tomar o território e os negócios controlados pelos milicianos que estão indo longe demais. É exatamente por isso que nem toda a burguesia apoia a intervenção militar. Quem lucra e tira vantagens políticas com o trabalho das milícias não quer a presença de nada que atrapalhe seus negócios obscuros.
A família Bolsonaro e as milícias
Quando o governo de Michel Temer anunciou a intervenção militar no Rio de Janeiro como solução para a segurança pública, acertadamente as organizações de esquerda e setores progressistas da sociedade condenaram a ação. Afinal, trata-se de uma medida que não vai resolver o problema da violência, pelo contrário, vai inflamar ainda mais os conflitos, gerando mais mortes, em especial de pobres e do povo negro dos morros e favelas. Contraditoriamente o deputado federal Jair Bolsonaro, que sempre defendeu a intervenção militar, deu declarações críticas a essa ação do governo para toda a imprensa, exigindo liberdade para atirar. Foi uma forma de tentar evitar que a bandeira da segurança pública fosse tomada completamente pelo presidente-candidato Temer.
Para entender porque Jair Bolsonaro e sua família não apoiam tal intervenção militar como também o silêncio dos mesmos em relação ao caso Marielle é preciso voltar no tempo. Em 2008, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa. Foi um marco na luta contra o crime organizado e sua articulação com o poder público. O relatório final pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. Foram apresentadas 58 propostas concretas para enfrentar essa máfia, entre elas a necessidade de cortar as fontes de financiamento das quadrilhas. Antes de ser vereadora, Marielle Franco foi assessora do deputado estadual Marcelo Freixo.
Na ocasião, o deputado estadual Flavio Bolsonaro votou contra a CPI das Milícias presidida por Freixo, ao mesmo tempo anunciou na época um projeto de lei que legaliza as milícias. Em declaração ao portal Terra, afirmou: “As classes mais altas pagam segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança? O Estado não tem capacidade para estar nas quase mil favelas do Rio. Dizem que as milícias cobram tarifas, mas eu conheço comunidades em que os trabalhadores fazem questão de pagar R$ 15 para não ter traficantes”.
Em 2011, quando a Juíza Patrícia Acioli, da 4º vara criminal do Rio de Janeiro, foi assassinada na porta de sua casa com 21 tiros, Flavio Bolsonaro deu declarações críticas a juíza e não aos milicianos que a assassinaram. “Que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos”, afirmou. Patrícia, 47 anos, foi a responsável pela prisão de quatro cabos da PM em setembro de 2010, acusados de integrar um grupo de extermínio em São Gonçalo.
Também no ano de 2011, o deputado estadual Marcelo Freixo presidiu a CPI que investigou a tráfico de armas, munições e explosivos. O relatório foi aprovado na Alerj, mas o deputado Flavio Bolsonaro votou contra o relatório, dando declarações públicas críticas a CPI. De acordo com os dados reunidos pela CPI, 2.024 pessoas foram indiciadas, processadas ou presas na última década no estado, envolvidas com crimes de tráfico de armas ou relacionados. Entre elas, há 82 policiais militares, 32 bombeiros, 29 policiais civis, quatro agentes penitenciários, três policiais federais, 88 membros das Forças Armadas (65 do Exército, 12 da Marinha, 11 da Aeronáutica), dois guardas municipais e 250 civis, além de 1.531 pessoas sem qualificação.
Curiosamente a munição que foi usada para a execução de Marielle, segundo as próprias investigações, foram desviadas de lotes que foram comprados pela Polícia federal. Sinalizando que o contrabando de armas e munições utilizados pelas milícias e grupos de extermínio tem escala nacional e segue em operação.
Por uma ampla unidade contra a intervenção militar, em defesa das liberdades democráticas e pela punição dos responsáveis pelo assassinato de Marielle e Anderson!
É muito suspeito o silêncio da família Bolsonaro em relação ao brutal assassinato de Marielle. Principalmente porque o deputado federal Jair Bolsonaro desponta como um dos líderes das pesquisas de intenção de votos para presidente. Milicianos se sentem à vontade para executar as vozes críticas aos abusos da banda podre da polícia que tem relações com o crime organizado. Afinal, acabam encontrando na opinião pública gente que tem criticado a vereadora mesmo após o brutal assassinato. Os comentários nas redes sociais dos simpatizantes de Bolsonaro são inacreditáveis, desumanos e expressam o avanço do obscurantismo no imaginário social.
Tampouco devemos apoiar a intervenção militar no Rio de Janeiro. Ao contrário, é preciso organizar uma ampla unidade contra a presença das forças armadas em qualquer lugar do País e exigir fora as tropas do Rio. A presença do exército nas favelas só vai contribuir para aumentar ainda mais a violência e os mais atingidos estarão entre a população negra e pobre.
O Rio de Janeiro e o Brasil precisam de medidas sociais de combate à fome, o desemprego e que ofereçam serviços públicos de qualidade para a população mais carente impedindo que a juventude seja recrutada pelo crime organizado. Uma ampla intervenção social através de programas de saúde, emprego, assistência e educação. Ao mesmo tempo é preciso construir ações que acabem com o financiamento do crime organizado, descriminalizando as drogas e desmilitarizando o papel da polícia.
Por fim, é preciso seguir nas ruas exigindo que as investigações e a punição dos responsáveis pela execução de Marielle sejam levadas até o fim. Pela vida das mulheres, dos negros e negras, em defesa da comunidade LGBT, pelo direito de levantar as bandeiras da esquerda socialista, pelas liberdades democráticas… Luto por Marielle!
MAIS/Esquerda Online
* Gibran integra a Coordenação Geral da Fasubra e é membro da Coordenação Nacional do MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista), corrente interna do PSOL