A prisão da jovem palestina de 16 anos, Ahed Tamimi, continua despertando indignação pelo mundo afora. Porque ocorreu em frente às câmeras, por um ato de resistência elementar contra soldados de ocupação que novamente violavam seu lar e prendiam seus parentes.
O artigo, publicado no jornal Haaretz, foi escrito por Gydeon Levy, que é uma das poucas vozes entre os judeus israelenses que se levantam contra as barbáries realizadas contra os palestinos. É preciso ressaltar que o jornalista teve uma evolução política muito particular e rara, tendo transitado do sionismo mais tradicional a posições de denúncia da opressão dos palestinos e de apoio ao BDS contra Israel. O próprio artigo é uma condenação entristecida do grau de degeneração racista de sua sociedade. Nestes dias, mais um fato relevante: depois de vários anos, ocorreu a maior deserção coletiva de jovens israelenses que se negam publicamente a servir no exército de ocupação de Israel, com todas as consequências práticas, laborais e de ostracismo social que significa em uma sociedade baseada na opressão sistemática de outro povo.
Como é que os israelenses estão totalmente indiferentes ao sofrimento da garota loira atrás das grades que poderia ser facilmente sua filha?
Nas últimas duas semanas, ela apareceu nas salas de estar dos israelenses todos os dias por meio de informes superficiais sobre a extensão de sua detenção. Novamente, vemos seus cachos dourados; outra vez vemos a figura [ao estilo de pinturas] de Botticelli vestida com o uniforme marrom do serviço de segurança (o Shin Bet) e as algemas, parecendo mais uma garota de Ramat Hasharon do que uma de Nabi Saleh.
Mas nem mesmo a aparência “não árabe” de Ahed Tamimi conseguiu tocar os corações por aqui. O muro de desumanização e demonização que foi construído por meio de campanhas de incitamento, propaganda e lavagem cerebral contra os palestinos triunfou inclusive contra a loira de Nabi Saleh.
Ela poderia ser sua filha, ou a filha de um vizinho, mas o abuso que ela sofre não desperta sentimentos de solidariedade, compaixão ou humanidade básicos. Após a explosão de ódio pelo fato de ela ter tido a audácia de fazer o que fez sobreveio a impenetrabilidade. “Ela é uma terrorista”. Ela não poderia ser sua filha; ela é uma palestina.
Ninguém se perguntou o que teria ocorrido se Tamimi fosse sua filha. Vocês não estariam orgulhosos dela, como seu pai, que, em um artigo de opinião que merece respeito, verbalizou esse orgulho? Vocês não teriam desejado uma filha como essa, que trocou sua juventude inexistente por uma corajosa luta pela liberdade? Ou vocês teriam preferido que sua filha fosse uma colaboradora? Ou que fosse uma cabeça oca?
E o que vocês teriam sentido se os soldados de um país estrangeiro tivessem invadido sua casa de noite, sequestrado sua filha de sua cama perante seus próprios olhos, a tivesse algemado e detido por um período prolongado, simplesmente porque deu um tapa no soldado que invadiu sua casa, e deu um tapa na ocupação, que merece bem mais do que tapas?
Essas perguntas não incomodam a ninguém. Tamimi é uma palestina, ou seja, uma terrorista, e, portanto, não merece nenhum sentimento de empatia. Nada irá romper o escudo defensivo que protege os israelenses dos sentimentos de culpa, ou pelo menos de desconforto, a respeito de sua prisão absurda, sobre a discriminação feita pelo sistema judicial, que nunca teria prestado nenhuma atenção a ela se ela fosse uma colona judia.
Mesmo a mão independente do juiz, o Major Haim Balilti, não tremeu quando determinou que o “perigo” colocado por Tamimi, uma moça desarmada de 16 anos, justifica sua detenção prorrogada. O juiz, também, é somente uma peça na máquina, alguém que realiza seu trabalho e retorna para suas filhas e filhos à noite, orgulhoso de seu dia de trabalho desprezível.
Israel se esconde atrás de uma cortina de ferro que não é mais possível furar. Nada do que Israel faça aos palestinos é mais capaz de produzir qualquer compaixão. Nem mesmo a garota-propaganda, Tamimi. Mesmo se ela fosse sentenciada à prisão perpétua por um tapa, mesmo se fosse condenada à morte, sua punição seria recebida com clara alegria ou com indiferença. Não há lugar para qualquer outra emoção humana com relação a qualquer palestino.
As organizações que representam os deficientes físicos, que travaram uma impressionante batalha por seus próprios direitos, não emitiram um pio quando um atirador de elite do Exército de Israel matou um homem com deficiência física, com as duas pernas amputadas, na Faixa de Gaza, com um tiro na cabeça. As organizações de mulheres, que lutaram energicamente contra qualquer assédio sexual ainda precisam se levantar com indignação contra o encerramento de um caso de uma presa palestina que alegou ter sido estuprada por um Policial de Fronteiras. E os membros do Parlamento não protestaram contra a vergonhosa prisão de sua colega, Khalida Jarrar, cuja detenção sem julgamento foi novamente prorrogada na semana passada por outros seis meses.
Se até Tamimi não conseguiu despertar sentimentos de solidariedade, choque ou culpa por aqui, então o processo de negação, encobrimento e repressão – a iniciativa mais importante da ocupação depois dos assentamentos – finalmente foi completado. Nunca houve tal horripilante indiferença por aqui, nunca o autoengano e as mentiras prevaleceram de forma tão completa em Israel e nunca houve tão poucos escrúpulos morais frente à injustiça. Nunca o incitamento tinha vencido de forma tão completa.
Os israelenses não são mais capazes de se identificar com uma brava moça, mesmo quando ela se parece com sua filha, unicamente porque ela é palestina. Não há mais palestinos que possam tocar os corações dos israelenses. Não há injustiça que possa ainda elevar nossa consciência, que se extinguiu completamente
Não nos incomodem; nossos corações e mentes estão impermeabilizados de uma forma aterrorizante.
Editoria Internacional, Esquerda Online
Foto: Ahed Tamimi, sendo escoltada pela polícia israelense no presídio de Ofir, na Palestina ocupada. Créditos: Ammar Awad/Reuters