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Jerusalém – capital da ocupação ou da resistência?

No passado dia 6 de Dezembro o presidente americano Donald Trump anuncia o reconhecimento por parte dos Estados Unidos de Jerusalém como capital de Israel e o consequente plano de mudar a embaixada americana para aquela cidade. Israel agradece e espera que outros sigam o exemplo.

Para melhor se entender o significado deste desenvolvimento, convém recuar umas décadas. Em 1948, as potências ocidentais com a conivência da URSS, reconhecem ao movimento sionista o direito a um estado (Israel) na Palestina histórica, estado esse assente na limpeza étnica e expulsão de centenas de milhares de palestinianos das suas casas e terras, consagrando um grupo etno-religioso disperso pela região e pelo mundo como o detentor da cidadania de pleno direito. Este estado inclui inicialmente a metade ocidental de Jerusalém mas vem mais tarde em 1967, no âmbito da sua política de conquista expansionista, a anexar também Jerusalém oriental, considerando em 1980 a cidade inteira como a sua capital.

Desde então, a história tem sido marcada pela brutal ocupação do restante território palestiniano (Gaza e Cisjordânia) e pelo apartheid praticado em relação à população palestiniana (residente dentro e fora do estado de Israel). Em pleno final de século XX e início de século XXI, décadas depois dos europeus largarem oficialmente as suas colónias em África e na Ásia, Israel desloca activamente população judia para áreas de onde foram antes expulsos palestinianos, que então se tornam “colonatos” puramente israelitas. Jerusalém tem sido um ponto quente desta política, com a demolição sistemática de casas palestinianas e a construção de casas para colonos israelitas. Independentemente de há quanto tempo ou há quantas gerações lá vivam, os palestinianos têm um estatuto precário de imigrantes residentes sem direito a serviços municipais básicos e os israelitas um de cidadania de pleno direito.

Neste contexto e como forma de sossegar a resistência palestiniana que pede terra e direitos, foi acordado nos 90 entre Israel e a OLP (Organização de Libertação da Palestina) de Yasir Arafat, com o patrocínio dos Estados Unidos, que a Palestina seria futuramente partida em dois estados – o actual de Israel e outro palestiniano nas antigas fronteiras de 1967. O estatuto de Jerusalém seria objecto de discussão futura.

O anúncio de Trump, eco da vontade da direita sionista, consagra a ocupação da cidade inteira, a colonização e a limpeza étnica em curso como factos consumados e patrocinados pelo imperialismo norte-americano, para quem Israel é um posto avançado no médio oriente. Desengane-se quem pensar que Trump representa um caso inédito e isolado. Antes, já Clinton, Bush e Obama tinham feito promessas neste sentido. Trump terá sido sim, o único que as cumpriu.

A lição mais importante a retirar nestes dias, em que Israel responde à resistência palestiniana com centenas de detenções e alguns bombardeamentos, é que a suposta “solução dos dois estados” está morta e enterrada, pois nem quem a propôs cumpre as suas condições mínimas. Na prática esta solução só antevê um único estado (Israel), por sinal um estado racista e expansionista que representa a 4ª potência militar mundial, e do outro lado, um pseudo-estado (Palestina) descontínuo e sem qualquer viabilidade. O único caminho para uma verdadeira solução é obrigar Israel a substituir-se por um estado com plenos direitos para todos e onde quem foi expulso possa voltar.

Para isso mesmo tem trabalhado a campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) que tem contribuído para o isolamento crescente de Israel. E também para Jerusalém, a resistência e a solidariedade já mostram uma vez mais que nem tudo são factos consumados, com Trump a ver-se sozinho encurralado sem ninguém a fazer coro da sua decisão e a admitir que a mesma já não será para este mandato.

 

André Traça

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