O Syriza venceu as eleições antecipadas na Grécia, tendo perdido um só ponto percentual face a Janeiro, o mesmo, de resto, que perdeu a Nova Democracia, partido tradicional de direita, representante da oligarquia grega e dos desejos de Berlim.
O Syriza não era a primeira opção nem de Merkel nem da classe dominante grega que queriam o regresso da direita. Porém, ao contrário da eleição de Janeiro, em que festejámos a vitória de Tsipras como uma vitória do povo grego, apesar de alertarmos já aí para as limitações da orientação política do Syriza, hoje não podemos festejar.
O que significaram estas eleições?
Em Julho, 62% do povo grego votou “não” a um novo plano de austeridade. No dia seguinte, Tsipras chegou a acordo com o Eurogrupo em torno de uma versão piorada desse mesmo plano, o mais duro plano de austeridade que a Grécia e a Europa viram nos últimos anos. Claro que isso foi o choque para o povo grego e a esquerda europeia. Após isso o governo Syriza entrou em guerra com a sua ala esquerda, que votou contra o acordo, novas manifestações, alentadas pelo Partido Comunista Grego, acorreram à Praça Sintagma. Tsipras parecia estar a pairar no ar, aprovando as novas medidas de austeridade com o apoio do eurogrupo e da direita. Por isso Tsipras se demitiu e convocou novas eleições: queria, ainda antes de começar a aplicar a dura austeridade que já aprovou, voltar a legitimar o seu governo. A vitória do Syriza em Janeiro e a vitória do não no referendo de Julho, foram vitórias contra a austeridade. Essas vitórias foram, como sabemos, traídas pelo Syriza. A reeleição de ontem serviu para apagar, para derrotar, essas vitórias eleitorais do povo grego. A reeleição de Tsipras serviu para plebiscitar uma traição. Festejámos a vitória de Alexis Tsipras em Janeiro, quando lhe foi entregue um mandato para terminar com a austeridade, não podemos festejar um novo mandato que tem hoje o sentido oposto: implementar mais cortes e privatizações.
Como disse o ex-ministro das finanças grego, Yannis Varoufakis, que apoiou a ruptura da esquerda do Syriza, a Unidade Popular, ele não mudou o seu voto – um voto contra a austeridade e a submissão – o Syriza é que mudou o seu voto, apoiando agora os planos de Merkel.
Como pôde o Syriza vencer?
A muitos comentadores televisivos pareceu bizarro como pôde o povo grego votar no Syriza em Janeiro para travar a austeridade e dar-lhe agora o mesmo apoio para a implementar. As sondagens que davam a vitória à direita reflectiam mais as esperanças da elite grega e europeia do que a opção do povo e trabalhadores gregos. Estes podem ter ficado confusos com os enganos do Syriza, mas têm muito claro o que significam os governos da Nova Democracia e recusam-se a voltar a esses tempos. Ao mesmo tempo, Tsipras foi previdente: convocou eleições antes que o povo começasse a sentir na pele as medidas que ele já aprovou. Ou seja, é perfeitamente natural que o Syriza tenha vencido, por um lado ainda é quem representa, aos olhos de milhões, a luta do povo grego para romper com a austeridade, por outro as hesitações da sua ala esquerda, que rompe dom Tsipras, impreparada para polarizar votos à esquerda, fazem com que rupturas pela esquerda na base do Syriza se atrasem. Por fim, é até possível que parte do eleitorado que ao centro tinha, há alguns meses, receio da esquerda “radical”, tenha agora votado em Tsipras, por ver que afinal, ele não é assim tão radical. O percurso dos trabalhadores gregos para tirarem as conclusões correctas, revolucionárias, do “máximo engano” que tem sido o governo do Syriza, será lento. E só acabará em bem caso haja uma esquerda que não se deixe prender aos recuos de Tsipras e possa apontar outro caminho.
A vitória deste Syriza, ajuda a esquerda europeia?
Claro que muitos activistas e trabalhadores de esquerda, apesar de criticarem a governação de Tsipras, festejam a sua nova vitória eleitoral. À partida isso parece fazer sentido: dado que ninguém quer o regresso da direita, e esta vitória de Tsipras poderia fortalecer a esquerda em toda a Europa. Há até quem acredite, na Grécia, em Espanha e em Portugal, que o que interessa é o Syriza “aguentar-se” no governo até o Podemos poder ser eleito em Espanha, e assim “mudar a correlação de forças”. Porém sabemos que não é assim. Aliás, um dos motivos pelos quais o Podemos parece arredado da luta por uma vitória eleitoral em Espanha é precisamente a traição do Syriza, que reforçou o sentimento de que “não há alternativas à austeridade”. O mesmo se passa com a esquerda em Portugal: os maiores adversários de BE e PCP nos debates televisivos não têm sido a direita e o PS, mas a claudicação do Syriza e as hesitações destas forças políticas na sua política face ao euro. O Syriza ter sido eleito de novo não irá, no médio prazo, ajudar a esquerda, dado que foi eleito para implementar a austeridade. Pelo contrário: o novo governo Syriza arrisca-se a desmoralizar consigo toda a esquerda que não saiba adoptar uma posição crítica.
O que fazer?
Na Grécia como em Portugal é preciso uma total independência face aos governos que representem as classes dominantes, nacionais e europeias, sejam esses governos constituídos pelos partidos tradicionais do capital, sejam eles encabeçados por novas forças de esquerda. A ilusão de milhões de trabalhadores numa governação “moderada”, que queira “romper com a austeridade sem sair do euro” ou limitar-se a “estudos sobre a viabilidade da saída do euro” e que não coloque a tarefa de romper com o euro para romper com a austeridade é o maior inimigo dos revolucionários. É nesse sentimento que se apoiam Passos e Costa quando entalam BE e PCP nos debates, agitando o espantalho da saída do euro.
Independência e unidade dos trabalhadores face aos governos da austeridade, em Portugal como na Grécia, essa é a tarefa número um da esquerda. É necessário voltar às ruas, às grandes manifestações e greves gerais e constituir uma frente de esquerda que não caia nas hesitações de Tsipras, nem se iluda com saídas dentro da moeda única. Ou seja, é necessário encontrar uma representação política para os 62% que votaram contra a austeridade. Essa é a grande lição destes meses de Governo Syriza: não há saídas fáceis e não bastam meias medidas e meias verdades contra a austeridade, não bastam renegociações da dívida nem estudos sobre eventuais saídas do euro. Por isso, voltar às ruas e ganhar a maioria dos trabalhadores e da juventude para uma saída anti-capitalista contra a austeridade é a única solução, todos os outros atalhos serão becos sem saída.