Grécia: Entrevista a uma jovem grega

Dimitra G. é uma jovem grega que habita em Lesvos. Com 29 anos de idade, é uma arquitecta desempregada e faz PhD em História. O MAS falou com ela para perceber qual a sua opinião sobre a actual situação grega.

MAS – Como vês a Grécia actualmente em termos sociais? Houve uma grande mudança desde a entrada da Troika no país?  

Dimitra G. – O povo grego encontra-se na pior situação dos últimos 50 anos. Milhões de desempregados e de famílias que vivem abaixo do limiar da pobreza, milhares de pessoas licenciadas que emigraram, centenas de sem-abrigo e de suicídios. Na realidade, uma crise humanitária que foi provocada pelas politicas de uma austeridade brutal e catastrófica implementada pela Troika nos últimos 5 anos.

MAS – A coligação Syriza ganhou as eleições. Em Portugal há muitas pessoas de esquerda que dizem que devemos apoiar o governo porque este está a ser atacado pela UE/Troika e não tem grande saída. O que pensas desta opinião? Também achas que o governo está sem saída perante a pressão dos credores? Achas que estão a fazer tudo o que está ao seu alcance? Qual a tua opinião sobre a sua prática política desde que venceram as eleições?Dimitra

Dimitra G. – A vitória da coligação Syriza em Janeiro tem uma importância histórica muito grande para a Grécia. Foi a primeira vez desde a ditadura que ambos os partidos que partilhavam o poder nos últimos 40 anos (Nova Democracia e PASOK), foram derrotados. Portanto, marcou o fim de uma era, uma era das grandes famílias e da corrupção que predominavam na vida política do pais. Trouxe também ao povo a esperança que tudo mudaria para melhor, porque teve que fazer grandes promessas para ganhar as eleições. Em muito pouco tempo mostrou que iria cumprir com os compromissos que estavam ao seu alcance na administração interna (legislação sobre a cidadania dos filhos dos imigrantes, união civil para casais homossexuais, restrição da brutalidade policial, etc.), ao mesmo tempo que iniciou  um ciclo de negociações com os credores e de divulgação internacional da crise grega. Mas, ao contrário do que tinha previsto, os parceiros da Europa nãο estavam dispostos a negociar a política de austeridade imposta pela Troika. Na minha opinião, esse foi o grande erro que a coligação Syriza cometeu enquanto governo: antes das eleições e durante os últimos meses, em vez de preparar o povo para um confronto difícil, mas necessário, fez tudo parecer muito simples e fácil. Portanto, acho que a esquerda europeia tem que apoiar o governo Syriza, mas com uma abordagem critica, para não repetir os mesmos erros.

MAS – Achas que o governo da coligação Syriza está mais forte agora ou achas que está a perder a confiança do povo?

Dimitra G. – Grande parte dos seus apoiantes ficou desiludida quando o governo Syriza fez uma proposta com medidas muito duras, com uma linha totalmente oposta ao que tinha prometido, tentando alcançar um acordo com os parceiros e credores. Além disso, como a maioria da população não estava preparada para uma ruptura, grande parte ficou assustada com os acontecimentos dos últimos dias e perdeu a confiança no Tsipras.

MAS – Concordas com a existência do referendo que irá realizar-se? Qual pensas ser a posição que poderá ganhar?

Dimitra G. – De momento, o referendo parece-me a única solução que o governo tem para sair de uma situação extremamente difícil, de imensas pressões, tanto externas, como internas. Também acho que o povo deve participar na tomada de decisões importantes que dizem respeito à sua vida, e o referendo é um meio de democracia directa. O problema é que com o encerramento dos bancos e a asfixia económica que nos está a ser imposta, é difícil de ter calma e decidir com lucidez. Além disso, os credores juntaram-se com a oposição e com os oligarcas para realizar uma incrível propaganda de terror. Todos os canais da televisão (mais de cinco) participam nesta campanha juntamente com muitas revistas e jornais populares, pois a maioria dos media pertence aos oligarcas que têm interesses muito fortes em acabar com o governo do Tsipras. Infelizmente, só há de momento na televisão grega um canal público que é objectivo. Por tudo isto, temo que muita gente vá ser vítima dessa propaganda, especialmente pessoas mais velhas que não tenham acesso a outros meios de informação como a internet. Portanto acho que, de momento, o resultado não pode ser previsto.

MAS – O Partido Comunista Grego apelou ao voto nulo no referendo. O que achas desta posição? Achas que há muita gente a pensar não votar, ou votar nulo?

Dimitra G. – Desde o início, o Partido Comunista Grego decidiu não apoiar o governo e manter uma posição critica. Agora, apelou ao voto nulo em vez do Não para transmitir a mensagem de que não concorda nem com as propostas dos credores nem com as do governo. Essa decisão tem uma lógica, mas divide a esquerda num momento muito crítico. 

MAS – Sentes que a população grega está assustada com tantos vaivéns e com o fecho dos bancos? Achas que começa a existir vontade do povo para sair do Euro?

Dimitra G. – Acho que a cada dia que passa mais pessoas entendem que a União Europeia não é uma verdadeira união de todos. Como pode haver uma união com uma mentalidade colonial entre o Norte e o Sul, entre o centro e a periferia? O papel da Alemanha está a ser posto a nu cada vez mais. Começa a ser muito óbvio que a democracia não está a ser respeitada e que no centro da Europa encontram-se interesses financeiros muito fortes. Acho que o povo grego cada vez se apercebe mais de que com o Euro nos está a ser imposta uma ditadura económica. Contudo, também me parece que não foram feitos os actos necessários para organizar a produção interna e para sair do Euro em termos favoráveis para a nossa economia nacional. Também há sectores que tiraram capital para fora do país e que irão aproveitar-se caso haja uma mudança do Euro para a Drachma. Antes de sair do Euro, o governo tem que encontrar um modo de criar uma rede de segurança contra esses especuladores. Essa rede de segurança também terá de passar pela união dos países do sul e da periferia da Europa.

MAS – Como vês o futuro da Grécia, caso vença o Sim ou caso vença o Não?

Dimitra G. – Espero que o povo se aperceba que é um golpe de Estado camuflado o que os credores, junto com a comunicação social, querem provocar. Espero que a maioria vá votar Não. Caso contrário, nem quero imaginar o que irá acontecer, porque o Tsipras já anunciou que irá demitir-se. E, caso isso aconteça, o país vai entrar numa fase de instabilidade política muito perigosa. Por fim, o resultado do referendo é extremamente importante tanto para o futuro do país como também para o futuro da esquerda em toda a Europa.

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