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Eleições britânicas indicam sinais de mudança

Dentro de dois meses, num momento de profundas transformações no continente europeu, acontecerão as eleições para o parlamento britânico. Após anos de austeridade e cortes, mas também de resistência dos trabalhadores e da juventude, as mudanças no cenário político impõem-se. As próximas eleições gerais do Reino Unido serão as mais turbelentas e imprevisíveis desde a Segunda Guerra Mundial.

Seguindo a dinâmica “grega-espanhola” há uma crescente saturação do bi-partidarismo “Labour-Conservatives”. Após cinco anos de coligação governamental entre os “Conservatives” e os “Liberal-Democrats”, há um grande desgaste de ambos os partidos. Especialmente dos Liberais que não chegam a 8% nas sondagens actuais, comparado com os 16% que tiveram nas últimas eleições. Por sua vez, os “Tories” (apelido dos “Conservatives”) passam também por um esgotamento irreversível. Com um passado de 2 milhões de membros, hoje contam com apenas 170 mil, e uma média de idade de 74 anos! Estão pagando o preço de comandar os últimos 5 anos de austeridade,  deixando a população trabalhadora numa pobreza cada vez maior.

Os discursos de David Cameron sobre a recuperação económica escondem uma realidade muito mais instável e preocupante, que é parte de uma Europa ameaçada pela recessão e estagnação. O que sustenta o atual crescimento britânico é uma sucessão de duros ataques aos trabalhadores. A perda salarial desde 2008 é a maior registrada desde 1850. Aumentam-se os trabalhos temporários e precários, como os chamados “zero-hour contracts”; apenas um em cada quarenta trabalhos criados é de tempo integral. Benefícios sociais diminuem, assim como creches, bibliotecas, parques. Em Londres, o aumento do preço das rendas e a falta de casas sociais tem gerado uma grave crise de habitação, com ocupações e movimentos ganhando força. O que mais preocupa os britânicos diante de tudo são os ataques e tentativas de privatização do NHS – Sistema Nacional de Saúde.

Mesmo com todo o desgaste do governo “Tories-Liberals”, o Labour não é mais capaz de capitalizar o descontentamento. O partido que governou o Reino Unido no pós-Segunda Guerra Mundial e gozava de um amplo apoio e confiança dos trabalhores, é cada vez menos visto como uma real alternativa. Não é para menos. As políticas de austeridade com o Labour são para manter; a sua gestão à frente de uma série de governos locais é prova disso. Desde o governo de Tony Blair e a decisão de entrar na guerra contra Iraque e Afeganistão, as esperanças no Labour reduzem-se a passos largos. Nem sequer a forte relação com o movimento sindical, que possuem desde a sua fundação, tem sido suficiente para manter o seu prestígio. Com o processo de direitização e institucionalização, os trabalhadores já não olham para o Labour como o seu partido. A única motivação que restou para ganharem votos é tirar os “Tories” do governo, como um mal-menor.

Diante disso, os trabalhadores e a juventude começam a buscar novas alternativas. Na Escócia, após o Referendo pela independência onde o Labour defendeu o “Não”, houve uma enorme migração de apoio ao SNP – Scottish National Party. O crescimento foi tão grande que estes chegaram ao posto de 3º maior partido do Reino Unido em poucos meses.

Com um forte discurso anti-imigrantes, outro partido que tomou o cenário político foi o “UKIP” – United Kingdom Independence Party. Contando com uma forte ajuda mediática, apresentaram-se como um partido diferente, ´anti-establishment`, e com uma solução para a saída da crise: fechar as fronteiras, romper com a União Europeia e culpar os imigrantes. Este partido nacionalista está a ganhar cada vez mais apoio, com 14% nas sondagens, preocupando as organizações de esquerda e movimentos sociais que reagem firme contra seu discurso racista e xenófobo.

Por outro lado, cresce também em ritmo acelerado outra alternativa: o “Green Party”. O partido que lutou para chegar a 1% nas eleições de 2010, agora conta com 6% nas pesquisas e um número crescente de membros, especialmente da juventude e classe média. Apresentam-se como uma alternativa ao Labour, um “UKIP de esquerda”, e tentam surfar na “onda Syriza”. Com um discurso de justiça e respeito ao meio-ambiente, e inclusive contra os cortes, possuem um programa e uma prática política de conciliação com o capital e de abrandar o plano de austeridade. Por exemplo, sobre a reivindicação do salário mínimo de 10£/hora, defendida pelas organizações de esquerda, os Greens defendem que seja aprovada com o prazo de até 2020 para que “o mercado possa se ajustar”. Não estão realmente comprometidos com o interesse popular.

No último ano, há um considerável aumento de campanhas anti-austeridade, greves e protestos populares espalhados pelo Reino Unido. A verdade é que o desgaste do bipartidarismo é expressão, assim como em outros países europeus, de um esgotamento com o modelo capitalista de representação e suas instituições. Um sentimento de basta aos anos e anos de “mais do mesmo”. Nessas eleições, há um maior número de pessoas que ficarão em casa como forma de protesto, ou votarão desesperançosos.

Ainda assim, essa situação tem fortalecido algumas alternativas de esquerda, ainda que pequenas e fragmentadas. Nas eleições, sairão com candidatos para o parlamento o recém fundado Left Unity, partido criado em 2013 por figuras como Ken Loach e Tariq Ali, além do TUSC, Coligação sindical e socialista, que unifica Socialist Party, SWP (Socialist Workers Party) e RMT (sindicato dos trabalhadores do transporte). Em Liverpool, após a luta vitoriosa contra o fechamento de 11 bibliotecas foi criado o movimento “No Austerity” que realizou uma Conferência, aprovando uma manifestação em abril e a participação nas eleições de forma independente.

Ainda está longe de haver na Inglaterra uma situação política que se assemelhe à Grécia ou Espanha, mas tão pouco a gelada ilha do norte fica imune aos ventos de mudança. Com ritmo e intensidade diferentes, há também aqui uma nova situação se desenvolvendo que estará expressa nas próximas eleições mas, acima de tudo, nos próximos capítulos da luta dos trabalhadores e da juventude.

Luís Moreira e Clara Saraiva, desde Londres

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