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Kobane e a Revolução Síria

Mais de um mês depois de ter começado o ataque do Estado Islâmico (EI), a cidade curda de Kobane não só não caiu como a resistência tão heróica como desesperada do seu povo conseguiu deter os seus brutais agressores.

O preço, não obstante, é alto. Até à data, mais de 700 pessoas morreram e outras 300.000 tiveram de fugir do cerco do EI[1].

Porém a batalha continua intensa. Dentro da cidade, movimentando-se entre os esqueletos dos edifícios, a fazer buracos nas paredes para posicionar o ponto de mira, preparando emboscadas e recorrendo, inclusive, a ataques suicidas, milhares de combatentes das Unidades de Protecção Popular (YPG)[2], comandadas por Narin Afrin, uma mulher que emociona pelo seu valor, seguem dando ao mundo demonstrações de uma determinação que parece inesgotável.

As milícias curdas contam também com o apoio activo de pelo menos três batalhões de combatentes árabes, todos provenientes da resistência síria: o batalhão revolucionário de Raqqa; o batalhão “O Sol do Norte”; e o batalhão de “Jirablis”. Pelo seu lado, a 4 de Outubro, o Exército Livre da Síria (ELS) decidiu aderir a este esforço e mandar um milhar de combatentes para defender Kobane.[3]

Neste sentido, deu-se um facto fundamental e extremamente progressivo: o acordo do Comando Geral do YPG com o ELS, para lutar “contra o terrorismo e pela construção de uma Síria livre e democrática”, que por sua vez também confirma uma “coordenação entre nós [YPG] e as facções importantes da FSA no campo Norte de Aleppo, Afrin, Kobane e Jazia. Actualmente, há facções e vários batalhões da FSA que lutam do nosso lado contra os terroristas do ISIS”[4].

A defesa da cidade deve ser atribuída, sobretudo, à resistência kurda, não só na Síria, mas em toda aquela nação de mais de 30 milhões de pessoas que estão dispersas nos actuais territórios da Turquia, Iraque, Irão e Síria.

Isto materializa-se, desde o começo do ataque a Kobane, em milhares de combatentes do PKK que tentaram cruzar a fronteira turca para unir-se à resistência. A resposta do governo turco de Recep Tayyip Erdogan foi bombardeá-los no Sudeste da Turquia, entre as fronteira com o Iraque e o Irão[5].

Por sua vez, outras centenas de peshmergas, a força armada do Curdistão iraquiano, que desde Junho combatem o EI no seu território, ofereceram-se também para lutar em Kobane.

Tudo isto ocorre no momento de massivas manifestações de curdos exigindo apoio material a Kobane, que ocorreram em Berlim, Bruxelas, Paris e outras cidades europeias poucos dias antes. Na Turquia, a repressão de Erdogan a estas mobilizações causou dezenas de mortos em Istambul, Ancara e, sobretudo, em Diyarbakir, considerada a “capital” curda nesse país.

Estes factos confirmam que a unidade de toda a nação curda, em primeiro lugar, e deste povo oprimido com as milícias árabes da resistência síria são a chave para derrotar as hordas do EI e, ao mesmo tempo, intensificar a resistência contra a ditadura síria. Isto, como vimos, está a ocorrer, mesmo que de forma incipiente. É hora de estreitar mais estes laços de solidariedade na luta!

Isto é urgente pois a ameaça do EI continua em toda a sua força. Para este “partido-exército” com programa teocrático-dictatorial, Kobane, localizada entre as cidades de Cerablus e Tell Abyad, permitiria uma continuidade territorial com a área já ocupada no Norte da Síria, sendo também uma porta de entrada para a Turquia.

Outro motivo importante para os é a captura da cidade de Cizre, situada no extremo oriental da Síria e que tem um campo de petróleo importante (Rimela). A conquista destes objectivos facilitaria enormemente a provisão de petróleo (com a qual se financiam) e o fornecimento logístico através da Turquia, recursos usados para esmagar a revolução síria.

O papel dos bombardeamento dos Estados Unidos  

Confirmando que a intervenção aérea dos Estados Unidos nada tem de “progressiva” nem de “humanitária”, o imperialismo demonstrou pouco interesse pela sorte dos curdos em Kobane.

Em menos de duas semanas, nas horas mais terríveis do cerco “jihadista” à cidade, o Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, declarou Kobane como “objectivo não-estratégico”[6]. De facto, quando começaram os bombardeamentos imperialistas, a 23 de Setembro, o EI estava a 60 km de Kobane. Poucas semanas depois, havia tomado um terço da cidade.

Não obstante, o rápido avanço do EI em Kobane (que se somam aos progressos militares do EI perto de Bagdad) começou a demonstrar os limites da operação militar norte-americana, dando razão às críticas da oposição interna nos Estados Unidos, sobretudo dos “falcões” republicanos e “neoconservadores” em geral, que vêem exigindo “botas no terreno”, algo que Washington, por falta de condições políticas favoráveis, reiterou que não haverá.

O governo de Obama, então, encontrou-se a caminhar numa linha fina, pois, por um lado, não podia “ajudar” decididamente os curdos, porque isso criaria más relações com a Turquia, país com o qual a Casa Branca comparte a sua oposição sobre a autodeterminação do povo curdo; por outro lado, não podia permitir um avanço fulminante do EI, já que isto retiraria “confiança” à intervenção aérea em curso.

Neste marco, sem jogar em pleno para “salvar” Kobane, desde há poucos dias o imperialismo intensificou os bombardeamentos aéreos às posições jihadistas. Ao mesmo tempo, o Pentágono anunciou uma entrega de 28 lotes de armas e medicamentos via aérea aos defensores de Kobane, doados, na verdade, pelos peshmergas iraquianos, sem que se possa verificar se efectivamente chegaram ao destino, pois o EI difundiu um vídeo em que, aparentemente, as suas tropas se apoderaram desse carregamento[7]. De todas as formas, Kerry foi categórico ao afirmar que esta medida, muito limitada, era “momentânea”, produto de “uma emergência diante dum momento de crise”[8].

Assim, o governo turco decidiu abrir um sector da fronteira com o Iraque para que unidades peshmergas desse país possam reforçar a defensa de Kobane. Isto tem a ver, em parte, com as pressões das mobilizações curdas na Turquia e na Europa.

Para além disso, existe outro elemento. Para o governo turco, as relações com o Governo Regional do Curdistão iraquiano são muito diferentes das sustentadas com o PKK. Desde que o Curdistão iraquiano, que conta com autogoverno desde 2005, tomou em Junho a cidade de Kirkut e defendeu-a face ao avanço do EI, conta com umas reservas petrolíferas estimadas em 45.000 milhões de barris, que começaram a exportar este ano a partir do porto turco de Ceyhan, configurando um bom negocio para Ancara[9].

Contudo, apesar desta medida, a atitude do governo turco continua a ser de não intervir em Kobane, pois, nas palavra de Erdogan: Criar uma frente contra o ISIL [como se conhecia antes de EI] poderia significar dar armas ao PYD, mas para nós o PYD é o mesmo que o PKK, uma organização terrorista”[10].

É o momento de aproveitar estas contradições dentro do imperialismo, e deste com o governo turco, para exigir com mais afinco o envio incondicional de armas pesadas para os combatentes de Kobane, para além da abertura total da fronteira turca para a livre passagem de voluntários curdose de qualquer outra origem para defender os curdos sírios.

Defender Kobane é defender a revolução síria! 

O destino de Kobane está intimamente ligado ao desenvolvimento da revolução síria. Esta cidade foi libertada do regime de Al Assad em 19 de Julho de 2012 e é parte da região de Rojava (Curdistão sírio) que com a revolução ganhou uma administração autónoma, no marco da luta mais geral pela autodeterminação nacional.

Estas cidades transformaram-se em “regiões democráticas autónomas”, a partir de uma confederação de “curdos, árabes, sírios, caldeus, turcomanos, arménios e chechenos” como declara o Preambulo da Constituição de Rojava de Novembro de 2013, algo muito progressivo, apesar do carácter burguês da direcção curda do PYD.

Um triunfo sobre o EI em Kobane seria duplo: significaria um avanço para a autodeterminação do povo curdo e daria um impulso ao combate contra a ditadura de Al Assad. Por isso, como vimos insistindo, a unidade militar dos curdos com os rebeldes sírios árabes é condição para a vitória.

Neste sentido, é necessário combater as direcções burguesas, tanto árabes como curdas, que, respectivamente, não reconhecem o direito à autodeterminação do povo curdo o se fecham numa perspectiva meramente nacionalista, sem se comprometerem a fundo na luta para derrotar Al Assad.

Os revolucionários, no marco do apoio incondicional à revolução síria de conjunto e ao direito inalienável da nação curda a constituir um Estado independente, contra Al Assad e contra o EI, estamos completamente comprometidos com a vitoria militar dos curdos em Kobane, que constitui nos nossos dias um dos capítulos mais emblemáticos e comoventes da justa causa nacional deste povo oprimido.

Daniel Sugasti, LIT-QI

(Tradução de Diogo Trindade)

Notas

[1]Dados do Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

[2] As milícias YPG estão ligadas ao Partido da União Democrática (YPD), que por sua vez está vinculado ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), com centro na Turquia e catalogado “organização terrorista” pelos Estado Unidos, pela OTAN, UE e, evidentemente, pelo governo turco.

[3] http://www.vientosur.info/spip.php?article9472

[4]Declaração do Comando Geral YPG em Kobane, ver: http://www.corrienteroja.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=1516

[5] Existem, por outro lado, mais de 8.000 presos políticos curdos nas prisões turcas, acusados de “terrorismo”.

[6] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/20/actualidad/1413786881_623447.html

[7] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/22/actualidad/1413960626_494894.html

[8] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/20/actualidad/1413786881_623447.html

[9] A Turquia compra 500.000 barris de petróleo diários ao Iraque.

[10] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/19/actualidad/1413752080_429982.html

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