Depois que o mito do “tigre celta” eclipsou em 2010, com a burguesia e a banca irlandesa a baterem à porta do FMI e do BCE, os políticos portugueses insistem em ressuscitar o defunto. O fim do programa da troika na Irlanda, ao fim de quatro anos de destruição do emprego e da economia do país, é apontado agora como um exemplo de como os planos de austeridade da União Europeia, Banco Central Europeu e FMI dão certo.
Outro exemplo de sucesso que a imprensa está a apontar é o da Espanha, que está às portas de acabar com o seu programa de ajustamento para a banca.
Seria cómico se não fosse sério.
Os economistas (sérios) comentam que a Irlanda só saiu do programa de ajustamento sem o “cautelar”, isto é, a continuidade da monitoração da troika, porque conseguiu estender o pagamento da sua dívida, o que significa comprometer o futuro do país ad aeternum. Baseou a sua recuperação no superavit da balança comercial, mas o PIB caiu 8,5%. Além disso, mantém todo o receituário de cortes, recessão e pobreza imposto pela troika.
Mais pobres ou mais ricos
A pergunta que se tem de fazer é como estão os povos desses dois países após as medidas que têm sido implementadas. A resposta é muito mais pobres e com a perspetiva de assim continuarem.
O desemprego e o subemprego na Irlanda atingem 35%. O desemprego está em cerca de 14% e só não é maior devido à emigração em massa, um fenómeno que faz lembrar o desastre provocado pela Grande Fome em meados do século XIX: mais de 300 mil trabalhadores emigraram de 2009 até 2012.
O governo, uma coligação entre Fine Gael (direita) e Labour Party (partido trabalhista semelhante ao inglês, com grande controlo dos sindicatos), vem impondo cortes na despesa pública, despedimentos em massa de funcionários públicos e reduções salariais de cerca de 20%. Salários e pensões foram cortados entre 25% e 40%, e a idade da reforma foi adiada de 3 a 5 anos.
“Mais uma vez, o governo está a tentar enganar o povo. Enquanto destroem o serviço de saúde e infligem cortes cruéis sobre os idosos, os doentes e os jovens, tentam enganar as pessoas para que pensem que tudo isso vale a pena”, disse Richard Barret, porta-voz do People Before Profit (Pessoas antes do lucro), uma aliança de esquerda.
“O ‘mantra’ de que estamos a sair do resgate não é nada mais do que uma miragem. O que realmente está acontecendo é que estamos deixando um regime de austeridade para entrar em outro. Enquanto essa dívida, que vem sobrecarregando o povo injustamente, continuar em vigor, a troika continuará a nos controlar”, denunciou. Ele deu como exemplo o facto de que só a dívida para com o Banco Anglo-Irlandês chegará a € 47,9 mil milhões em 2031, 30% do PIB do país, se o pagamento não for suspenso.
A farsa portuguesa
A história por aqui está muito parecida. Como farsante de 3ª categoria, Portas vai recitar em Madrid a mantra (ou o fado) português: que o desemprego caiu e o país saiu da recessão, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). O pífio crescimento do PIB em 0,3% no terceiro trimestre é apresentado como uma vitória do governo e do seu plano de ajustamento. Assim como um desemprego de 15,6% no terceiro trimestre deste ano, um valor inferior em 0,2 pontos percentuais ao mesmo trimestre em 2012 e 0,8 pontos percentuais em comparação com o 2º trimestre deste ano.
Isso significa mesmo que estamos a sair da recessão? Não, e nem poderíamos com a política do governo. Isso simplesmente significa que há menos 100 mil portugueses empregados do que há um ano e que estão a emigrar pelo menos 10 mil por ano. Além disso, os empregos criados e/ou mantidos têm salários cada vez mais baixos.
Segundo relatório do Banco de Portugal sobre a economia portuguesa em 2012, mais da metade dos trabalhadores portugueses foi penalizada com a redução nominal de seu salário em pelos menos 7,2% nesse ano. A contrapartida é óbvia: os trabalhadores perderam, mas os empresários ganharam. Os rendimentos de propriedade e empresa aumentaram 7,5% em 2012.
Portanto, o choradinho do ministro Portas a dizer que não aceita rebaixar salários, como insiste o FMI, não passa disso. Os salários já estão mais baixos e vão continuar a baixar se o Orçamento para 2014 for aplicado.
É exatamente isso que devemos impedir.
Cristina Portela