Entrevista com Wagner Mustapha, de Itália
Apenas uma semana depois da tragédia de Lampedusa houve novo naufrágio dramático no golfo da Sicília, desta vez acrescentando crianças às vítimas da política terrorista da União Europeia.
Para falar sobre a tragédia de Lampedusa, entrevistámos Wagner Moustapha, imigrante senegalês em Itália, responsável nacional do CUB-Imigração (Confederação Unitária de Base, central sindical italiana) e membro da Comissão de Trabalho de Imigrantes do partido italiano PdAC (Partito di Alternativa Comunista), membro da LIT-QI.
PdAC: A tragédia de Lampedusa suscitou tanta indignação, pensas que haverá alguma mudança?
WM: Os desembarques não vão parar e as políticas aplicadas com base no mote “Ajudemo-los em sua casa” também não mudarão a situação. Os povos sofrem, as políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial massacraram as terras, a pesca, a agricultura dos povos de África, com a colaboração dos governos locais. A Europa leva as armas para África.
Depois de ter criado uma situação de contínua emergência humanitária em África, fecha a porta e, em relação ao que se passou em Lampedusa, demonstra só a verdadeira cara do egoísmo e da agressividade do imperialismo. O que fizeram por nós, pelos trabalhadores, não apenas imigrantes mas também os italianos, estes políticos que agora especulam com a tragédia de Lampedusa? Um chinês pode conseguir um visto para vir a Itália. Um senegalês que quer vir a Itália não pode obter o visto nas embaixadas dos países ricos.
Por isso, a sua única possibilidade para fugir da fome e da miséria é desafiar a morte no mar. Ninguém poderá travar este êxodo em massa. Há que acabar com o conceito de clandestinidade. A livre circulação é a única forma de aliviar o sofrimento e impedir os dramas da clandestinidade.
PdAC: Não achas que é impossível abolir o conceito de clandestinidade na sociedade actual?
WM: Não posso aceitar a indiferença e dá-me coragem quando vejo que existem tantos sicilianos, tantos italianos que fizeram tudo e continuam a fazer para salvar os irmãos imigrantes.
Mas, para os governos, os valores de fraternidade e solidariedade não significam nada. A Liga (Liga Norte – fascista, de Umberto Bossi) está a especular com toda esta tragédia. A Liga está a fazer circular notícias falsas sobre a vida dos imigrantes na sua campanha eleitoral. Afirmam que se trata de uma “invasão”, quando a Itália é um dos países europeus com menor taxa de imigração. Grillo, do Movimento 5 Estrelas, fala como um grande fascista e faz cálculos eleitorais especulando com as mortes.
Os que chegam à costa italiana não são considerados pessoas. Aquele que ali chega é uma mercadoria, não apenas dos traficantes, mas também dos governantes. Nós, os imigrantes, para eles, somos mercadoria. Para perceber isto, basta prestar atenção ao que eles escreveram nas leis que aprovaram. Que os imigrantes são mercadoria, a Liga Norte di-lo abertamente, sem qualquer problema, enquanto o Pd (Partido Democrático, de Letta, actual primeiro-ministro) e o Pdl (Partido do Povo e da Liberdade, de Berlusconi) fazem-no em voz baixa. Berlusconi trouxe os fascistas de volta à cena e estes, por sua vez, tentam legitimar o racismo. Com o seu governo, foi aprovada a lei Bossi-Fini, que o Governo Letta não revogou.
Diante dos cadáveres das crianças há quem tenha especulado e há quem não se tenha indignado, esta falta de indignação também ocorreu em certos sectores de imigrantes. Os filhos dos imigrantes que estão na Europa e que conseguiram um certo bem-estar devem-no aos seus irmãos africanos. Esta é a barbárie deste sistema, o capitalista, que está a apodrecer e a arrastar a humanidade para o cinismo, o racismo e a selvajaria. Só os povos da Europa e África unidos, juntos, podem dar uma resposta, e não, obviamente, os governantes e os governos europeus da banca.
PdAC: Muitas pessoas, inclusivamente de esquerda, dizem que é um ideal inatingível…
WM: Há uma grande injustiça social no mundo e a maior parte da população mundial luta por ter desenvolvimento e alimentos.
Agora viu-se a tragédia de Lampedusa; fazia falta que fosse visível também a tragédia que acontece diariamente no deserto do Mali e da Argélia, onde os jovens partem para caminhar até à Líbia e depois chegar à Sicília. Partem dez e chegam três.
Às mulheres italianas eu digo: vocês sabem quantas mulheres são violadas na Líbia pelas forças repressivas e que chegam à costa de Itália grávidas dos seus violadores. Temos que terminar com tudo isto de uma vez. Temos de nos revoltar, basta de lágrimas. Para dar dignidade a estes mortos, mortos que são identificados com um número, é necessária uma resposta. É verdade que é difícil, mas é necessário, e tem que ser possível.
O sofrimento às vezes permite ao ser humano ganhar força e desenvolver a sua capacidade física e moral. Isto temos que ser nós a fazer. Nós não podemos aceitar que se ponha o pobre contra o pobre. A luta contra o racismo e a exploração tem que ser global, mas, para globalizá-la, é preciso organização e, para nos organizarmos, são precisos os instrumentos necessários.
Eu penso que o embrião deste instrumento necessário já existe. Estou convencido de que a LIT – Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional, que está construindo partidos revolucionários não apenas na América Latina e na Europa, mas também em África, é o instrumento necessário, mas precisa de ser reforçada e engrandecida, que se conheça cada vez mais a sua organização e o seu programa.
Não é mais possível empenhar-se apenas numa palavra ou de forma fragmentada, sem uma visão organizada e a nível internacional. Esta é a luta em primeira linha do Pdac: e não é por acaso que são cada vez mais numerosos entre os novos militantes do nosso partido os camaradas imigrantes.
Entrevista de Patrizia Cammarata do PdAC