Tendências da situação na Grécia

Depois de a forte greve geral de 6/7 de Novembro ter sido insuficiente para travar a aplicação conjunta de cortes orçamentais no valor de 13 500 milhões de euros e de novas medidas de austeridade impostas pela troika (eliminação dos subsídios de Natal e Férias, aumento da idade da reforma de 65 para 67 anos, “despedimento” de dezenas de milhares de funcionários públicos, etc.), a instabilidade continua a ser o elemento preponderante.

Apesar das propaladas melhores condições recentemente decididas pela troika para os empréstimos à Grécia e da operação financeira de recompra de títulos da dívida pública por parte do próprio Estado por um terço do valor nominal (mais quinze anos para pagar o dinheiro emprestado e respetivos juros, diminuição da taxa de juros e suposto corte de 40 000 milhões de euros no cômputo total da dívida), não parece haver nenhuma base para estabilizar a situação económica, social e política.

Nada disso parece ter qualquer tradução prática minimamente positiva para o futuro dos trabalhadores, dos desempregados e do povo gregos. Para já, os salários e as pensões continuam a cair, os impostos estão a aumentar e o desemprego não para a sua espiral diabólica (vai em mais de 26% e alcança quase os 60% na faixa dos mais jovens).

As tendência eleitorais: incremento dos extremos, afundamento do centro e do governo

O cenário é parecido ao que se viveu nas eleições de 6 de Maio e de 17 de Junho, mas comporta agora duas novidades. A primeira é extremamente positiva: o SYRIZA aparece agora à frente nas sondagens com uma margem superior a 4% face ao partido do odiado primeiro-ministro (área semelhante à do PSD/PP em Portugal). A segunda tem contornos bastante negativos: os neo-nazis da Aurora Dourada duplicaram nas intenções de voto e estabilizaram como terceira força eleitoral (anda em torno dos 13 a 14%).

Entretanto os partidos do governo afundam-se ou estabilizam um pouco na mediocridade: a Nova Democracia perdeu a primeira posição para o SYRIZA e desce entre 4 a 9% do seu score de quase 30% em Junho; os “socialistas” do PASOK (parecido ao PS português) continuam a descida aos infernos e estão agora em volta dos 5%, o que representa menos de metade do que tiveram nas eleições de Junho de 2012 e quase dez vezes menos do que em 2009; os antigos progressistas do DIMAR (algo assim como uma força entre o BE/PCP e o “governista” PS) perderam o seu carácter minimamente progressivo e permanecem com uma pequena faixa de 4 a 5% dos votantes depois de um período em fins de 2011 em que chegaram a ter quase 20% nas sondagens.

Na consciência de muitos gregos, paira a ideia de que a inversão da política de desastre levada a cabo pelo governo grego e pela troika passará necessariamente por um novo processo eleitoral que leve o SYRIZA e a esquerda anti-troika ao poder (algo assim como um governo ou frente parlamentar BE/PCP/outras forças de esquerda e independentes no contexto português).

O SYRIZA continua, pois, a capitalizar o descontentamento popular, embora sem ter crescido muito nas intenções de voto desde que obteve 26% em Junho e num contexto em que a sua direção procura centralizar uma dúzia de tendências internas, aliás com uma oposição de esquerda que conseguiu recolher mais de um quarto dos votos dos delegados no último Congresso (agora em Dezembro de 2012) em reação contra essa política centralizadora de Tsipras e à sua aparente dogmatização de querer manter a Grécia atrelada ao Euro. Por sua vez, o ANTARSYA continua a sofrer a erosão provocada pela atração no voto útil do SYRIZA e não parece recuperar substancialmente do desastre eleitoral de Junho.

As tendência nas lutas laborais: falta mais democracia de base e mais radicalismo

Tornou-se comum referir que os gregos têm lutado com grande afinco contra os governos do seu país e contra a troika. Desde Maio de 2010, data do Primeiro Memorando, até Novembro de 2012, mês em que foi aprovado o Terceiro Memorando. houve mais de vinte greve gerais, das quais três foram de quarenta e oito horas (incluindo a de 6/7 de Novembro passado). Também se tornou um truísmo afirmar que nem assim conseguiram evitar as gravíssimas e sucessivas medidas que têm deteriorado bastante o seu nível de vida e a economia. Infelizmente, a realidade confirma até agora o truísmo.

Estamos em crer que para enquadrar o falhanço de todas estas estoicas lutas dos trabalhadores e do povo gregos nada melhor do trazer à colação a experiência do único movimento laboral que conseguiu travar medidas gravosas e centrais dos seus governos na Europa nas últimas décadas. Salvo erro, apenas os trabalhadores franceses em Novembro/Dezembro de 1995, na luta contra o aumento da idade da reforma e do número de anos de descontos, foi capaz de levar o governo a abandonar completamente tais medidas e a dar ao conjunto do povo a sensação de vitória integral contra os governantes.

Quais foram as razões que explicaram esta vitória? Em primeiro lugar, o comportamento exemplar dos ferroviários que, em assembleias de base decididas nas estações e sem controle burocrático das direções sindicais, avaliaram dia a dia a situação e renovaram a greve durante cerca de três semanas seguidas.

Em segundo lugar, o peso que a extrema-esquerda sindical tinha neste sector e que permitiu passar por cima do controlo das direções da CFDT (uma espécie de UGT portuguesa, próxima ao PS e um pouco mais à esquerda) e da CGT (a central sindical controlada pelo Partido Comunista Francês e parecida com a nossa CGTP, mas sem o peso enorme que esta tem entre nós), dando depois uma força acrescida ao sindicato combativo SUD (infelizmente, não temos ainda nada parecido em Portugal), pois a maioria dos ativistas ferroviários da CFDT transitou para o mesmo.

Em terceiro lugar, a força que o movimento ferroviário transmitiu aos trabalhadores de outros transportes públicos, a boa parte da Função Pública e a sectores minoritários dos privados (como os mineiros da Lorena), arrastando dois milhões de trabalhadores para uma greve de três semanas que semi-paralizou a França e conheceu alguns episódios de extrema violência contra as forças repressivas do Estado, como no caso dos mineiros da área de Metz que chegaram a investir “bulldozers” contra a polícia-de–choque.

Sabendo que este “case-study” deve ser melhor aprofundado por quem queira passar o nível das lutas simbólicas e deve inclusive ser complementado pelo estudo do movimento juvenil/sindical anti-CPE que também derrotou o governo francês em 2006, cremos que foram essas as razões essenciais que determinaram a vitória do movimento laboral sobre o governo francês em 1995.

A ineficácia de greves gerais de um dia ou 48 horas

Infelizmente, nada disso aconteceu ainda de maneira evidente na situação grega. A ineficácia das greves gerais de apenas um dia ou de quarenta e oito horas ficou mais do que patente. A argumentação muito difundida pelos dirigentes sindicais de topo segundo a qual os trabalhadores não podem fazer greves mais prolongadas devido às suas deficientes possibilidades económicas terá certamente algum grau de razoabilidade e de apoio na realidade concreta, mas a verdade é que tal argumentação contribui de modo decisivo para tudo continuar na mesma e os governos continuarem a seu belo prazer a diminuir salários, atacar direitos e a fazer todas as malfeitorias que querem.

A prática de decidir os movimentos laborais de cima para baixo (no seu calendário, formas de lutas, caderno reivindicativo e mecanismos centrais de decisão) também está muito difundida nos dirigentes sindicais de topo, mas é algo cujo grau de razoabilidade é muito discutível e cujos resultados ineficientes estão à vista na atual situação grega.

O exemplo da última greve geral de 6/7 de Novembro é bastante elucidativo: a direção do ADEDY (o grande sindicato da Função Pública grega) votou apenas por essa greve limitada, mas fê-lo de forma muito dividida com 19 votos a favor (incluindo os sete votos da fação do Partido Comunista Grego) e 17 contra por dirigentes sindicais oposicionista que pretendiam uma greve prolongada de uma semana; se no topo do sindicato, houve um tal radicalismo, não há nenhuma hesitação em afirmar que as bases do sindicato teriam tomado uma decisão muito mais incisiva e representariam bem melhor o sentimento geral dos trabalhadores do que uma direção parcelarmente burocratizada por profissionais relativamente alheios ao duro quotidiano dos trabalhadores.

Aparentemente, a apreciação da maioria da direção sindical prevaleceu e a força da base laboral (sindicalizada ou não) foi simplesmente esquecida. O resultado está aí: o Terceiro Memorando passou e o governo grego continua a aplicar toda a espécie de medidas gravosas. Por contraste com a lição do movimento vitorioso dos trabalhadores franceses em 1995, faltou democracia de base, radicalismo e fortalecimento de novas direções sindicais.

Porém, nem tudo se processou ou está a processar de acordo com a orientação dos dirigentes sindicais tradicionais (o mais das vezes ligados ao PC ou ao PASOK, tal como entre nós). Na ilha de Creta, uma assembleia de milhares de pessoas conseguiu prolongar a greve geral por mais um dia e emitiu um chamado nacional para que o movimento grevista continuasse por mais tempo. Porque periférico aos grandes centros urbanos e industriais, acabou por fracassar. Entretanto, está em curso um movimento grevista dos cerca de 60 000 trabalhadores municipais do país agrupados no Sindicato POE/OTA, que é bem mais à esquerda do que as duas grandes centrais sindicais do país: depois de hoje (dia 12/12) terem tentado invadir o Parlamento grego, estarão em greve, pelo menos, entre 13 e 19 de Dezembro para tentar parar o despedimento “encapotado” de cerca de um terço da sua força de trabalho.

Em conclusão, o governo e a troika continuam a devastar a economia e a sociedade gregas em nome dos benefícios do Euro e de uma recuperação vindoura que ninguém de boa-fé vê, mas o custo político-eleitoral de tais desmandos perfila no horizonte um possível governo do SYRIZA e não se pode descartar que alguma luta sindical ou popular mais contundente possa abrir espaço a fenómenos generalizados de democracia de base, radicalismo e derrube do governo numa dinâmica de “esquerdização” geral da situação e mesmo de duplo poder (menos provável, mas não inviável ou utópico).

João Lopes

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