Angela Merkel, “a mulher mais poderosa do mundo”, tal como é considerada pela revista Forbes (logo seguida por Hilary Clinton e Dilma Rousseff na lista das poderosas) está de visita a Portugal no dia 12 de novembro. Será caso para dizer que as mulheres portuguesas se devem regozijar com o facto?
Tal como o homem mais poderoso do planeta, o presidente Obama, é um negro – o que parece representar o culminar de décadas de luta contra a opressão racial nos EUA – também o reconhecimento público do poder político de Merkel, uma mulher, aparentemente indicia um enorme progresso na luta das mulheres contra o machismo e pela igualdade de direitos dos dois sexos. Será assim?
Atentemos em primeiro lugar no critério de escolha da Forbes, uma revista americana de economia e negócios muito conhecida pelas suas “listas”: das pessoas mais ricas do planeta, das celebridades mais bem pagas, etc.. Anualmente a revista elabora também uma lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo, com base na sua “influência, dinheiro e presença mediática” (Público, 22/ago/12).
A Forbes demonstra assim, desde logo, uma clara escolha de classe. De facto, que mulher trabalhadora, pobre, ativista ou militante cabe dentro dos critérios da Forbes? Nenhuma. Angela Merkel leva a medalha de ouro, mas duma lista muito restrita, onde não constam as mulheres pobres ou analfabetas – dois terços da população mundial (1) – nem as 90% que fazem todo o trabalho doméstico a par da atividade laboral fora de casa (2) ou as que enfrentam a violência machista de todo o tipo (3).
Merkel e as mulheres na Alemanha
Se a chanceler alemã é uma representante do poder feminino, estranha-se que no seu país não tenha nenhuma política para combater a discriminação de género. Na verdade, a desigualdade salarial entre homens e mulheres na Alemanha é superior à de Portugal (!) ou seja, por cada 100 € ganhos por uma mulher um homem aufere 123 € (23% de diferença). A média europeia é de 16,4% e a portuguesa, de 13%. (4).
Mais: as profissionais alemãs que querem progredir na carreira encontram “imensos obstáculos” e, embora as mulheres sejam quase metade dos estudantes, “correspondem apenas a pouco mais dum terço dos colaboradores científicos, e apenas a 17% dos professores universitários” (5). No trabalho doméstico as alemãs também não fazem grande diferença das suas companheiras europeias, visto que “a distribuição das tarefas domésticas entre mulheres e homens mudou relativamente pouco (…) e as mulheres, mesmo as que trabalham, dedicam ao cuidado dos filhos o dobro do tempo dos seus maridos”. Sendo que “um dos principais obstáculos à ascensão profissional é que a rede de instituições pré-escolares ainda precisa ser aprimorada em relação aos outros países europeus” (5).
Discriminação salarial com base no género, obstáculos na progressão na carreira das mulheres, falta de apoios públicos à infância: em que difere afinal a situação das mulheres do país mais poderoso da Europa da das suas companheiras em países “periféricos” como por exemplo Portugal? E em que é que o facto de um mulher dirigir os destinos desse país ajudou a melhorar a situação das suas compatriotas? Em nada!
É a classe que é determinante
Apesar de tudo não é despiciendo que uma mulher seja chanceler na Alemanha e um negro presidente na América. São exemplos que ilustram um combate de décadas contra a discriminação sexual e racial e uma notável evolução cultural da humanidade. Mas não é o facto de se ser mulher ou negro que decide uma verdadeira mudança na sociedade, no sentido duma sociedade sem classes, única garantia de que desaparecerão as opressões.
Porque é que Obama se tornou um presidente impopular no seu primeiro mandato, correndo o risco de não ser reeleito para o segundo? Porque as principais medidas que tomou foram a favor dos bancos e empresas americanos, esquecendo todas as promessas que fez de melhorar a situação do povo americano, incluindo os trabalhadores negros.
Porque é que Merkel é recebida com manifestações e revolta em todos os países que visita? Porque é o rosto da Europa do capital, é o rosto da austeridade e das medidas que empobrecem os trabalhadores europeus, incluindo as mulheres e as crianças.
Por mais ilusões que tenham tido nestes políticos, os trabalhadores e jovens sabem já reconhecer ao serviço de que classe eles agem: a burguesia E isso é que é determinante no balanço – não a cor ou o género.
O combate da mulher pela sua emancipação é indissociável da luta pelo socialismo
Vivemos num sistema de exploração do homem pelo homem no qual a subjugação das mulheres, dos negros, dos homossexuais, etc., é utilizada para servir os fins do capitalismo. Serve por exemplo para baixar o salário dos sectores subjugados; para fazer com que uma parte dos trabalhadores (neste caso as mulheres) assuma um trabalho socialmente necessário, o trabalho doméstico, como não-pago; para criar divisões entre sectores da classe e levá-los a enfrentar-se entre si (violência machista, homofobia, racismo, etc.) em vez de dirigirem a sua revolta contra a burguesia. Portanto, a saída não está em colocar mais negros ou mulheres nos governos, mas sim na luta por uma outra sociedade, liberta da exploração, do capitalismo e da opressão.
Significa isto que as mulheres devem abdicar de lutar contra a discriminação dentro do capitalismo, limitando-se a esperar pelo advento do socialismo? De maneira nenhuma! Primeiro, porque só a luta e a organização das mulheres lhes dá a consciência da sua força e ajuda a libertá-las das cadeias invisíveis do machismo, o qual baseia muito da sua eficácia na ideia de inferioridade do sexo feminino.
Segundo, porque todas as conquistas, por mais parciais que sejam (como por exemplo o direito de voto ou a igualdade no acesso à educação) são importantes para o crescimento social e político das mulheres e para a sua libertação das cadeias domésticas; e, finalmente, porque nenhuma sociedade se pode considerar liberta enquanto metade dela estiver oprimida pela outra metade. Mesmo que esta se diga “revolucionária” e “socialista”.
Ana Paula Amaral
10/ novembro/ 2012
Notas:
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De acordo com o relatório do Fórum Económico Mundial de 2005
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No relatório da OIT de Julho/ 2012
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Segundo um informe do Worldwatch Insitute de 2002, “20 a 50% de todas as mulheres sofreram violência de algum «ente querido»”
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Dados do relatório do Eurostat de 2010
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No site “Perfil da Alemanha”