No próximo domingo, 17 de junho, realizam-se eleições legislativas na Grécia numa nova tentativa para formar governo (1). Todos os analistas coincidem que estas eleições podem ser cruciais para o país e ser uma espécie de plebiscito que defina a permanência ou não da Grécia no sistema monetário do euro. Para entender esta importância, é necessário considerar a evolução recente do país.
Como resultado da permanência na zona euro, do resgate da banca e dos ferozes planos de ajuste impostos pela troika (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) para refinanciar a dívida pública, a economia grega está numa situação catastrófica: em 2011, o PIB caiu 6,9% e, no primeiro trimestre de 2012, a queda foi de 6,5% em relação a 2011. Já é um retrocesso maior que o provocado pela quebra da Argentina em 2001. Como consequência desta situação, o nível de vida dos trabalhadores e do povo grego deteriorou-se dramaticamente.
Os trabalhadores e o povo grego lutaram duramente contra os diferentes planos de ajuste que vêm sendo aplicados nos últimos anos. Apesar de não terem conseguido parar a sua aplicação, nesta luta encarniçada debilitaram e obrigaram vários governos a renunciar: Nova Democracia (ND), direita burguesa, em 2009; PASOK, social-democracia, em 2011; Lucas Papademos, homem da troika que encabeçou um governo supostamente técnico, apoiado pela ND e o PASOK, renunciou em maio de 2012.
Nas últimas eleições de maio, nenhum partido ou coligação conseguiu ter maioria parlamentar e, portanto, não se pode formar governo. Apesar de o partido mais votado ter sido da ND, o mais notável foi o crescimento da Syriza (frente de organizações de esquerda similar ao BE, em Portugal, ou ao PSOL, no Brasil), que obteve 16,8%, defendendo um programa de moratória do pagamento da dívida externa e de anulação das medidas de ajuste e austeridade. Se adicionarmos ao resultado da Syriza a votação das outras organizações que se colocaram à esquerda do governo de Papademos – KKE (PC grego); Esquerda Democrática e Antarsya – teremos um total de 33%. Outro dado que chamou a atenção nessas eleições foi o crescimento do partido neofacista Aurora Dourada, que obteve 7%.
Prognósticos eleitorais
As sondagens mostram certa tendência a uma maior polarização entre ND e Syriza, mas diferem muito entre si. Nos primeiros lugares, o diário Ta nea dava 26,1% à ND; 23,1% à Syriza; e 9,9% ao PASOK. Entretanto, o diário Kathimerini projetava: Syriza, 31,5%; ND, 25,5 %; e PASOK, 13,3 %.
Estes possíveis resultados não garantem que não se vá repetir a situação de maio passado, quando não se pode formar governo. Mas cada um deles também abria a possibilidade de algumas destas duas alternativas: um governo de ND (integrado também pelo PASOK) ou um governo da Syriza (integrado também por outras forças de esquerda).
Cenário possíveis
No caso que se dê uma vitória da direita, poderia repetir-se a situação dos últimos anos: um governo débil cujo eixo seria a aplicação de um novo e mais duro plano de ajusta para continuar a refinanciar a dívida pública e manter a Grécia dentro do euro a qualquer custo. Um cenário em que, ao não vê-lo como o “seu” governo, quase seguramente os trabalhadores e o povo grego voltarão a enfrentar com duras lutas, greves e mobilizações, o novo ajuste. Algo assim como “mais do mesmo” do que vimos vendo no país.
Pelo contrário, um governo da Syriza e outras organizações de esquerda abriria hipóteses diferentes. Este resultado seria a expressão eleitoral de um giro à esquerda dos trabalhadores e das massas gregas e seria visto como um triunfo que lhes daria maior confianças em suas forças. Contudo, a Syriza chegaria ao governo com uma profunda contradição. Por um lado, o seu triunfo eleitoral seria devido à rejeição aos ajustes e à sua proposta de moratória da dívida pública, e estas medidas conduzem a uma dinâmica de rutura com a UE e o euro. Mas, por outro lado, o líder da Syriza, Alexia Tsipras, declarou aos embaixadores dos países do G-20 que está contra a saída e que, pelo contrário, o programa de sua coligação é o único que garantirá a sua permanência. Isso significa que entre as aspirações e as necessidades das massas gregas, por um lado, e o programa da Syriza existe um abismo.
Duas coisas inconciliáveis
Porque ambas as coisas (manter-se na UE e no euro, ao mesmo tempo em que se suspende por um período o pagamento da dívida pública e não se aplicam os ajustes) parecem impossíveis de se conciliar na realidade. Angela Merkel disse claramente que a Grécia só poderá permanecer no euro se aceita as condições que lhe são impostas, e a diretora do FMI, Christine Lagarde, reafirmou que “o povo grego deverá fazer mais esforços” e que esse era “o preço a pagar para ser membro da zona euro”. A bom entendedor meia palavra basta.
E esta será a grande contradição de um governo da Syriza. Para ser consequente com as necessidades do povo grego teria que romper com a zona euro e com o domínio imperialista no país. Isto é, teria que assumir um programa totalmente diferente ao que agora levanta. Nós reivindicamos que um possível governo de esquerda na Grécia assuma este programa de rutura, apontando uma alternativa para toda a crise europeia.
Se a Syriza ganha as eleições e mantém o seu programa de manter-se na UE e no euro (hipótese muito provável), só poderá fazê-lo com as condições de Merkel e Lagarde, e se transformará num partido dos planos de ajuste.
Em qualquer dos dois casos, caberá aos trabalhadores e ao povo gregos defender com a sua luta e mobilização que não Grécia não se continuar a aplicar os planos de ajuste, independente de quem esteja no governo.
Um programa operário de emergência
O resultado das eleições gregas é muito importante para o imperialismo europeu e também norte-americano. Existe muitíssima preocupação sobre as consequências, em todo o continente e no conjunto da economia e do sistema financeiro mundial, se a Grécia abandona o euro. Obama declarou que se os gregos já se sacrificaram muito, as coisas serão ainda piores se escolhem sair do euro. Em sintonia com esta posição, uma nota especial da revista inglesa The Economist advertia que uma volta ao dracma, a velha moeda grega, traria hiperinflação e uma queda do PIB ainda pior (fala-se de 40 ou 50%), etc.
Trata-se, de certa forma, de uma campanha de “terrorismo” para fortalecer a votação da ND e debilitar a Syriza e a esquerda. Ao mesmo tempo em que busca convencer as massas gregas a aceitar mais ajustes porque, em caso contrário, a alternativa seria ainda pior. Esta campanha baseia-se num facto real: a maioria das famílias gregas, incluídas as de muitos trabalhadores, está fortemente endividada em euros, especialmente com créditos hipotecários, e uma alta inflação em dracma aumentaria várias vezes o peso dessa dívida em seu orçamento e o risco de perder a sua casa.
Para evitar esse possível cenário catastrófico de hiperinflação e queda brutal do PIB, é necessário que o não pagamento da dívida pública, a anulação das medidas de ajuste e a saída do euro sejam os primeiros passos de um plano económico operário e popular de emergência. Que inclua medidas como a expropriação e a nacionalização de toda a banca e do comércio exterior, o que permitiria transformar as dívidas familiares em dracma e adequar os montantes das quotas a níveis adequados às possibilidades de cada família. Também a expropriação das grandes indústrias e empresas, com controlo operário. Um plano de emergência cujo objetivo central seja garantir a satisfação das necessidades mais urgentes de todo o povo grego: alimentação, saúde, transporte, energia, etc.
Mas temos de ser realistas, um país pequeno como a Grécia poderia ser afogado e asfixiado pelo imperialismo (como exemplo do que acontece aos “desobedientes”) se a sua luta e este programa de rutura com o euro não se estende a outros países europeus. Na atualidade, especialmente na Espanha, cuja realidade vai-se aproximando cada vez mais à grega. Dessa forma, além de romper o isolamento se estará começando a construir a “Europa dos povos” como alternativa à UE, a “Europa do capital”, e os seus planos de “ajuste” permanente.
Alejandro Iturbe
(1) O sistema político grego é parlamentar: os governo devem apoiar-se num partido ou coligação que tenha maioria no Congresso de 300 deputados. Recordemos que o sistema grego dá um “prémio” de 50 deputados ao partido que consiga obter o primeiro lugar nas eleições. Isso quer dizer que um partido ou coligação que acumule 41% poderia alcançar a maioria parlamentar ainda que isso não expresse a quantidade de votos obtidos