O massacre na cidade síria de Houla, ocorrido no dia 25 de maio, com o assassinato de mais de 100 pessoas, entre as quais 32 crianças, chocou o mundo e demonstrou que o regime de Bashar al-Assad é capaz de qualquer atrocidade para manter-se no poder. É, também, a prova taxativa do que já se previa: o fracasso do cessar-fogo entre o regime e a oposição, negociado em meados de abril pela ONU e a Liga Árabe e supervisionado no terreno por observadores das Nações Unidas. Neste fim de semana, vídeos mostravam na Internet mulheres de cara tapada a desfilar em Damasco carregando cartazes a dizer: “O regime sírio nos mata, sob supervisão dos observadores da ONU” e “Banir os turistas da ONU”.
Esta também parece ter sido a conclusão do Exército Sírio Livre, constituído por desertores das forças do regime, que anunciou a sua desvinculação do plano acordado com a ONU e do cessar-fogo nele previsto, mas nunca respeitado.
A denúncia do massacre foi feita por opositores do regime, que contaram como Houla foi atingida por artilharia pesada do governo e que os assassinos pró-governo, pertencentes à milícia conhecida como “shabiha”, esfaquearam mulheres e crianças em suas casas. Após a denúncia, os observadores das Nações Unidas dirigiram-se a esta cidade, localizada na província de Homs, tradicional reduto da oposição, e encontraram os cadáveres. A oposição síria, dentro e fora do país, responsabilizou formalmente as forças do regime pelo massacre, enquanto este, como é habitual, o atribui a “grupos terroristas”.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o seu antecessor e enviado da ONU e da Liga Árabe para pacificar o país, Kofi Annan, disseram que o massacre de Houla foi um violação terrível do direito internacional. Estava prevista uma viagem de Annan a Damasco para encontrar-se com o presidente Bashar al-Assad. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, condenou o massacre e disse que a pressão sobre o presidente sírio será intensificada.
Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, cerca de 13 mil pessoas morreram, das quais mais de 9 mil são civis, em consequência da violenta repressão montada pelo governo de Al-Assad para impedir os protestos contra o regime iniciados em março do ano passado.
Reproduzimos um artigo publicado no site da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), a 25 de março deste ano sobre a guerra civil na Síria.
Síria: armar os revolucionários para derrubar Bashar e retomar as colinas de Golã
Escrito por Mohamed El-Kadri
Há um ano, no dia 15 de março, começou a revolução síria. Inspirada nas revoluções tunisina, egípcia e líbia, a população de Deraa tomou as ruas para protestar contra a prisão de crianças que supostamente escreveram num muro e para exigir reformas. A resposta do ditador Bashar veio rápida e cruel. Comandada por seu irmão Maher, a quarta divisão assassinou dissidentes, sufocando os protestos em Deraa.
No entanto, a revolução radicalizou-se e tornou-se nacional. Toda sexta-feira era a mesma coisa. De Deraa a Idlib, passando por Hama e Homs, e de Deir el Zour aos subúrbios de Damasco, o povo saía às ruas a cantar: “Vá embora Bashar”. Comités de Coordenação Local formaram-se em várias cidades, vilas e bairros. Em todas as manifestações há cristãos, drusos, curdos, ismaelitas e alauítas junto com sunitas que cantam: “Um, um, um, o povo sírio é um só”.
Às vésperas do Ramadão, as mobilizações em Hama chegaram a 500 mil pessoas. Durante o Ramadão, temendo que as mobilizações semanais tornassem-se diárias, Bashar atacou Hama, matando centenas de sírios.
Mesmo assim as mobilizações continuam em várias cidades. A economia está quase paralisada. A produção agrícola desabou, a inflação é de 20% ao ano, e a libra síria caiu pela metade frente ao dólar em um ano. Soldados recusam-se a atacar manifestantes e desertam. Surge o Exército da Síria livre.
Agora, Bashar fez outro massacre exemplar. Por três semanas atacou bairros de Homs, arrasando Bab Amr. Homs, essa cidade maravilhosa, tem um alto grau de organização. O jornalista Nir Rosen, da Al Jazeera, descreve em um artigo: “O Conselho Revolucionário de Homs foi formado em setembro. Ele tem comités de segurança, media, manifestações, assistência médica, ajuda humanitária e assuntos legais. Em janeiro, eles alimentavam 16 mil famílias em toda a província. Sua liderança é eleita e vive clandestinamente”. Isso mostra que a revolução não é uma criação estrangeira, como diz Bashar, mas sim uma verdadeira revolução popular, com líderes em cada cidade síria.
O massacre em Homs e em outras cidades coloca a necessidade de armamento para se defender da violência do regime.
O mesmo jornalista da Al Jazeera escreve: “A insurreição síria não é bem armada, nem bem financiada”. Os revolucionários compram suas armas de contrabandistas que as trazem do Iraque, Líbano e Turquia. Ou ainda de integrantes do próprio exército sírio. Mas isso não é o bastante para enfrentar Bashar. A maior parte do financiamento vem de sírios vivendo no exterior.
A intervenção estrangeira não é uma solução. Se a revolução avançar, é possível que o imperialismo ou a Liga Árabe intervenham. Mas o objetivo deles não é fortalecer a revolução, e sim paralisá-la e destruí-la. Os países imperialistas querem defender seus interesses económicos e políticos, que estão ameaçados pela revolução. A Liga Árabe teme que uma vitória da revolução alimente movimentos semelhantes em seus países.
A proposta da Liga Árabe, apoiada pelos Estados Unidos e países europeus, é que Bashar se afaste do governo e seu vice assuma, negociando com a oposição. Ora, o regime não é apenas Bashar, mas o bando que está com ele. Nessa proposta das ditaduras árabes, Maher Assad, o irmão assassino de Bashar, continuaria à frente da quarta divisão do exército.
Até o momento, as potências imperialistas não querem intervir, nem as ditaduras árabes. Essa é a conclusão do sociólogo Immanuel Wallerstein: “Por mais que seja elevado o volume da retórica e por mais terrível que seja a guerra civil, ninguém quer realmente que Assad saia. Arábia Saudita, Estados Unidos, Israel, Turquia e França, nenhum desses países quer intervir diretamente no conflito sírio”.
A solução é exigir que todos os países forneçam armas para os revolucionários seguirem a luta. O povo sírio tem o direito de decidir democraticamente os rumos de seu país e de se armar. Com armas, o exército vai se dividir, e a revolução vai vencer.
A revolução na Síria só vai estar completa com a queda de Bashar e das elites dominantes, e com a retomada das colinas de Golã. Os revolucionários têm que declarar desde já que não vão colaborar com Israel, como Bashar tem feito. A retomada das colinas será um golpe contra Israel e vai fortalecer a luta dos palestinos. Revolução até a vitória sempre!
Nacionalistas e “esquerdistas” apoiando a ditadura
Sob a alegação de que se posicionam em defesa do povo sírio, líderes nacionalistas como o presidente Chávez e Fidel Castro, juntamente com o Hezbollah e partidos comunistas em todo o mundo, na prática estão apoiando a ditadura de Bashar.
No início, diziam que o regime do Baath era anti-imperialista. Mas como explicar que esse regime mandou 5 mil soldados para combater Saddam Hussein junto com os Estados Unidos e as potências europeias na primeira guerra do Golfo? Como explicar a invasão do Líbano em 1976, atendendo a um pedido de Kissinger para atacar o Movimento Nacional Libanês liderado por Kamal Jumblatt, com a participação da OLP (Organização pela Libertação da Palestina), dos xiitas, dos sunitas e dos vários partidos comunistas, que estavam às portas de tomar o poder no Líbano contra as forças fascistas da Falange? Como explicar a passividade do regime sírio frente à ocupação das colinas de Golã por Israel? Hoje a fronteira com a Síria é a mais segura para Israel.
Escreve Immanuel Wallerstein: “A Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelitas. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também tem se mantido calmo”. Ele conclui: “Por que iriam os israelitas querer correr o risco de uma turbulenta Síria pós-baathista? Quem assumiria o poder? Não iria querer reforçar as suas credenciais ampliando a jihad contra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? O resultado não acabaria por ser uma renovação do radicalismo do Hezbollah? Israel tem muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad cair.”
Outro argumento dos apoiantes de Bashar é que a Síria apoia os palestinos. Todos conhecem a famosa frase de Yassir Arafat sobre o regime sírio: “Assad fi Lubnan wa arnab fi jaulan” – Assad é um leão no Líbano (contra os palestinos) e um coelho nas colinas de Golã (contra Israel). O regime sírio nunca reconheceu a OLP e ajudou a expulsá-la do Líbano em 1982. Os palestinianos sabem disso. Muitos lutadores passaram pelas prisões do regime sírio. Muitos palestinianos não apoiam Bashar. Ismail Hanieh, do Hamas, discursou: “Um povo que luta por liberdade e justiça contra a ocupação sionista da Palestina jamais poderia apoiar um regime que mata seu povo que pede liberdade e justiça”. Cem intelectuais palestinianos fizeram um manifesto apoiando a revolução na Síria. E o jornalista Nir Rosen, da Al Jazeera, informa naquele jornal que vários grupos palestinianos estão ajudando a revolução dentro da Síria.
Por fim, a chamada ingerência estrangeira do imperialismo e das ditaduras do Golfo na Síria. Em primeiro lugar, os apoiantes de Bashar não fazem menção à interferência da Rússia e do Irã, que têm dado assistência logística ao regime. Em segundo lugar, se os Estados Unidos, a Europa e a Liga Árabe tivessem intervido, Bashar já estaria deposto. Eles não deram nem o mínimo, que são armas, para o povo sírio se defender da ditadura. Por isso, Bashar massacra o povo sírio impunemente, como fez em Bab Amr.
Para terminar, um chamado em particular ao Hezbollah. Vocês conhecem o que foi a ocupação síria no Líbano por 30 anos. Vocês sabem que, na primeira oportunidade, Bashar vai negociar com Israel e entregar o Hezbollah como moeda de troca. Vocês sabem dos massacres que Bashar está fazendo contra seu povo, e há milhares de refugiados no Líbano. É hora de mudar de posição. O Hezbollah tem que seguir o exemplo do Hamas, romper com Bashar e apoiar a revolução. Esse é o caminho da libertação do mundo árabe frente a Israel e ao imperialismo.
Fonte: Boletim “Al Thawra” – Nº 1, março/abril – 2012.