Notas sobre a situação na Grécia

1. Depois do fracasso das negociações para formar governo, das pressões para integrar a Syriza num mal-chamado gabinete de “salvação nacional” com os partidos do rotativismo ao centro e das manobras de instaurar um poder de tecnocratas, a Grécia vai novamente a eleições no próximo mês de junho.

2. Tendo boa parte dos trabalhadores e do povo grego compreendido que o extremismo e a violência estão do lado da troika, do “memorando”, dos partidos do rotativismo ao centro (PASOK e Nova Democracia) e do aparelho repressivo das forças policiais, a chave da situação política no país está agora nas mãos da esquerda anticapitalista agrupada na Syriza. As sondagens para as próximas eleições colocam a Syriza como primeira força, dando-lhe entre 20 a 27% à escala nacional (picos acima dos 30% na área metropolitana de Atenas).

3. Aparentemente, o partido liderado por Alexis Tsipras capitaliza o descontentamento por defender intransigentemente um governo unitário das esquerdas (basicamente Syriza, KKE e DIMAR), por colocar um programa imediato relativamente adequado às circunstâncias (rutura com a troika e o memorando da austeridade; moratória no pagamento da dívida e auditoria; nacionalização da banca; anulação da lei que impede o processo judicial contra os ministros) e por se negar a formar qualquer governo cuja função passe pela execução do programa de austeridade acordado com a troika. Além disso, a gestão cautelosa da questão do euro, que, na perspetiva da Syriza, deve permanecer como moeda do país, também parece favorecer a imagem do partido (nas sondagens, mais de 2/3 da população pretende continuar no euro).

4. Diante da quadratura do círculo que é a rejeição da troika/memorando/austeridade e o desejo de continuar no euro ou que se vislumbra igualmente na proposta genérica do europeísmo de esquerda a levar a cabo dentro de uma UE essencialmente neoliberal (mesmo com eurobonds, maior controlo político do BCE e tímidas medidas de crescimento, tal essência continuaria a existir e, a abrandar temporariamente, ressurgiria fortalecida pouco depois), o espaço da Syriza é algo reduzido.

Para já, o ritmo é dado pela defesa da alternativa real de poder das esquerdas, pela rutura com o triplo garrote troika/austeridade/dívida e pela necessidade imediata de nacionalizar a banca sem indemnização e na totalidade do capital para colocar o dinheiro pago aos usurários e os 165 000 milhões de euros depositados no país a serviço não só do crescimento da economia e do emprego, mas também da reversão dos cortes feitos nos salários, nas pensões e no Estado Social. Esse é o melhor caminho para salvaguardar os depósitos dos pequenos e médios aforristas, para fazer crescer a economia e para garantir o pagamento dos salários a quem trabalha, conforme sugestão deixada por Dimitris Stratouli, deputado da Syriza.

Caso contrário, e independentemente das oscilações do próprio Stratouli ao ser atacado pelos “mass media”, o caminho é o da Argentina de 2001: os potentados financeiros expatriam os capitais e os pequenos/médios depositantes ficam espoliados, o dinheiro para pagar à Função Pública escasseia e o desemprego dispara ainda mais.

5. Em princípio, o KKE e o DIMAR também deveriam ter capitalizado o afundamento do rotativismo ao centro e a radicalização à esquerda, mas isso não aconteceu ou apenas se deu em escala reduzida.

O KKE não se fortaleceu praticamente nada devido ao impressionante sectarismo da sua direção: recusa de qualquer passo no sentido de uma frente eleitoral, de um governo de unidade ou de um apoio parlamentar a um poder das forças da esquerda antimemorando e anti-troika; obstinação em não reconhecer as tendências progressistas inscritas no movimentos dos “Indignados”, das “Batatas” (venda direta do produtor ao consumidor com eliminação da cadeia de intermediários e baixa substancial do preço de produtos agrícolas de primeira necessidade) ou do “Não pagamos” (boicote ao pagamento de portagens ou transportes) em nome de uma leitura que os afirma erradamente na contramão do poder operário-popular, que remete tudo o que o KKE não dirige para o campo de correntes pequeno-burgueses e que propagandeia em abstrato a revolução sem apresentar nenhuma alternativa de poder concreta. Por isso, no contexto da maior crise económica que o país tem atravessado desde o fim da II Guerra Mundial, o KKE só teve mais 13. 946 votos e 1% do que em 2009, descendo mesmo em votos e percentagem nas duas maiores concentrações proletárias (áreas metropolitanas de Atenas e Salónica). Agora continua inclusive a descer nas sondagens para as próximas eleições (4, 4% na última sondagem).

Por sua vez, o DIMAR, que mistura elementos provindos de uma rutura de direita da Syriza com quadros provenientes do PASOK, perdeu a liderança da esquerda oposicionista que alcançou durante algumas semanas e passou de intenções de voto de 18% a um resultado de apenas 6% por causa de uma linha oportunista. Ao não se fechar a possíveis acordos com o PASOK, ao não ser consequente na denúncia da totalidade do memorando e ao estar colado a uma imagem demasiado europeísta, delapidou parte do prestígio alcançado. Aliás, a sua abertura pós-eleitoral a um governo de unidade nacional aberto ao PASOK e à Nova Democracia confirmou essas suas tendências centristas regressivas. O tempo parece estar mais para clarificações do que para hibridismos.

6. Deixamos sem desenvolvimento de maior o papel da esquerda revolucionária reunida na Antarsya, cuja aparente senha de identidade “Por uma saída anticapitalista do euro” talvez esteja ainda um pouco deslocada para ser o principal eixo agitativo e cujos resultados foram largamente penalizados pelo voto útil na Syriza, mas com ativo já importante de presença na cena política e na expectativa de ver a possível contradição entre a gestão governamental de um governo unitário das esquerdas e as necessidades objetivas do movimento laboral/popular.

7. Também não desenvolvemos o aspeto mais preocupante do cenário político grego: o crescimento dos neonazis da Aurora Dourada. Não se sabe ao certo a capacidade militante e o número de quadros minimamente experientes do grupo, mas sabe-se que, pelo menos por ora, a burguesia grega ainda não decidiu apostar seriamente neste trunfo contra-revolucionário através de amplo financiamento, projeção das suas figuras nos “mass media” e armamento generalizado. Nem sequer se sabe se a maior parte do voto no grupo não foi simplesmente uma atitude passageira de protesto antisistema. Nas sondagens estão a descer, mas para os enfrentar será de incentivar amplas frentes unitárias e participação das comunidades estrangeiras num combate essencialmente político (pontualmente, pode ser mesmo físico).

8. Ao invés do que alguns políticos da esquerda portuguesa antitroika afirmam, as lições gregas não apontam para o caminho que as duas principais correntes da nossa esquerda têm vindo a seguir até agora.

Assim, a Syriza abandonou a posição recuada de renegociar e reestruturar a dívida (aliás, tal renegociação e reestruturação foi levada a efeito pelo governo grego e pela troika com o mal-chamado perdão de uma parte da dívida em fevereiro) e passou a ousar um programa mais avançado de moratória para canalizar o dinheiro a despender com a usura financeira no crescimento da economia e na criação de emprego.

Assim, a Syriza não defende uma esquerda grande em abstrato ou em aliança com quadros de direção do social-liberalismo do PASOK, como fez e faz o Bloco de Esquerda, mas faz, isso sim, desde há mais de um mês, campanha sistemática por um governo das esquerdas (Syriza/KKE/DIMAR) com exclusão dos dirigentes socialistas mais ou menos amarrados à troika.

Assim, o PCP e o BE ainda não se abriram seriamente à perspetiva de uma frente eleitoral ou de um governo das esquerdas que inclua também dissidentes de esquerda do PS, ativistas dos novos movimentos sociais e independentes, parecendo não se afastar muito do caminho sectário do KKE grego.

9. Para concluir, diga-se que o foco grego está atualmente num plano mais político-eleitoral, de crise governativa e de instabilidade, mas talvez seja conveniente não esquecer que no quotidiano continua a haver alguns organismos de duplo poder em fábricas e empresas, que o problema concreto do fim dos contratos coletivos de trabalho está em cima da mesa (os trabalhadores de vários ramos da atividade económica estão agora à mercê da arbitrariedade patronal e de novas baixas salariais de 15 a 40%) e que os cortes de 11.000 milhões de euros previstos no acordo com a troika estão previstos para breve. Algo que poderá colocar novamente as lutas sociais no primeiro plano e radicalizar ainda mais todo o panorama politicão do país.

João Lopes

Anterior

Gregos rejeitam a chantagem do “euro”

Próximo

Eleições na Grécia: contra a troika e os seus planos de austeridade