Uma verdade incontornável: as urnas na Grécia a 6 de maio rejeitaram categoricamente os planos de austeridade impostos pela troika e deram a vitória aos partidos que os combatem, em especial à esquerda, com uma grande votação no Syriza. Desta forma, as eleições refletiram a radicalização da luta social contra os violentíssimos ataques ao povo grego feitos pelos governos PASOK e Nova Democracia em cumprimento aos acordos com o imperialismo alemão e francês.
E tem mais: apesar das pressões e chantagens internas (feitas pela Nova Democracia, PASOK e burguesia grega) e externas (União Europeia, BCE, FMI, Merkel e seus pares) para forçar o Syriza a entrar num governo de unidade nacional com a Nova Democracia e PASOK, ameaçando a Grécia com a saída do euro e outras “desgraças”, a rejeição do povo grego a um novo governo da troika é tão forte que impediu que isso acontecesse e, ainda por cima, está a indicar uma possível vitória ainda mais categórica do Syriza em novas eleições, com cerca de 31%, com a sua passagem do segundo para o primeiro lugar.
O Syriza rejeitou participar de um governo de unidade nacional e, desta forma, inviabilizou esta saída burguesa para a crise política grega, mas também europeia. Novas eleições estão agora marcadas para junho.
Diante disso, os mercados estão a desabar esta semana na Europa, mas principalmente em Itália e Espanha. Neste último país, os juros dos títulos do tesouro a dez anos superaram a marca de 6,5%, o que reforça a hipótese de uma intervenção da troika. O cenário pintado pelos analistas é dramático: o economista Paul Krugman prevê a transferência de depósitos dos bancos espanhóis e italianos e a consequente imposição de um “corralito” (restrições ou mesmo impedimento de saques bancários); além do fim do euro caso a Alemanha não altere a sua política e autorize o BCE a investir maciçamente naqueles dois países.
Mas não é só na Grécia que a situação política está a demonstrar que o povo exige mudanças. Mesmo nos países centrais isso está a acontecer. Na França, Sarkozy foi derrotado nas urnas (mais em consequência das políticas por ele implementadas do que pela alternativa representada por Hollande) e na Alemanha o partido de Angela Merkel (CDU) sofreu uma derrota esmagadora no domingo no estado mais populoso do país.
Enquanto isso, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaüble, continua a ameaçar os gregos: ou cumprem com os planos de austeridade ou a Grécia está fora do euro. “Esse é o único caminho que há”, disse ele.
Sair do euro será mesmo uma catástrofe?
Uma imensa campanha mediática, a alardear os benefícios do euro e a intensificar o legítimo desejo dos povos da Europa unida, criou uma grande ilusão na maioria dos países europeus: a ilusão de que estar na União Europeia e na zona euro seriam condições indispensáveis para o crescimento económico e social. A postura da grande maioria dos partidos à esquerda em alimentar ou pelo menos não se opor a esta ideia – no caso grego, do PASOK ao Syriza – ajuda na permanência dessa ilusão, inclusive quando tudo está contra ela.
Na Europa de hoje, o mito da “liberdade, igualdade e fraternidade” da UE e do euro está a ser contrariado de forma evidente pela crise. A UE e os seus organismos impõem aos povos, especialmente dos países periféricos, a fatura da crise, fazendo com que as suas condições de vida comecem a recuar a níveis anteriores aos da Segunda Grande Guerra. O caso mais agudo é o da Grécia, que tem respondido com uma mobilização social gigantesca, cujo último desdobramento foi a rejeição dos partidos da troika nas urnas. Mas, mesmo assim, ainda permanece a ilusão no euro e na UE. O que fazer?
O Syriza faz malabarismos para garantir ao povo grego que é possível rejeitar os planos da troika e permanecer no euro. Não é verdade, porque a permanência da Grécia no euro não depende da vontade do povo grego, mas dos interesses das principais burguesias europeias, a francesa e a alemã, as que mais lucraram com a moeda única. E os representantes destas já disseram que não vão permitir a Grécia no euro sem austeridade. Mas se não é possível acabar com a austeridade e continuar no euro é possível, isto sim, construir uma alternativa económica e social mais justa, mais fraterna e mais livre para esse país e para todos os povos europeus. A antiga – mas sempre atual – reivindicação da unidade dos povos europeus – e não do capital – está na ordem do dia, mas para isso é preciso desconstruir mitos, como o do euro e da UE, ainda mais agora que eles estão a ser destruídos pela realidade.
Este é um debate que deve ser feito, na Grécia, mas também em Portugal.