O dirigente da Coligação da Esquerda Radical (Syriza), Alexis Tsipras, apelou nesta quinta-feira à formação de um governo de esquerda na Grécia. O seu chamado tem dois interlocutores principais, o KKE (Partido Comunista Grego) e a Esquerda Democrática (cisão recente da Syriza e defensor do europeísmo de esquerda). Até agora, ambos estão contra a proposta de unidade da Syriza (uma espécie de Bloco de Esquerda grego), mas Tsipras acredita que uma forte votação na esquerda nas eleições legislativas do próximo domingo forçaria os dois a rever essa posição. Os três partidos juntos somavam entre 21,2 e 33,5% das intenções de voto nas últimas sondagens.
A Syriza argumenta que um governo de esquerda evitaria a continuidade no poder da coligação Nova Democracia (direita) e PASOK (Partido Socialista), os dois partidos (uma espécie de PSD e PS, respetivamente) responsáveis pela situação em que a Grécia se encontra hoje e defensores da troika e das medidas de austeridade. Tsipras descartou a participação nesse governo de esquerda do partido Gregos Independentes (a crescer e com resultados entre 8 e 10% nas sondagens), do ex-deputado Panos Kammenos, expulso da Nova Democracia por votar contra o segundo memorando de entendimento com a troika. Dias atrás, o mesmo Tsipras tinha dito que aceitaria a participação dos Gregos Independentes num eventual governo de esquerda, o que provocou duras críticas dos demais partidos de esquerda.
A Syriza é um dos partidos a disputar com os Gregos Independentes o terceiro lugar nas eleições. Nas sondagens, a Syriza estava com entre 9 e 12% das intenções de voto, acompanhada de perto pelo KKE (entre 9 e 10%). A Esquerda Democrática também tem perspetivas de um bom resultado eleitoral, com as sondagens a apontarem para entre 5 a 8%.
No primeiro lugar estava a Nova Democracia, com pouco mais de 20% dos votos, e, em segundo, o PASOK, com menos de 17%. Os dois juntos, portanto, ficavam pouco acima dos 40%, um percentual bastante distante dos 77% obtidos nas últimas eleições, em 2009, a registar a experiência que os gregos estão a fazer com os partidos do regime. Caso esta previsão se mantenha nas urnas neste domingo (o que é difícil de saber já que as sondagens estão proibidas há 15 dias), os dois partidos que asseguram a austeridade e os memorandos de entendimento na Grécia poderão não ter condições de formar governo, o que abriria uma grave crise política no país.
Divergências à esquerda
A esquerda grega tem em comum a oposição aos memorandos de entendimento com a troika e às medidas de austeridade que levaram o país a uma situação de derrocada económica e social e à perda de soberania, concretizada nos últimos meses num governo diretamente imposto pela União Europeia. “O dilema é se vamos continuar essa política destrutiva de austeridade que traz pobreza ou colocamos um fim a isso. Eles querem transformar a Grécia num país com salários em níveis búlgaros e preços a nível de Bruxelas”, disse Alexis Tsipras num comício em Valos, um dos maiores centros industriais e portuários do país, onde a Syriza está a crescer.
Mas quando o tema é União Europeia e euro as coisas complicam-se. Tsipras, segundo a imprensa grega, argumenta que a elite política blefa quando afirma que a austeridade é necessária para manter o país na zona euro. Para ele, a União Europeia não poderia dar-se ao luxo de excluir a Grécia. “É um pseudo dilema, um mito fabricado, o de que o nosso futuro na zona do euro esteja em risco. É chantagem para pressionar as pessoas a aceitar medidas que trazem miséria”, disse ele à Reuters.
Apesar de os gregos serem maioritariamente contrários às medidas de austeridade, o que está evidente nas inúmeras greves gerais e mobilizações de protesto realizadas nos últimos anos, e quererem punir os dois grande partidos do regime nestas eleições, defendem, de acordo com as pesquisas de opinião, a permanência da Grécia na zona euro. Talvez por isso Tsipras argumente que querer o euro sem austeridade, como é o caso do Syriza, não é uma contradição. A Syriza defende também o congelamento do pagamento aos credores da dívida grega e a sua auditoria e a renegociação das políticas de austeridades incluídas nos memorandos de entendimento. A Esquerda Democrática, por sua vez, é uma grande defensora da permanência da Grécia no euro e defende o cumprimento das metas orçamentais do memorando de entendimento, mas não através de medidas de austeridade. Esse partido, o mais à direita do espectro da esquerda, parece estar a posicionar-se para ser a ala esquerda do PASOK, do qual, aliás, segundo as sondagens, teria desviado 14,2% dos votos. O KKE defende a saída da Grécia do euro como um requisito para a recuperação da economia grega.
Um partido tem se destacado entre a esquerda sem assento parlamentar, a ANTARSYA (Frente da Esquerda Grega Anticapitalista), a fazer uma campanha contra o pagamento da dívida e pela saída de Grécia do euro e da União Europeia. Nas eleições regionais de 2010 obteve um bom resultado, 98 mil votos (1,75% ), apesar de ter sido aquela apenas a terceira vez que se apresentava a eleições. Em seu site, defende que nas eleições de 6 de maio os gregos têm apenas uma escolha: “escolher a melhor maneira de resistir aos despedimentos, salários e pensões de fome, cortes nos benefícios sociais e o desmantelamento dos serviços públicos”. “Nossa escolha só pode ser a esquerda”, conclui. Mas faz restrições à proposta de governo da esquerda da Syriza: “Mas não um governo de esquerda que fomenta ilusões, que continua a acreditar nas ‘vantagens’ da participação do país na UE e na zona euro”.