A ideia de que existe uma “nação judaica”, expulsa de Jerusalém pelos romanos no ano de 70 após JC, não é mais do que um mito cristão e anti-semita recuperado pelos sionistas. Afirmações que há um século eram designadas de anti-semitas na Europa representam hoje a verdade no Estado de Israel, como, por exemplo, a de que os judeus formam um povo à parte. Hoje é anti-semita aquele que disser justamente o contrário, porque estará a negar a este “povo” muito especial, o povo eleito, o direito de ter um Estado etnicamente puro.
No entanto, a ideia de que existe uma “nação judaica”, que ela foi inteiramente expulsa de Jerusalém pelos romanos no ano de 70 após JC e que desde então não cessou de vaguear pelo mundo, não é mais do que um mito cristão e anti-semita recuperado pelos sionistas. O que foi inventado para provar que os judeus eram castigados por deus por terem crucificado Cristo é reciclado para justificar a existência de um Estado colonial.
O mito do exílio
Shlomo Sand, israelita, professor de História na universidade de Telavive, demonstra no seu livro The Invention of the Jewish People (Como foi inventado o povo judeu) o absurdo que teria sido expulsar das terras conquistadas os próprios produtores de bens agrícolas sobre os quais eram cobrados os impostos. Embora tenha havido, noutras regiões que não o Médio Oriente, casos de ocupações de terras por soldados romanos, os imperadores não expulsavam os povos mas exploravam-nos. E nem sequer havia à época meios de transporte para deportar um povo inteiro.
Houve evidentemente, ao longo dos tempos, vagas de emigração ou de fuga de judeus e uma delas aconteceu após a revolta de Bar Kokhba, no II século depois de Cristo, ela própria contraditória com a teoria da expulsão, pois não teria havido revolta se a população tivesse sido expulsa.
Por outro lado, como poderiam algumas dezenas de milhares de judeus ter-se multiplicado ao ponto de se tornarem vários milhões em apenas dois séculos? Sand cita Moshe Gil, historiador da universidade de Telavive, que assim tenta explicar o fenómeno: “a natalidade dos judeus era geralmente bastante elevada. E, talvez mais importante ainda, os judeus não tinham o hábito, frequente noutros povos, de abandonar ou de matar uma parte dos seus filhos”. Pelo seu lado, Shlomo Sand prefere desmontar outro dos mitos: o de que nunca existiu proselitismo na religião judaica.
O proselitismo e a conversão
Segundo este seu estudo, tal como as outras religiões monoteístas, o judaísmo espalhou-se pelo mundo graças à conversão de largos sectores de populações. Muito antes de 70 após JC, já existiam várias comunidades de praticantes do judaísmo fora da Judeia, espalhadas por todo o império romano.
Relativamente à forte comunidade judaica de Espanha, Shlomo Sand mostra-nos como é pouco credível que os primeiros judeus chegados à Península Ibérica tenham vindo da Judeia, sendo bem mais provável que se tenha tratado de soldados, escravos e comerciantes romanos convertidos ao judaísmo. Essa comunidade teria crescido com a conquista muçulmana, que trazia nos seus batalhões berberes muitos judeus convertidos na África do Norte. Da mesma maneira, a forte presença de judeus na Europa central é explicada pela conversão ao judaísmo do Reino da Kazária, no século VII, no território que corresponde a uma parte da Rússia atual.
A ligação entre o Estado e a religião deve-se, segundo o autor, não ao poder desta última, mas à “fraqueza intrínseca de uma ideia nacional precária”. A Bíblia é em Israel um livro educativo, ensinado nas escolas como uma disciplina de história autónoma. Manter o mito do exílio e negar as conversões ao judaísmo serve hoje à propaganda sionista para “provar” a ligação direta do povo-raça dos nossos dias com o da Bíblia e justificar o direito de todos os judeus do mundo a se instalarem no território da Palestina.
Segundo Shlomo Sand, a própria “palavra ‘anti-semitismo’ é testemunho de um mal-entendido partilhado tanto pelos carrascos como pelas vítimas”, pois, na realidade, semitas são os palestinianos de hoje, descendentes em grande parte dos camponeses judeus que permaneceram nas suas terras e foram mais tarde islamizados.
Elsa Sertório, do Comité de Solidariedade com a Palestina