O governador da Baía, Jaques Wagner, do Partido dos Trabalhadores (PT), nega-se a negociar com os grevistas, chama trabalhador de bandido, faz presos políticos e, ao lado da presidente Dilma Roussef, entra para a história por ser o primeiro governante do PT a usar o exército para reprimir uma greve.
No momento em que escrevemos este texto, a greve da Polícia Militar (PM) na Baía completa oito dias. No dia 31 de janeiro, a greve foi deflagrada em assembléia organizada pela ASPRA (Associação dos Policiais, Bombeiros e de seus Familiares do Estado). Os policiais reivindicam a reintegração dos exonerados depois da histórica greve de 2001, incorporação de gratificações, pagamento do adicional de periculosidade, reajuste linear de 17,28% retroativo a abril de 2007 e a revisão no valor do auxílio alimentação. Segundo os grevistas, bandeiras reivindicadas há quase 15 anos.
Desde a paralisação, a média de assassinatos e roubos a carros na região de Salvador dobrou. Além disso, também ocorreram saques a lojas e alguns arrastões em bairros mais populosos da capital baiana. Quem não vive em Salvador e toma conhecimento dessas informações talvez imagine uma cidade fantasma, com as pessoas trancadas em suas casas e as ruas desertas, tipo filme de faroeste americano quando chega um bandido perigoso na cidade. Não é bem assim.
Ao menos durante o dia, a vida em Salvador seguiu algo próximo do “normal”. Ou seja, a população sai para trabalhar com a mesma insegurança, o mesmo medo e a mesma violência de sempre. Tragicamente, como a exposição da população à violência é tão grande e já faz parte da rotina, ela tenta cumprir os seus compromissos mesmo sem policiamento numa das capitais mais violentas do país.
O que a greve acrescentou à rotina de medo da população foi algo como um “toque de recolher” ao final da tarde. À noite, a violência aumenta, além dos bairros mais periféricos viverem momentos de “acerto de contas”.
É importante começarmos analisando a greve da PM na Baía a partir de como ela alterou a rotina da população, porque pode parecer que foi a greve que inventou a violência no Estado. Embora os crimes tenham aumentado com a greve, não foi ela que inventou a violência, a sensação de insegurança e o medo da população. Esse mérito é dos últimos governos, desde os carlistas até o do PT.
Cuidado, você está na Baía
Se a Baía fosse um país, seria um dos mais violentos da América Latina, ficando atrás apenas da Colômbia e do México. Segundo o Mapa da Violência 2011, do Instituto Sangari e Ministério da Justiça, a Região Metropolitana de Salvador, que ocupava a décima e última posição em 1998 entre as Regiões Metropolitanas do país no que diz respeito às taxas de homicídio, em apenas 10 anos passou para a terceira posição.
Na média das Regiões Metropolitanas do Brasil, as taxas de homicídios caíram 24,5% entre 1998 e 2008, enquanto a região que ostenta o título de “Terra da Alegria” viu estas taxas aumentarem 308,3% no mesmo período. Esses dados, é bom frisar, são com a polícia trabalhando, ou seja, esta é a “normalidade”.
É por isso que a população sabe que, quando a greve da PM chegar ao fim, independente do seu desfecho, não acabará o medo que acompanha todos os trabalhadores e jovens no seu dia a dia, principalmente aqueles que vivem nos bairros periféricos das cidades.
O “Jeito Carlista” do PT governar
É neste quadro de violência rotineira que se instalou a greve da PM na Baía. Com o argumento de garantir a segurança pública, o governador Jaques Wagner anunciou, de forma truculenta e irresponsável, que não negociava com trabalhadores em greve. Na TV, a declaração do governo foi num tom de “prendo e arrebento”. Declarou que considerava a greve ilegal, que atentava contra o Estado democrático de direito e evocou a necessidade de se preservar a “ordem e o império da lei”.
No discurso e na prática, Wagner repete o mesmo modus operandi do partido carlista, antigo PFL [partido de direita] e atual DEM. A truculência e a intransigência do carlismo com os movimentos sociais, antes duramente criticadas pelo PT, são reproduzidas ao pé da letra.
O império da farsa e do terror
O governador requisitou a intervenção da Força Nacional de Segurança e das Forças Armadas e recebeu o ministro da Justiça e outras autoridades do governo federal. No dia 3 de fevereiro, tropas do Exército começaram a chegar a Salvador. No dia seguinte, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, e o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, chegaram à Baía para acompanhar as operações do Exército. Com estas ações, a condução da situação não ficou mais sob a responsabilidade apenas do governo do estado, mas do Ministério da Justiça e da presidente Dilma, chefe das Forças Armadas.
A promessa do governador com a vinda da Força Nacional era restaurar a “normalidade”, ou seja, ao invés dos 93 homicídios registrados em Salvador em sete dias de greve, o governo prometia o retorno à cota semanal de cerca de 46 homicídios.
Com uma competência impressionante, em poucos dias um contingente de cerca de 3000 homens foi mobilizado, oriundos da Força Nacional de Segurança, Polícia Federal e, principalmente, do Exército. Foi a maior operação deste tipo, e cerca de 2000 ficaram na capital, cuja tarefa, garantiram as autoridades, seria fazer a segurança da população. Nasce a primeira farsa.
Na manhã do dia 6 de fevereiro, ficou claro o porquê de tamanho empenho do governo federal. Membros da Força Nacional de Segurança, grupos de elite da Polícia Federal e quase 1000 membros do exército, além de 250 PMs, foram deslocados para a região mais segura do estado: a Assembléia Legislativa. O objetivo era prender os líderes do movimento e desocupar o saguão da Assembleia Legislativa, ocupado pelos grevistas desde o dia 31 de janeiro.
O grande operativo responde ao medo do governo de Dilma de que o exemplo da greve na Baía se espalhe para outros estados. A ordem do governo é esvaziar o movimento grevista a qualquer custo. A última vez que o Exército foi chamado para reprimir uma greve no país foi em 1995, na greve de petroleiros, no mandado de Fernando Henrique Cardoso na presidência do país. Junto com ele, Dilma ingressa no mesmo panteão em que também estão presentes figuras como os ditadores militares Médici e Figueiredo e o “inesquecível” Sarney. A lista já fala por si e dispensa comentários.
A Assembleia Legislativa foi cercada pelo exército. No entanto, familiares e grevistas conseguem manter-se próximos ao local, ainda que isolados por um bloqueio que os impedia de estabelecer contato direto com os que estavam dentro da Assembleia.
Foram cortadas água e luz do prédio e não se permitia o envio de comida e produtos de higiene. O exército tentou colocar tapumes de zinco para isolar a área, impedindo a visualização de como seria feita a desocupação. Com a resistência dos grevistas de fora da Assembleia, desistiu-se da ação.
Para justificar a intransigência de não negociar com grevistas, o governador baiano seguiu o roteiro da direita na história do país: em nome da democracia, instauraram o terror. Nasce, então, a segunda farsa.
Sob o argumento de que os grevistas quebraram a hierarquia, romperam o “império da lei e da ordem” e feriram o Estado democrático de direito, o governo procurou dar ao movimento um caráter criminoso.
Os presos políticos do governo Wagner
O primeiro passo para criminalizar o movimento grevista foi arrumar um pretexto: no início da greve, como ocorreram ações de pessoas mascaradas atirando para cima e em fachadas de prédios, criando pânico na população, imediatamente o governo atribuiu estas ações aos grevistas e as usou como desculpa para não negociar. Chegou até a acusar que alguns assassinatos teriam sido cometidos por grevistas; mas, ao não apresentar provas ou mesmo investigação sobre o assunto, voltou atrás e preferiu o esquecimento.
A própria Associação que lidera a greve condenou corretamente as ações que visam criar pânico na população e afirmou que os responsáveis, caso ficasse provada a sua responsabilidade, deveriam ser punidos. Ainda assim, o Estado e os partidos da base aliada do PT usaram este mote para condenar um movimento com adesão de mais de 10 mil policiais.
Na sequência, pediu-se a prisão de 12 grevistas. Na imprensa, o governo alegou que seriam os responsáveis pelas ações de terror contra a população. No entanto, oficialmente a acusação era outra: “formação de quadrilha e roubo”. Como são militares, a lei brasileira não permite que façam greve e é sobre este argumento que se baseiam os mandatos de prisão. A suposta formação de quadrilha justificar-se-ia pelo próprio fato de estarem em greve, e o roubo, por terem levado viaturas da polícia para as manifestações. Como a base da prisão é a participação na greve, as prisões, se confirmadas, caracterizam perseguição política. Duas já foram realizadas e são os primeiros presos políticos do governo Wagner.
Os partidos da ordem
O PT, no momento mais agudo da repressão ao movimento, lançou uma nota exigindo “firmeza” e atribuindo a “insegurança e instabilidade” no estado à ação dos grevistas. A nota lamentava a radicalização do movimento e prestava solidariedade ao governador.
O PC do B [partido de esquerda, ex-maoísta e integrante da coligação do PT] foi mais realista que o rei. Numa nota reacionária, chamou os grevistas de “vândalos” e argumentou que “o caso mais grave é a ocupação da Assembléia Legislativa”, exigindo a sua “desocupação imediata”. Usou o recurso de teorias da conspiração, afirmando que “policiais militares estão sendo manipulados por ações obscuras”. Defendeu o governador e proibiu que os seus militantes se associassem ao movimento.
O recado era para os dirigentes sindicais da CTB, central que dirige a maioria dos sindicatos de servidores estaduais da Bahia. O enquadramento funcionou, pois em nenhum momento houve uma ação efetiva dos sindicatos de servidores estaduais em apoio à greve.
Pelo fim da repressão aos grevistas!
Dilma e Wagner vão entrar para a história do Brasil como os primeiros governantes do PT que enviaram o exército para reprimir grevistas.
Todas as dificuldades de negociação foram impostas pelo governo. Como negociar com fuzis apontados para os grevistas e perseguição às lideranças do movimento? Enquanto fechávamos essa edição, o governo se mantinha intransigente em dialogar com o movimento. Wagner exige a cabeça dos líderes com o pedido de prisão de mais 10 grevistas.
A situação, portanto, permanece tensa. Um banho de sangue pode acontecer caso Dilma não retire as tropas federais que cercam a Assembleia Legislativa. Ao mesmo tempo, é preciso que Wagner garanta que nenhuma punição será efetivada contra aqueles que lutam.
Desde o primeiro dia de paralisação, o PSTU declarou seu apoio à greve e trouxe o debate da desmilitarização da polícia e do direito à sindicalização dos policiais militares. Para o PSTU, a luta da Polícia Militar Baiana, assim como a luta dos Bombeiros no Rio de Janeiro no ano passado, deve servir de exemplo para todo o país.
Daniel Romero e Raíza Rocha, de Salvador (Baía)
PSTU
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