A Síria e a desastrosa missão da Liga Árabe

A Liga Árabe, para tentar salvar o regime de Bashir al-Assad, resolveu enviar uma missão para a Síria com o objetivo de comprovar se o governo está a cumprir as propostas que estipulam o fim da violência, a libertação dos detidos nos protestos e a retirada militar das cidades insurretas.

Esta missão está apoiada pelos imperialismos norte-americano e europeu. Mas como não calculavam que a crise revolucionária que vive a Síria fosse tão grande, a missão está a transformar-se num desastre para os seus organizadores.

De um lado, os observadores estão sendo denunciados como parciais e submissos ao governo sírio pelas entidades de direitos humanos, e, do outro, estão tendo que enfrentar o protesto de multidões revoltadas, tiros e explosões. Quem mata a sua gente é traidor”, gritava a multidão aos observadores da Liga Árabe.

Num vídeo, os observadores são vistos correndo pelas ruas, entre prédios, em meio a explosões e tiros. São salvos pelos cidadãos de Homs que os acolheram em suas casas, para protegê-los do ataque. Antes desse incidente, o chefe da missão árabe, o general sudanês Mohamed Ahmad Mustafa al Dabi disse não ter visto “nada de assustador” na sua primeira visita a Homs, na terça-feira, 27 dezembro.

Organizações de direitos humanos denunciam-nos porque esta missão é fruto de um acordo com o governo Assad, que impôs uma serie de condições para que ela ocorresse, de maneira a impedir a sua efetividade. Tais condições, por exemplo, impedem a missão de ir aos bairros mais afetados, onde “vítimas desarmadas” são atingidas por franco-atiradores paramilitares. E nem a possibilidade de ouvir depoimentos sem coação. Moradores recusaram-se a conversar com a missão na presença de oficiais do Exército sírio.

Além disso, a entidade de direitos humanos Human Rights Watch acusou as autoridades sírias de transferirem centenas de presos para instalações militares inacessíveis aos observadores da Liga Árabe. Muitos desses presos estão escondidos em centros de detenção e até em contentores carregados em navios no mar e correm o risco de serem executados.

Há também uma clara e deliberada omissão da Liga perante atos de violência e protestos contra o regime do presidente. O exemplo maior disso é o seu líder o general Mohamed Mustafa al Dabi, envolvido com crimes na região sudanesa de Darfur. Ele afirmou aos repórteres que o regime de Assad foi “muito cooperativo”. E que em Homs não viu nenhuma luta: “Ontem foi tranquilo e não houve confrontos. Nós não vimos tanques”.

Homs, uma cidade insurreta

Ao contrário do que diz o general al Dabi, em Homs vários bairros foram bombardeados por tanques e morteiros como parte da repressão governamental ao movimento revolucionário. Com a chegada da missão da Liga Árabe, o ditador Assad, mandou esconder os tanques da cidade durante a visita dos observadores. O Exército retirou das ruas os tanques usados na repressão às pressas. Alguns foram escondidos, em prédios do governo, para não serem vistos. Muitos continuam dentro do bairro de Bab Amro, a área mais castigada pela repressão em Homs, mas onde os observadores não podem entrar.

Essa cidade é o centro dos protestos contra o seu governo e o local onde, na véspera da visita da missão internacional, mais de 40 opositores teriam sido mortos. Apesar que desta vez “o tiro” do ditador saiu pela culatra. Aproveitando-se da diminuição da repressão por causa da visita internacional, mais de 70 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra Assad, em uma cidade de cerca de 1,5 milhões de habitantes.

Em Homs cerca de 1.400 pessoas morreram participando dos protestos. De um total de 5 mil vítimas da repressão do regime de Assad calculadas pelos organismo internacionais. As mortes continuaram nesta quinta-feira, 29. Mesmo com a presença da missão árabe, morreram pelo menos mais 26 pessoas em Homs.

O general dos Direitos Humanos

Um fato simbólico desta missão é que exatamente o líder dos observadores da Liga Árabe seria o mais improvável líder de uma missão humanitária que o mundo poderia ver.

Ele é o general Mohamed Al-Dabi, militar do serviço secreto de seu país, leal ao presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que foi três vezes acusado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur, inclusive com mandatos de prisão contra ele. Além disso, o próprio Al-Dabi é acusado de ser o criador da milícia Janjaweed, responsável pelos piores atrocidades durante o genocídio de Darfur.

Este é o homem que disse que não viu “nada de assustador” em Homs. Não é para menos. Em vez de ser um observador em uma equipe encarregada de investigar crimes de guerra e crimes contra a humanidade, o general deveria ser investigado pelo Tribunal Penal Internacional.

Mas de fato é simbólico que ele seja o líder dos observadores da Liga Árabe, uma entidade construída por tiranos, ditadores, oligarcas, e indivíduos desprovidos de qualquer respeito pelos direitos humanos. Que pouco a pouco estão sendo varridos pela revolução árabe.

Exército livre da Síria

Ele é o principal grupo militar de oposição na Síria. Composto maioritariamente por desertores das Forças Armadas, soldados que se recusaram a atirar contra a população, a sua formação foi anunciada em 29 de julho num comunicado que chamava os membros do exército regular a se juntarem a eles.

O seu líder é o coronel Riyad al-Asad, que declarou que todas as forças de segurança que atacam civis são alvos justificados. O coronel Malik Kurdi é o seu porta-voz, e o coronel Ahmed Hijazi é o Chefe do Estado Maior. O Exército Livre da Síria afirmou que o conflito no país não é sectário, e que eles têm em suas fileiras alauítas que se opõem ao regime, e que não haverá represálias religiosas quando o regime cair.

Noventa por cento dos soldados do Exército sírio são sunitas, enquanto os comandantes são em sua maioria da seita de Bashar Assad, alauítas. Atualmente, há uma estimativa de que tenham de 15.000 a 25.000 desertores das Forças Armadas; fontes do governo norte-americano falam em cerca de 1.000 a 10.000 desertores.

O FSA (Free Syrio Army) está operando por toda a Síria, tanto em áreas urbanas como no campo. Seja no noroeste em Idlib e Aleppo, seja na região central: Homs, Hama, e Rastan, na costa em torno de Latakia, no sul (Deraa e Houran), leste (Dayr al-Zawr, Abu Kamal) e na área de Damasco.

Os batalhões FSA também atuam como forças de defesa nos bairros de oposição ao governo, guardando as ruas, enquanto os protestos ocorrem. A maior concentração dessas forças parece estar na região central (Homs, Hama, e zonas circundantes), com nove ou mais batalhões.

À medida que o exército sírio é altamente organizado e bem armado, o Exército Livre da Siria adotou a tática de guerrilha no campo e cidades. Envolve-se em emboscadas contra as forças de segurança e principalmente contra a milícia paramilitar Shabeeha, ataca autocarros que trazem reforços de segurança, e muitas vezes planta bombas ou realiza ataques.

Raramente o FSA se enfrenta com outros soldados do exército regular. Mas eventualmente atira nos comandantes para incentivar deserções. Em Deir ez-Zor, Al-Rastan e Abu Kamal o Exército Livre da Síria esteve envolvido em batalhas de rua, que se arrastaram por vários dias. Só que nestes combates o apoio aéreo é usado contra eles como em Hama, Homs, Al-Rastan, Deir ez-Zor e Deraa.

Como são soldados desertores, falta-lhes cobertura aérea e tiveram que abandonar os seus veículos blindados. Por isso, levam na maioria das vezes apenas armas leves como AK47 e RPG-7. Roubam depósitos de armas para suprir o seu Exército e compram armas no mercado negro, fornecidas por contrabandistas de países vizinhos e inclusive de oficiais corruptos das forças leais que vendem armas do próprio governo.

O seu comando opera no sul da Turquia, na província de Hatay, perto da fronteira com a Síria, e o seu comando de campo, no interior da Síria. Pedem à comunidade internacional armas para que possam combater e proteger o povo sírio. Aparentemente, somente os combatentes líbios responderam a este chamado. Há informações que os líbios estão fornecendo dinheiro, armas e treinamento ao FSA.

Em 29 de novembro, foi noticiado que pelo menos 600 combatentes do Exército de Libertação Nacional da Líbia haviam sido enviados para apoiar o Exército Sírio Livre e que tinham entrado na Síria através da Turquia. Alguns foram recebidos por patrulhas sírias regulares na fronteira, que os alvejaram deixando dois mortos e uma dúzia de feridos.

Os bandidos paramilitares da Shabeeha

O Shabeeha são milícias formadas pelos sobrinhos do falecido presidente Hafez Assad (Fawaz, Numir e Munther), pai de Bashir, e se concentram centralmente na região do Mediterrâneo da Síria em torno de Latakia, Banias e Tartous, onde se beneficiam de contrabando através dos portos na região.

O Shabeeha é formada de bandidos que também atuam como agentes não-oficiais do regime, são membros das forças de segurança à paisana, informantes ou simplesmente desempregados jovens e pobres que recebem propinas para fazer o seu trabalho. No início, eles estavam principalmente envolvidos em prostituição e contrabando de mercadorias da Turquia ou Líbano para a Síria, desde veículos roubados até cigarros, eletrónicos, armas, gasolina e diesel.

A polícia fechava os olhos e, em troca, o Shabeeha agia também como uma milícia quando houvesse necessidade. No início de seu governo, em 2000, Bashir al-Assad combateu-os, a ponto de chamar um de seus chefes, Numir Al-Assad, primo do presidente, de “ovelha negra” da família Assad.

Mas com o levante sírio deste ano Assad, solicitou “os serviços” da Shabeeha que atacaram e mataram manifestantes. Em março, a Shabeeha disparou pelas ruas de Latakia contra manifestantes em “carros armados com metralhadoras”, e posteriormente com “ranco-atiradores em telhados”.

Atualmente, nas cidades costeiras estão armados com armas pesadas, e nas cidades de Banias, Jableh e Latakia juntaram-se à Quarta Divisão atacando civis. Nesta região, a Shabeeha é dirigida diretamente por primos de primeiro grau de Bashir: Fawaz al-Assad e Munzer al-Assad. Nas regiões do noroeste, a Shabeeha realiza uma campanha de terra arrasada, queimando culturas, saqueando casas e atirando aleatoriamente. Em Damasco foram envolvidos na luta de rua e agrediram manifestantes desarmados.

O grau de polarização e violência alcançado pelo processo revolucionário sírio não será resolvido com missões fraudulentas e negociações superestruturais. Somente as ações das massas poderão resolver esta crise, com a derrubada de mais um ditador no caminho da revolução árabe.

Américo Gomes, advogado com especialização em Política e Relações Internacionais, membro de ILAESE e assessor do sindipetro AL/SE

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