Ocupação sionista em dificuldades

Muita tinta tem corrido, nos meios pró-palestinianos, desde que a Autoridade Palestiniana (AP) anunciou a sua intenção de propor à Assembleia Geral da ONU, neste mês de setembro, o reconhecimento de um Estado palestiniano dentro das fronteiras de 1967. O debate tem-se centrado nas consequências positivas ou negativas que teria a criação – efetiva ou apenas formal – de um Estado assim definido. Mas não pretendemos aqui retomar esse debate, posicionando-nos num ou noutro dos lados. Lembremos apenas que a independência do Estado da Palestina já foi reconhecida pela ONU no dia 15 de novembro de 1988.

Três anos mais tarde, a OLP assinava os Acordos de Oslo e reconhecia o Estado de Israel. Foi o início de uma farsa chamada de “processo de paz”, que tem permitido a colonização de sempre mais território palestiniano e a liquidação de todos aqueles que se apresentaram como negociadores dispostos a fazer cedências – uma verdadeira ameaça para a política colonial israelita: foi o caso de Marwan Barghouti (em prisão perpétua), de Ahmed Saadat (a cumprir pena de 30 anos de prisão), de Yasser Arafat (assassinado).

A verdade é que, se a Assembleia Geral da ONU votar a favor da proposta palestiniana, ela estará a reconhecer – ou a relembrar – que os territórios ocupados desde 1967 são territórios “ilegalmente” colonizados. Essa votação favorável significaria antes de mais o reconhecimento do direito à autodeterminação do povo palestiniano. E são estes os resultados que o Estado de Israel não quer de modo algum permitir que venham a acontecer.

Estado palestiniano

O facto de que, ultimamente, numerosos países tenham reconhecido – platonicamente, seja dito – o “Estado” palestiniano tem exasperado o governo israelita. Mesmo quando alguns desses países estão entre os seus melhores parceiros económicos, ou militares, como é o caso do Brasil. O que nós podemos considerar como gestos de hipocrisia é visto por Israel, não sem razão, como pontos marcados a favor da causa palestiniana.

Os Estados Unidos têm-se oposto veementemente a qualquer reconhecimento de um Estado palestiniano. Diretamente ou por via da administração americana, Israel tem pressionado a Autoridade Palestiniana a recuar através da chantagem económica, ameaçando cortar-lhe os fundos que são regularmente destinados, entre outras coisas, ao pagamento dos salários do aparato administrativo e policial da AP.

Paralelamente, o governo israelita desenvolve uma vasta campanha internacional de propaganda contra a iniciativa da Autoridade Palestiniana junto da ONU, pois sabe que a “legitimidade” do Estado judeu se joga no plano da opinião pública internacional. Qualquer desequilíbrio a esse nível a favor dos palestinianos pode pô-la em perigo. Tal é pelo menos a convicção de vários dirigentes israelitas que se têm manifestado nesse sentido na comunicação social.

Pelo seu lado, a Autoridade Palestiniana tem-se esforçado para dar sinais aos seus financiadores de que quer limitar a sua iniciativa às instâncias das Nações Unidas e continuar a conter a resistência popular contra o ocupante. Nesse sentido, aceitou que os responsáveis dos seus organismos policiais se encontrassem nos Estados Unidos com os homólogos israelitas. Entretanto, continua a deter militantes do Hamas na Cisjordânia, apesar do recente acordo assinado com a organização rival.

Mas nem Israel nem os Estados Unidos parecem sensíveis a esses sinais e continuam a chantagear a AP para que esta desista da sua proposta perante a ONU, temendo que ela contribua ainda mais para o isolamento de Israel.

Campanha BDS

Um isolamento que se tem iniciado com os avanços da campanha BDS – boicote, desinvestimento e sanções – a nível internacional. Muito recentemente, a Deutsche Bahn, companhia nacional ferroviária da Alemanha, desistiu de participar no projeto de ligação ferroviária de Telavive a Jerusalém, na sequência das pressões desta campanha. Um exemplo já antigo do êxito da BDS é o da multinacional francesa Veolia, que continua ainda hoje a ser financeiramente castigada pela sua cumplicidade na construção do elétrico que une entre si os colonatos à volta de Jerusalém. Temos ainda os exemplos de boicote cultural, com as dezenas de artistas que já recusaram ou cancelaram espetáculos seus em Israel. E só referimos aqui estes poucos exemplos ilustrativos. Uma discussão na Assembleia Geral das Nações Unidas em torno do reconhecimento de um “Estado” palestiniano só deveria levar à aplicação de sanções e desinvestimentos por parte dos países que dizem defender o direito do povo palestiniano à autodeterminação. A nível autárquico, já tivemos o bom exemplo, muito simples, de duas municipalidades espanholas da província de Valladolid que proibiram a água Eden Springs em todos os edifícios municipais. Se estas ações, por um lado, têm um impacto direto na economia israelita, elas contribuem, por outro lado, à tomada de consciência e ao alargamento da vaga de solidariedade para com a Palestina no resto do mundo.

Uma votação na ONU a favor de um Estado palestiniano certamente que não resolverá o problema da ocupação sionista nem sequer dará origem a um Estado independente, mas, surgindo neste contexto das revoluções árabes, terá sem dúvida um potencial mobilizador, em particular para a campanha de BDS.

Elsa Sertório

Anterior

Milhares de palestinianos protestam no aniversário de fundação do Estado de Israel

Próximo

Vitória da greve de fome dos presos palestinianos