Síria: uma verdadeira revolução no contexto das revoluções árabes

Nos últimos cinco meses, a classe trabalhadora síria, tendo a juventude à sua frente, vem realizando mobilizações que crescem em números, em alcance geográfico e na radicalização.

Em julho, pela primeira vez, as marchas reuniram centenas de milhares de pessoas. Hama substituiu Daraa como a cidade líder das mobilizações que estão acontecendo em todo o país. As principais reivindicações evoluíram de reformas e direitos democráticos para “Fora Bashar El Assad”, o ditador odiado. Comités de Coordenação Locais em cada cidade dão um exemplo de organização popular e de liderança alternativa.

Esta verdadeira revolução tornou-se um divisor de águas entre os ativistas e organizações de esquerda e antiimperialistas. O Hezbollah, a principal organização política no Líbano e, certamente, o partido de maior prestígio entre as massas árabes por sua luta contra Israel, está a apoiar abertamente Bashar. Apesar de ter apoiado as revoluções na Tunísia, Egito, Líbia, Iémene e Bahrein, na Síria, agora, eles afirmam que Bashar tem apoio popular e tem o compromisso de reformas e que a oposição é patrocinada por forças imperialistas. Fidel Castro e Hugo Chávez também estão a apoiar Bashar, repetindo o apoio que já deram a Khadafi na Líbia.

A grande maioria das organizações estalinistas, novas e velhas, está a apoiar Bashar em razão de sua suposta oposição ao imperialismo, alegando que as mobilizações são guiadas pelas potências ocidentais, por Israel ou, ainda, pela direita libanesa. Elas dizem que o conteúdo da mobilização na Síria é diferente da revolução egípcia.

Vamos abordar cada um desses argumentos.

O mito da oposição ao imperialismo

Uma vez no poder, os Assad, primeiro Hafez e depois o seu filho Bashar, realizaram um movimento lento de transição de um Estado burguês independente inspirado pelo nacionalismo árabe em direção a uma potência regional dependente dos países imperialistas ocidentais. Durante os últimos 40 anos, o regime dos Assad buscou transformar a Síria em uma potência regional capitalista que pudesse servir de principal interlocutor entre os árabes e a ordem mundial.

Em novembro de 1970, Hafez Al Assad, um ex-tenente da força aérea síria e então ministro da Defesa, liderou a derrubada de Salah Jadid, o homem forte do regime Baath na Síria. Divergências entre os dois se tornaram irreconciliáveis, após o chamado “Setembro Negro” na Jordânia. O governo sírio se comprometeu a intervir militarmente para ajudar os palestinianos a derrubar o rei Hussein da Jordânia. A OLP fez a sua parte, assumindo o controlo de grandes áreas na Jordânia, incluindo parte de sua capital, Amã. Quando o rei contra-atacou, Jadid mandou algumas tropas para o norte da Jordânia, mas Assad não permitiu que a Força Aérea se unisse ao esforço de guerra por medo de uma eventual intervenção israelita. Sem a Força Aérea, as tropas sírias foram presas fáceis para os aviões da Jordânia. A subida de Assad ao poder foi o termidor da radicalização do regime do partido Baath, levando a um relaxamento das tensões com as potências imperialistas e à liberalização da economia.

Em 1973, um esforço conjunto por parte das Forças Armadas egípcias e sírias para tomar de volta os seus territórios ocupados por forças israelitas (o Sinai e Gaza, e as Colinas de Golã, respectivamente) foi fortemente derrotado pelas forças muito superiores do exército israelitas. Acusações de traição de ambos os lados enfraqueceram a aliança entre os dois países. Mantendo uma forte retórica anti-sionista e a exigência de devolução das Colinas de Golã, Hafez Al Assad aceitou a nova fronteira estipulada no acordo de cessar-fogo. Desde então, a fronteira com a Síria tornou-se a mais segura e estável para Israel.

Em 1976, tropas sírias invadiram o Líbano. Formalmente atendendo ao chamado do presidente libanês maronita, mas, na realidade, estimuladas pelos EUA e Israel, as tropas sírias impediram que a insurreição liderada pela OLP e os seus aliados (os drusos, os sunitas e as organizações xiitas) esmagassem as Forças da direita maronita libanesa e tomassem o poder, mudando completamente a situação dos palestinianos, cujos efeitos seriam sentidos em todo o Oriente Médio. Assad teve as suas próprias razões para isso: ele era totalmente contrário ao fortalecimento da OLP porque colocaria em risco os seus planos de hegemonia regional e ainda influenciaria a enorme população palestiniana na Síria. Além disso, o regime sírio nunca reconheceu o Estado libanês, argumentando que o Líbano era um produto do colonialismo para dividir a Síria e os árabes em geral. A Síria compartilhava a preocupação do Ocidente e de Israel de que uma administração liderada pela OLP no Líbano poderia desestabilizar toda a região e ameaçaria a própria existência do Estado de Israel.

Em 1978, as forças armadas sírias no Líbano realizaram um acordo tácito para permitir que as tropas israelitas invadissem e ocupassem o sul do Líbano. Em 1982, Assad juntou-se aos esforços israelitas e da direita libanesa para expulsar Arafat e a OLP do Líbano, ao custo da vida de milhares de soldados sírios e de equipamentos militares. Quando os israelitas invadiram Beirute em busca dos fedaines palestinianos, os sírios fizeram o mesmo em Trípoli, no norte. Depois de expulsar os líderes e combatentes da OLP para a Tunísia, a Síria patrocinou grupos palestinianos – a Saika, a Uprising Fatah liderada por Abu Musa e a FPLP-Comando Geral liderada por Ahmed Jibril – para derrubar Arafat e enfraquecer a OLP, atendendo aos planos de Assad de eliminar essa ameaça à sua hegemonia entre os palestinianos e entre todos os árabes.

Em 1980, Assad apoia os iranianos contra Saddam Hussein, este então apoiado pelos EUA e pelos países árabes do Golfo, para impedir a revolução iraniana de virar toda a região de cabeça para baixo. Assad estava interessado em enfraquecer o seu velho inimigo e rival regional, Saddam Hussein.

O fim da URSS e a aliança com o Ocidente

O colapso da União Soviética, o principal aliado da Síria, sob o impacto de uma onda revolucionária na Europa Oriental em 1989-1991, levou Assad a cortejar os EUA e os países europeus.

Primeiro, a Síria restabeleceu laços diplomáticos com o Egito. A relação entre os dois países havia sido cortada após o presidente egípcio, Annuar Sadat, reconhecer o Estado de Israel em 1979. Então, o Egito juntou-se à Arábia Saudita no papel de principais aliados árabes dos EUA.

Os esforços para apaziguar o Ocidente também foram promovidos por meio do apoio da Síria à Guerra do Golfo contra o Iraque em 1991. Apesar do envio de uma modesta força de cinco mil soldados para a Arábia Saudita, o efeito político do apoio de um regime nacionalista árabe aos esforços de guerra dos EUA foi enorme. Em troca, a Síria ganhou US$ 2 bilhões dos países do Golfo e foi capaz de estabelecer-se como um parceiro confiável dos EUA e da Europa.

Após a guerra, a Síria iniciou conversações com Israel, seguindo o exemplo do Egito. No entanto, apesar dos esforços, a Síria não conseguiu convencer Israel a devolver cada centímetro das Colinas de Golã tomada da Síria em 1967. Líderes israelitas argumentavam que era inaceitável para a segurança de Israel ter um país árabe no Lago Tiberíades, principal fonte de água para este país.

Enquanto isso, o regime sírio trabalhou na reconstrução de sua relação com o Iraque, a Jordânia e a OLP, os perdedores da guerra do Golfo, a fim de se tornar uma ponte entre eles e o Ocidente e os seus aliados árabes. Assad, após reunião com os iranianos, declarou que a Síria se opunha à divisão do Iraque, e fez acordos com Saddam Hussein para conter rebeldes curdos que operavam a partir da Síria. Ele também assinou acordos económicos que permitiram o fluxo de petróleo iraquiano por meio de gasodutos através de território sírio para o Mediterrâneo. Além disso, Assad se reuniu com Arafat, prometendo colocar fim à campanha de deslegitimização da OLP que o próprio Assad vinha fazendo desde 1983.

Em 1998, a Síria também firmou novos acordos económicos e de segurança com a Turquia, outro aliado do Ocidente. A Turquia estava particularmente interessada em impedir o PKK, a principal organização curda que atua na parte do Curdistão ocupada pela Turquia, de operar a partir da Síria, com o apoio de Assad, como já vinha acontecendo. Assad coibiu todas as operações dos curdos na Síria. Ele prendeu 125 líderes do PKK e deportou-os para a Turquia. Além disso, a Síria abandonou a reivindicação de devolução da província de Hatay, uma extensa área entregue aos turcos pelo mandato francês que governou a Síria muitas décadas atrás. Em troca, a Turquia aumentou os investimentos e a parceria econômica com a Síria e fez acordos sobre os recursos hídricos, já que parte da água que este país necessita vem de rios que nascem em terras turcas.

A próxima série de acordos com o imperialismo ocorreu após a morte de Hafez Al Assad, em 2000, pelo seu sucessor e filho, Bashar El Assad.

Uma vez no poder, Bashar promoveu reformas econômicas neoliberais, a fim de levar adiante a privatização e a abertura da economia ao capital estrangeiro para apaziguar as potências ocidentais. No início, essas reformas diluíram o monopólio estatal do sistema bancário e incentivaram as universidades privadas e o mercado imobiliário privado. Entre os principais beneficiários está o primo de Bashar, Rami Makhlouf, que se tornou um bilionário. A sua fortuna pessoal era estimada, em 2008, em cerca de seis mil milhões de dólares. Ele é o principal dono da Syriatel, uma das duas empresas de telefonia móvel licenciadas para operar na Síria. Além desta empresa, ele tem negócios em tabaco, petróleo, mercado imobiliário, bancos, zonas de livre comércio ao longo da fronteira com o Líbano, lojas duty-free e lojas de departamento de luxo. De acordo com o Financial Times, ele controla até 60% da economia síria através de sua rede de empresas.

Bashar também concluiu o Acordo de Taif, que terminou com a guerra civil libanesa. Este acordo, com o apoio dos EUA, da Arábia Saudita e dos principais grupos no Líbano, reconheceu a hegemonia da Síria sobre o Líbano contra a vontade e os esforços políticos e militares do general Michel Aoun, que teve que fugir para a França. Simultaneamente, a Síria reconheceu o estado libanês.

Ao mesmo tempo, Bashar manteve o apoio político e militar ao Hezbollah no Líbano, a fim de exercer pressão sobre Israel e os EUA para retomar as Colinas de Golã e preservar o papel regional da Síria como um país árabe líder. Pelas mesmas razões, ele aceitou um grande número de refugiados iraquianos durante a segunda Guerra do Golfo e permitiu o funcionamento da resistência iraquiana através de suas fronteiras. Atualmente, a UNRWA (agência da ONU responsável pelos refugiados) reconhece a existência de um milhão de refugiados iraquianos em território sírio.

Apesar disso, os EUA sob Bush decidiram não atacar a Síria pelo fato de que é melhor ter um mau conhecido do que algo desconhecido. Bashar não representava um obstáculo para a ordem imperialista, mas alguém com quem o imperialismo teria que negociar.

Agora em 2011, os EUA, a UE e Israel se recusam a tomar uma ação militar ou quaisquer represálias mais fortes contra o regime de Bashar por ele matar e reprimir violentamente a revolução, em grande parte pacífica, empreendida por massivas mobilizações em todo o país. A política dos EUA é clara: os media informaram que as propostas dos EUA foram amplamente divulgadas na reunião sem precedentes da “oposição” síria realizada no Hotel Semiramis em Damasco em 27 de junho passado. O documento, cuidadosamente formulado com três mil palavras, exigiu um pedido de desculpas claro e franco e a investigação das organizações e indivíduos responsáveis pela repressão contra protestos legítimos, e compensação para as famílias das vítimas. Também foi proposta uma nova lei sobre os partidos políticos e a formação de uma Assembleia Nacional de Transição com 100 membros, para a qual o partido Baath iria nomear 30 membros e Bashar nomearia outros 70 em consulta com representantes da oposição. Em uma palavra, o que os EUA estão exigindo é que Assad supervisione uma transição segura e pacífica para uma democracia civil que mantenha os interesses ocidentais e congele o processo revolucionário.

Os EUA querem reformas lideradas pelo regime sírio em direção a um governo de unidade nacional, a fim de evitar qualquer desestabilização da Síria e, consequentemente, de todo o Médio Oriente, especialmente em Israel pelo Hezbollah e os palestinianos, na Turquia pelos curdos, no Iraque pela resistência e até mesmo na Arábia Saudita pelos oposicionistas xiitas, que poderiam iniciar protestos em áreas de produção de petróleo perto da fronteira com o Kuwait, onde são maioria.

A Revolução da Síria faz parte das revoluções árabes

Há características que as revoluções na Tunísia, Egito, Líbia, Iémen, Bahrein e outros países árabes compartilham: o ódio às velhas ditaduras sem perspectiva de mudança, todas elas diretamente apoiadas ou com relações estratégicas com as potências ocidentais; dificuldades económicas que aumentaram profundamente com a crise económica mundial; os jovens da classe trabalhadora na vanguarda de maciças mobilizações; e reivindicações democráticas centradas na palavra de ordem mais popular desde a Tunísia: “O povo quer o fim do regime”.

O mesmo está a acontecer na Síria. Vejamos.

Um regime repressivo e autoritário

A Síria está sob lei marcial há 40 anos. Ela estipula que qualquer reunião com mais de cinco pessoas deve ser previamente autorizada por um dos 15 serviços de segurança com duas semanas de antecedência. Para obter a autorização, os nomes dos oradores devem ser fornecidos, juntamente com uma cópia de cada discurso e a lista completa dos participantes.

Esta lei tem permitido aos Assad prender todos os dissidentes. As prisões sírias são famosas por acolher milhares de prisioneiros sírios, libaneses e palestinos e, atualmente, um número incontável de dissidentes estão desaparecidos. Há mobilizações no Líbano exigindo das autoridades sírias informações sobre o paradeiro de seus entes queridos. Alguns sobreviveram nos cárceres sírios: Salah Jadid, o antigo governante antes de Hafez Al Assad, foi preso e morreu na prisão após 23 anos.

Além da lei marcial, a dissidência sunita foi duramente reprimida. Em 1982, mais de 20 mil pessoas foram mortas em Hama após protestos liderados pela Irmandade Muçulmana. No rescaldo, todos os clérigos sunitas foram investigados e apenas aqueles sancionados pelo regime e ligados ao partido Baath foram autorizados a liderar uma mesquita.

O mesmo vale para os dois milhões de curdos. A sua língua foi banida em um esforço para apagar a cultura curda e arabizá-la. Cerca de 300 mil curdos não têm cidadania síria e casamentos entre qualquer um desses curdos e cidadãos da Síria não são reconhecidos pelo Estado. A maioria dos curdos é pobre apesar de viverem em terras altamente produtivas (principalmente algodão e trigo) e da abundância de recursos petrolíferos na parte do Curdistão ocupada pela Síria. Em 2004, uma mobilização foi recebida com forte repressão, e ligações com a Turquia e o Iraque foram cortadas, impedindo as conexões entre os curdos de toda a área.

Na realidade, não há mudanças democráticas implementadas sob Bashar. Quando ele foi nomeado presidente, havia grandes expectativas de reformas democráticas. Alguns até falaram de uma primavera síria. Mas Bashar apenas implementou reformas económicas neoliberais. Os esforços democráticos foram suprimidos na época. Em 2005, após a pressão imperialista e a forte mobilização local, as tropas sírias deixaram o Líbano. Na Síria, pela primeira vez, um movimento de oposição apareceu abertamente exigindo uma mudança de regime por meio de um documento chamado Declaração de Damasco. Ele pediu reformas políticas e económicas. Entre elas estava o estabelecimento de um sistema multipartidário, um regime democrático com eleições livres, uma nova constituição para assegurar a igualdade perante a lei, liberdade de expressão e organização, cancelamento da lei marcial e liberdade para todos os presos políticos. Esta declaração foi autenticamente síria, assinada por personalidades conhecidas, como o autor Michel Kilo, o deputado Rayad Sayf e o ex-juiz Haytham al Malih. Eles não tinham o apoio ou encorajamento dos EUA e sofreram forte repressão, incluindo a permanência durante anos na prisão.

Em 2011, sob a pressão combinada da Revolução Síria e do Ocidente, Bashar anunciou algumas reformas: fim da lei marcial, a criação de um sistema multipartidário, a cidadania para os curdos, a liberdade de alguns presos políticos, etc. Ao mesmo tempo, recorreu à repressão generalizada para acabar com os protestos. Em agosto, as cidades de Hama, Deir el-Zour e Latakia foram particularmente visadas. desde março, duas mil pessoas foram mortas, cerca de três mil desapareceram, e mais de dez mil foram presas. Doze mil refugiados fugiram para a Turquia e muitos mais para o Líbano. As ações autoritárias prevaleceram sobre a retórica democrática.

As raízes económicas da revolução

A combinação das reformas económicas realizadas por Bashar a partir de 2000 com a crise econômica mundial gerou uma situação explosiva. Como em todos os países árabes, o desemprego, especialmente entre os jovens com formação universitária, é alto, sem sinais de diminuição. Os salários são baixos e a inflação é alta. Os dois milhões de trabalhadores públicos ganham 200-300 dólares por mês, fazendo do “baksheesh” (propina) um complemento essencial para sua sobrevivência. Além disso, milhões de agricultores foram forçados a migrar para as cidades devido à seca nas áreas rurais.

Enquanto as massas trabalhadoras estão sofrendo, Bashar entregou setores inteiros da economia para os membros de sua família. Rami Makhlouf tem a Syriatel e uma miríade de outros negócios. Rami é odiado pelas massas em luta como o símbolo da corrupção do regime. Mas ele não está só. Zou al-Hima Shalish, seu primo, assumiu o controlo de uma importante empreiteira na indústria da construção. Ele e outros empresários próximos receberam a maior parte dos contratos públicos de infra-estrutura.

Perspectivas: um regime à beira da queda

O futuro da revolução na Síria está sendo decidido nas ruas de Damasco, Hama, Daraa, Deir el-Zour, juntamente com a luta nas ruas de todos os outros países árabes.

As forças contra-revolucionárias estão ativas, mas as suas contradições estão se acumulando.

No dia 18 agosto, o presidente Barack Obama explicou a abordagem dos EUA: “Nós temos consistentemente dito que o presidente Assad deve conduzir uma transição democrática ou sair do caminho”. Além disso, ele ordenou o congelamento dos ativos do governo sírio nos Estados Unidos, proibiu os cidadãos dos EUA de operar ou investir na Síria e proibiu as importações de derivados de petróleo sírio. No mesmo dia, os líderes da União Europeia também exigiram o afastamento de Assad. Ainda temos que ver se a União Europeia vai interromper as importações de petróleo da Síria. Os Estados Unidos e a União Europeia levaram cinco meses para declarar que Bashar deve sair, porque a sua opção preferencial para derrotar a revolução na Síria era ter reformas com Bashar na liderança. A recusa de Bashar de parar a repressão e a permanência dos protestos levou o imperialismo a procurar outros interlocutores dentro e fora do regime para fazer as reformas e desmobilizar a revolução.

Rússia, China, Brasil, Índia e África do Sul, membros do Conselho de Segurança da ONU, ainda estão pedindo reformas a serem lideradas por Bashar. No dia 9 de agosto, Brasil, Índia e África do Sul se superaram ao afirmarem que Bashar tem vontade de levar a cabo reformas democráticas e condenaram a violência de “ambos os lados”.

No entanto, a Turquia, o principal parceiro comercial da Síria (US$ 2,5 mil milhões de comércio anual), com quem ela compartilha fortes laços históricos, parou no meio. No dia 9 de agosto, o chanceler turco Davutoglu anunciou que a Turquia iria esperar duas semanas pelo fim de toda a violência do Estado e por reformas significativas antes de tomar ações em represália.

Incentivado por essas decisões e pelo forte apoio do Irã, Bashar recorreu à repressão generalizada a fim de impedir o crescimento do movimento e o estabelecimento de cidades livres que poderiam se tornar fortalezas para a revolução, como aconteceu na Líbia com Benghazi. No entanto, apesar da forte repressão, a revolução não parece estar definhando, mesmo que as mobilizações estejam menores em agosto, devido à repressão selvagem.

O plano B de Bashar é levar adiante as reformas “sugeridas” pelas potências ocidentais: eleições “democráticas” e um governo de unidade nacional. Não está claro se essa opção é viável devido ao estágio atual das mobilizações. A sua última opção é a criação de um pequeno Estado Alauíta militarizado no noroeste, ao redor de Aleppo e Latakia.

No entanto, fica claro que a revolução está viva e tendendo a se radicalizar.

As manifestações e comícios saltaram de alguns milhares, há cinco meses, para centenas de milhares em julho. Daraa, na pauperizada fronteira sul com a Jordânia, foi o primeiro centro da revolução. Agora as mobilizações são realizadas em âmbito nacional, lideradas por Hama e Deir el-Zour, com centenas de milhares em cada cidade a cada sexta-feira. Mesmo em Damasco, há marchas em alguns bairros onde a maioria são sunitas, curdos e setores da classe média. A única cidade principal sem qualquer maior mobilização é Aleppo, um centro da comunidade Alauíta e um reduto do regime de Assad.

O caráter não-sectário da revolução é fundamental para atrair um número crescente das diversas seitas cristãs, xiitas e drusos. Uma das palavras de ordem mais populares é “Um, um, um, o povo sírio somos um só”. Existe também a possibilidade de racha entre a burguesia síria, profundamente afetada pela paralisia econômica.

A forte repressão elevou as reivindicações de reformas para a queda do regime. Em agosto, Bashar conseguiu parar as marchas de centenas de milhares em Hama e Deir el-Zour, mas, assim que as tropas saíam das cidades, marchas menores reiniciavam. De qualquer forma, novas contradições emergem dessas ações repressivas.

As deserções entre as tropas estão crescendo. Bashar tem que confiar na quarta divisão das Forças Armadas, formada principalmente por militares da comunidade Alauíta e diretamente dirigida por seu irmão Maher Al Assad, para realizar os massacres em Hama, Deir el-Zour, Lattakia e outros lugares. Há relatos de soldados sendo mortos por seus comandantes por se recusarem a reprimir os manifestantes. A generalização de deserções de tropas ainda não aconteceu devido à falta de um polo de atração alternativo para os soldados.

No entanto, há um limite em se basear em uma divisão do exército para enfrentar uma onda nacional de protestos em todo o país. Além disso, as outras divisões são muito sensíveis ao clamor das ruas e podem se dividir. Por outro lado, os manifestantes são obrigados a defender-se com a criação de barricadas nas cidades, tendendo a se armar.

A liderança real dos protestos são as Comissões de Coordenação Locais que surgiram em todo o país, principalmente composta por um número modesto de jovens ativistas. Eles coordenam-se através de meios alternativos de comunicação. Anteriormente, a sua posição foi de recusar qualquer diálogo com o regime enquanto continuasse a repressão. Agora, eles exigem o fim do regime. A tendência é que todas essas comissões de coordenação se desenvolvam em organizações abertas, maiores e democráticas pela base, isolando a falsa oposição que se reuniu em Damasco no dia 27 de junho, sob os auspícios do regime, juntamente com o grupo de oposição no exterior que realizou uma conferência de 300 pessoas na cidade de Antalya, na Turquia, em 2, 3 e 4 de julho, formado principalmente por grupos e personalidades liberais e nacionalistas.

O principal ausente: um forte partido operário revolucionário

O principal ausente na revolução árabe, na Síria e em outros países, é uma organização revolucionária socialista forte que desenvolva conscientemente a mobilização e auto-organização das massas trabalhadoras para derrubar o regime de Assad e atender todas as suas demandas e necessidades. Reivindicações claras e a classe operária em movimento são fundamentais para dar o primeiro golpe para derrubar os regimes repressores e seguir em frente para fazer as mudanças democráticas, económicas e políticas que as massas trabalhadoras necessitam.

Abaixo o regime de Assad!

Liberdade de expressão e de organização de sindicatos e partidos políticos!

 Liberdade para todos os presos políticos e julgamento e punição para todos os membros do regime!

Realização de eleições livres para uma Assembleia Nacional Constituinte para: romper todos os laços com Israel e com o Ocidente, sejam eles económicos, políticos, diplomáticos ou militares! Não pagar a dívida externa! Garantir o direito de autodeterminação para o povo curdo e apoio para sua luta em todo o Curdistão!

Total apoio para os palestinos na luta por uma Palestina laica e democrática abrangendo a totalidade do seu território histórico!

Apoio militar ao Hezbollah para levar a cabo a resistência contra Israel e todo o apoio à resistência iraquiana!

Emprego, salário, moradia acessível, educação e saúde públicas, gratuitas, de qualidade e previdência social!

Acima de tudo, toda a economia deve ser nacionalizada e colocada sob o controle dos trabalhadores rumo a um governo dos trabalhadores e camponeses para avançar na criação da Federação Socialista das Repúblicas Árabes.

Escrito por Hassan Al Barazili e publicado no site da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)

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