Ganha força a ideia de que a “tragédia grega” de não ter dinheiro para pagar a sua dívida, mesmo com a injecção do empréstimo externo, seria a tragédia da União Europeia e poderia levar à sua implosão.
Já é compreensível para muitos: o pacote de “ajuda” de € 78 mil milhões do FMI/União Europeia não vai ajudar em nada o povo português nem salvará a economia portuguesa da recessão. Basta olhar para a Grécia, enterrada numa crise social sem precedentes após o pacote similar de Maio de 2010, ou para a Irlanda, forçada a aceitar um empréstimo em Novembro passado para salvar a banca privada dos resultados das suas próprias iniciativas especulativas, e onde a crise não apresenta fim à vista. O resgate do FMI não está aí para relançar a economia do nosso país em bases produtivas (única maneira de o fazer sair da recessão), mas sim para salvar os mercados financeiros, ou seja, os interesses dos credores.
Ganha assim força a ideia entre os comentadores da nossa praça de que o colapso da Grécia rapidamente contagiaria os dois países também intervencionados pelo FMI/UE (Irlanda e Portugal), o que seria um golpe profundo no “projecto europeu”. A tragédia grega de não ter dinheiro para pagar a sua dívida mesmo com a injecção do empréstimo externo seria a tragédia da União Europeia (UE) e poderia levar à sua implosão. E o primeiro passo desta implosão seria a saída da Grécia do euro – podendo seguir-se a mesma solução para a Irlanda e Portugal.
O que é o euro?
Criado em finais do século passado com o objectivo de concorrer com o dólar nos mercados cambiais, o euro foi uma tentativa de unificar os interesses distintos e por vezes contraditórios das várias burguesias europeias face ao imperialismo americano sob a direcção da Alemanha e da França. A adopção desta moeda única significou a perda de soberania nacional na emissão de moeda – foi o Banco Central Europeu (BCE) que passou a deter essa prerrogativa – e a imposição de critérios comuns para os défices orçamentais (exigindo-se que não ultrapassem 3% do PIB em cada país) e para as dívidas públicas (que não podem ser superiores a 60% do PIB).
Actualmente são 16 os países que integram o euro, ao passo que 11 outros pertencem à UE mas mantêm as suas moedas nacionais. O que prova que há vida para além do euro, ao contrário do que muitos comentadores do sistema pretendem fazer crer…
O que significaria para a classe trabalhadora sair do euro?
Sair do euro implica regressar às moedas nacionais, o que permitiria aos governos usarem o mecanismo da desvalorização cambial para conseguirem exportações mais baratas. Isso poderia trazer a uma economia anémica como a nossa uma vantagem concorrencial imediata nos mercados internacionais, daí que possa haver algum interesse da burguesia nesta saída para a crise.
Mas os países que optassem por sair da moeda única teriam também dificuldades em aceder a financiamento externos (muito mais caros por continuarem a ser feitos em euros), e os credores veriam as suas dívidas em risco de não ser pagas. As importações seriam mais caras, os salários perderiam poder de compra, etc.
Mas o certo é que os trabalhadores estão já a perder poder de compra com sucessivos cortes salariais e aumentos de impostos …e estamos no euro! Quanto aos credores, quem são eles senão capitalistas financeiros que especulam com as dívidas soberanas dos países? Aliás, desde a adopção do euro que é visível uma maior sucção da mais-valia produzida pelos trabalhadores e uma cada vez maior concentração dessa riqueza na banca. O capital financeiro já ganhou muito, perderia com a saída do euro… E depois?
Risco de implosão da UE
O pânico da burguesia europeia de qualquer dos países mais endividados decidir sair do euro tem razões políticas: é provável que a própria UE implodisse, já que o nível de desacordo acerca do euro dificilmente permitiria aos países continuarem juntos no projecto europeu. E daí? Não é a UE uma união das burguesias europeias contra os trabalhadores europeus? Não tem sido uma máquina de guerra contra os direitos sociais e laborais de quem trabalha ou trabalhou? Na verdade, a desagregação do euro e da UE poderia até dar mais força à luta dos trabalhadores contra o capital, que agora estaria mais fraco e, como tal, fragmentado.
Que política de esquerda para o euro e a dívida?
Por isso não entendemos que um partido como o Bloco de Esquerda tanto se assuste com a ideia da saída do euro e da UE (ver textos da última Convenção). Assim como não entendemos que quer BE quer PCP defendam a renegociação da dívida externa, ou seja, a concertação entre governos e instituições do capital para pagamentos da dívida mais “suaves”, com juros mais “benéficos”, etc.
Trata-se duma ilusão, porque significaria continuar a deixar a economia nas mãos do capital financeiro e permitir que ele continue a ditar as regras. Seria como quando alguns de nós renegociamos as dívidas das nossas casas: as condições são menos draconianas, mas os altos juros continuam lá, os lucros da banca continuam lá. As nossas casas já estão realmente pagas há anos, mas a banca não abdica de sufocar as famílias com décadas de prestações, mesmo que um pouco mais suaves…
Do que o povo português (e o grego, e o irlandês) necessitam é de deixarem de pagar a dívida que os sufoca, e tomarem medidas anticapitalistas para uma verdadeira recuperação económica, a começar pelo relançamento da produção industrial, agrícola e pesqueira, sob controle dos trabalhadores. Isto poderia ser feito desde logo com os €16 008 milhões que estão em off-shores e que em 2010 representavam 10% do PIB (e cuja cobrança de impostos pelo Estado faria com que o défice passasse de imediato para 1,9%!). Tais medidas certamente implicariam romper com os privilégios do capital financeiro e o euro.
José António Dias
Ana Paula Amaral