O Conselho de Segurança da ONU votou uma zona de exclusão aérea para a Líbia. Essa medida é parte de uma resposta recente do imperialismo contra o processo revolucionário no Norte da África e no conjunto do Oriente Médio. Para o imperialismo, o avanço da revolução árabe é uma ameaça gravíssima, pois coloca em xeque um dos pilares centrais da ordem mundial: o lugar onde estão as fontes de petróleo e gás mais importantes do mundo. Também põe em perigo a existência do Estado de Israel, o agente militar do imperialismo no Oriente Médio.
Diante do fato de que as revoluções não cessam, ameaçando se estender inclusive para a Arábia Saudita, o imperialismo decidiu intervir militarmente e conter o processo a qualquer custo, antes que perca completamente o controle. Por isso, após uma discussão intensa e indecisão, o imperialismo votou pela intervenção militar na Líbia. Esta é parte de um contra-ataque militar coordenado em várias frentes, assumindo diferentes formas, mas com o mesmo objectivo.
No Bahrein, sede da Quinta Frota dos Estados Unidos, diante da ocupação da principal praça da capital pelas massas, que ameaçavam derrubar a monarquia, e devido à crise do exército do emir, incapaz de reprimir os protestos, o imperialismo resolveu intervir por meio das tropas da monarquia saudita e dos Emirados Árabes Unidos, seus agentes incondicionais. No Iémene, está estimulando a feroz repressão do ditador Saleh, que só esta semana deixou mais de 40 mortos.
A zona de exclusão aérea na Líbia
Na Líbia, o imperialismo tomou a decisão de intervir militarmente com as suas próprias forças e sob a cobertura da ONU, decretando uma zona de exclusão aérea que se converte numa licença para a intervenção militar. Isso significa que as forças armadas dos países imperialistas, por meio da NATO, estão autorizadas a atacar qualquer instalação militar na Líbia.
No entanto, preocupado com o profundo desgaste devido a suas intervenções no Iraque e na actual ocupação no Afeganistão, o imperialismo norte-americano tratou de buscar uma ampla frente para apoiar a sua intervenção militar com os demais imperialismos da Europa, com a Rússia e a China, por meio do Conselho de Segurança da ONU, e inclusive com a Liga Árabe. Para isso, utilizou como desculpa o genocídio iniciado por Kadafi, visto por todo o mundo pela televisão, como massacres perpetrados pelo ditador. Mas se esse fosse o verdadeiro motivo, como explicar que, ao mesmo tempo, o imperialismo apoia as monarquias da Arábia Saudita e do Bahrein e o ditador do Iémene, que estão reprimindo e assassinando os manifestantes desses países?
Qual o objetivo da intervenção imperialista?
É necessário deixar claro que, se o pretexto dessa intervenção militar sob a cobertura da ONU são os massacres de civis executados por Kadafi, a verdadeira razão do imperialismo é se aproveitar da indignação generalizada contra o ditador e voltar a intervir militarmente de forma directa numa região onde a revolução árabe está em pleno curso e reassegurar o controle dessa região em um ponto crítico: a Líbia.
O grau de radicalização do enfrentamento do povo líbio contra Kadafi é tão grande que o imperialismo intervém para evitar que a guerra civil se estenda e para impedir que a revolução árabe se radicalize ainda mais, seja no caso de vitória militar imediata de Kadafi, que abriria a possibilidade de uma guerra de guerrilhas, seja no caso de uma guerra civil prolongada num país central para o fornecimento de petróleo e que poderia gerar movimentos de apoio e incendiar toda a região.
Com o mesmo cinismo com que apoiaram o ditador por anos e receberam-no nas capitais europeias com cerimónias de honra, as potências imperialistas passaram a adoptar outra táctica agora que a população se levantou em armas contra ele: retiraram o seu apoio para impor uma saída que estabilize a situação e imponha os seus interesses, como faziam com Kadafi, mas controlando a situação.
O que mudou para o imperialismo não foi o facto de Kadafi passar a massacrar civis. Foi que explodiu uma revolução e uma insurreição armada contra o ditador apoiada pela maioria da população, e o imperialismo precisa estabilizar a situação.
Mas existe uma preocupação do governo Obama com a situação política e o desgaste dos EUA com as ocupações do Iraque e do Afeganistão na região e que repercute fortemente nos Estados Unidos. Por isso, tratou de ampliar a frente imperialista e de buscar o apoio dos povos árabes, do líbio em especial, para essa intervenção. Daí também a importância de conseguir o apoio da Liga Árabe para a decisão de decretar a zona de exclusão aérea.
A reacção dos insurrectos
No início da insurreição, os rebeldes capturaram um helicóptero com oficiais ingleses que queriam negociar com eles, mas imediatamente os expulsaram. Havia uma clara hostilidade ao envolvimento do imperialismo na luta do povo líbio. O imperialismo esperou que essa situação mudasse, aproveitando-se de uma baixa no seu ânimo diante dos massacres e das derrotas militares que expressaram uma superioridade de armamentos e equipamentos muito grande a favor de Kadafi. Contra os comités populares com trabalhadores sem experiência no manejo das armas tomadas do exército regular estão as Brigada Khamis, divisões bem armadas e treinadas que combatem por Kadafi.
O imperialismo aproveitou-se de um momento na guerra civil em que havia uma ofensiva das tropas de Kadafi contra as cidades libertadas pelos rebeldes e em que estes perderam boa parte de suas conquistas e se sentiam cercados. Isso gerou uma atitude de expectativa por alguma ajuda externa ao povo líbio, ameaçado pelos massacres do ditador. Ao contrário dos primeiros momentos, em que os comités populares rechaçavam a intervenção imperialista com cartazes e declarações, agora houve expressões de apoio popular à intervenção da ONU, à zona de exclusão aérea, que se reflectiu inclusive em cartazes em Bengasi.
É preciso denunciar os dirigentes burgueses líbios da oposição que estão defendendo o apoio às decisões da ONU. Grande parte destes dirigentes veio do governo de Kadafi, e agora pedem abertamente a intervenção militar imperialista com tropas terrestres. Isso demonstra como estão dispostos a servir de agentes do imperialismo e a trair a revolução líbia.
A LIT-QI está do lado da revolução líbia, contra Kadafi, apesar da posição pró-imperialista de vários dirigentes da oposição. E queremos alertar os manifestantes de Bengasi: essas tropas imperialistas, assim que entrarem na Líbia, serão os novos ocupantes do país, e a primeira medida que tomarão será desarmar os comités populares para garantir que o governo que fique no país atenda a seus interesses. Mesmo que sejam tropas da ONU a sua tarefa será essa, e quem se opor será reprimido.
A presença de tropas estrangeiras servirá para dar ao imperialismo o controle sobre a Líbia, como o que impôs no Iraque e no Afeganistão. A prova disso é o seu apoio à repressão sangrenta no Bahrein e Iémene, que tem a mesma razão de fundo: impor uma estabilização de acordo com seus interesses. Por isso, somos completamente contra essa intervenção e chamamos os insurrectos a repudiá-la e a combatê-la. A realidade coloca dois inimigos a serem combatidos: Kadafi e o imperialismo, que vem controlar o país com um discurso humanitário e de “paz”. Além disso, a intervenção serve de desculpa para Kadafi se apresentar como vítima e “defensor da soberania nacional”.
Duas polémicas
Neste momento, encontramos dois tipos de posições na esquerda que devem ser combatidas duramente. Ao redor de Fidel Castro, Daniel Ortega e Chávez, os “amigos de Kadafi”, armou-se uma posição que afirmava ser necessário apoiar Kadafi porque o imperialismo está contra o ditador por ele ser antiimperialista. Mas isso é completamente falso: o imperialismo sustentou Kadafi, vendeu-lhe armas e treinou os seus soldados nos últimos anos. Além disso, Kadafi disse aos governos imperialistas repetidas vezes durante os confrontos que ele poderia continuar garantindo os interesses do imperialismo em relação ao petróleo, continuar combatendo o terrorismo da Al Qaeda em colaboração com as potências imperialistas e continuar colaborando com uma polícia avançada da União Europeia para impedir que os imigrantes ilegais da África chegassem à Europa.
Kadafi, que no passado, assim como a direcção cubana e a sandinista, teve sérios enfrentamentos com o imperialismo, mas hoje é seu sócio, está reprimindo com sangue essas mobilizações, a tal ponto que provocou uma guerra civil.
Mas Fidel Castro, Hugo Chávez e Daniel Ortega estão do lado do genocida Kadafi nesta guerra. Esses dirigentes que se dizem representantes da esquerda continuam a defender um carniceiro que era amigo do imperialismo. Chegam a negar ou duvidar (falam de guerra mediática) que tenha havido ataques contra os civis e massacres que foram vistos em todos os meios da imprensa mundial, por Internet, e as fotos transmitidas, etc. O próprio Kadafi confirmou os ataques com o comentário cínico de que “fazia o mesmo que Israel em Gaza”, isto é, massacres genocidas contra a população civil. O fato é que foi Kadafi e a sua prática genocida que deu argumentos para o imperialismo intervir militarmente.
Alguns defensores desse tipo de posição dizem que a decisão do Conselho de Segurança confirma a sua análise, mas é necessário ver além das aparências: se agora todas as potências imperialistas resolvem intervir, com o consentimento da Rússia e da China, é justamente para garantir os acordos que tinham com Kadafi e que ele, por mais que se dispusesse a mantê-los, já não conseguia assegurá-los.
A outra posição na esquerda é uma grave capitulação ao imperialismo. Referimo-nos àqueles que saúdam a intervenção do imperialismo “em defesa dos civis” ou “para parar o massacre”. Alguns se limitam a apoiar a zona de exclusão aérea já aprovada, outros inclusive apoiam que o imperialismo intervenha com tropas de paz. Esses sectores confiam que as tropas da ONU são a paz. O argumento em geral é que, para acabar com o massacre de civis, é necessário apelar para as instituições internacionais.
Quem propõe como saída a intervenção imperialista se esquece do papel da ONU no Afeganistão, na Palestina, no Iraque e em todas as ocupações supostamente “humanitárias”. São aqueles que vêm em Obama um rosto humano por mais que continue ocupando o Afeganistão e o Iraque e bombardeando o Paquistão.
Essa posição é tão nefasta que leva os trabalhadores a apoiarem uma intervenção imperialista na Líbia, que será a base para a ocupação e a opressão do povo líbio e um ponto avançado para atacar o conjunto da revolução árabe. Ao contrário, é necessário fazer uma forte campanha nos países imperialistas contra o envio de tropas, desmontando a campanha que estão fazendo para justificar sua intervenção militar, e nos mobilizar contra os governos que participam dos planos de ocupação.
A saída: a revolução árabe
A intervenção militar imperialista serve para enterrar a revolução. O campo da revolução deve enfrentar esta intervenção, pois o novo ocupante reprimirá todo aquele que se oponha a ocupação.
Temos que recordar às massas líbias que a sua revolução é parte da revolução árabe e por isso conta com um grande apoio no Norte da África, Oriente Médio e dos trabalhadores de todo o mundo, em especial da Europa, onde a relação é muito estreita pela presença de uma forte comunidade imigrante árabe e do Norte da África. E é aí, entre os trabalhadores e o povo, que estão as fontes de apoio que devem ser buscadas. Mas é necessário transformar essa solidariedade, com que a revolução líbia conta em todo o mundo árabe, em força de combate para derrotar a Kadafi pela acção de massas de toda a região, sendo a mais ampla possível. É preciso chamar a mais ampla solidariedade com a revolução. Nos países árabes a primeira tarefa é exigir dos governos que retirem o apoio à intervenção imperialista aprovado pela Liga Árabe. É preciso chamar a solidariedade activa das massas árabes por meio do envio de armas e voluntários para combater essa ditadura assassina.
Em particular nos países onde a revolução teve um forte desenvolvimento e que são vizinhos da Líbia, como Egipto e Tunísia, é necessário denunciar esses governos por sua posição actual e exigir que retirem o apoio à intervenção votado pela Liga Árabe, e que rompam com o ditador Kadafi, facilitando o envio de apoio em alimentos, remédios e armas aos rebeldes.
O exemplo da guerra civil espanhola e da Nicarágua para derrubar Somoza demonstrou que quando se trata de uma guerra civil em que de um lado está uma ditadura assassina e de outro o povo em armas é possível que activistas de todo o mundo se somem para combater do lado da revolução, com brigadas internacionalistas de apoio. Especialmente no mundo árabe, que vive uma revolução, é possível organizar milhares e milhares de trabalhadores e jovens para lutar contra essa ditadura sanguinária. Essa organização deve estar pronta para combater qualquer intervenção imperialista que tente dominar o país e que possa esmagar a insurreição.
Também é urgente o apoio à revolução no Bahrein e no Iémene. A revolução árabe é um processo único, o resultado em cada um dos países influenciará no desenlace do conjunto do processo. O futuro da revolução egípcia e tunisina também será decidido aí.
Não à intervenção imperialista!
Não à zona de exclusão aérea sob o controle da ONU!
Não ao envio de tropas imperialistas à Líbia, sejam da ONU, da NATO ou de outros países!
Fora as tropas sauditas e dos Emirados do Bahrein!
Abaixo Kadafi! Todo o apoio à insurreição líbia!
Abaixo a monarquia de Bahrein, a ditadura do Iémene e todas as ditaduras árabes!
Todo apoio à revolução no Iémene e no Bahrein!
Viva a revolução árabe!
Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional