“Um outro Davos” defende unidade dos trabalhadores contra ofensiva do capital

Entre 21 e 23 de Janeiro realizou-se, na cidade suíça de Basileia, o X Encontro internacional “Um Outro Davos”. Estes encontros, que se assumem como anticapitalistas e agrupam activistas e trabalhadores de todo o mundo, têm sido organizados como contraponto às cimeiras anuais dos governos e instituições internacionais do imperialismo que se realizam na estância turística de Davos.

No Outro Davos deste ano participaram cerca de 250 pessoas, vindas de vários países: Suíça, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Grécia, Itália, Grã-Bretanha, Rússia, Sérvia, EUA, Brasil, Uruguai, Argentina, Venezuela, Egipto, Irão…Eram na maioria representantes de correntes sindicais e de organizações políticas, mas também de organizações de imigrantes, mulheres e estudantes.

Colaboração das direcções tradicionais com os governos “por formas nunca dantes experimentadas”

Muitas intervenções ressaltaram que, à medida que se aprofunda a crise mundial do capitalismo e se multiplicam os ataques aos trabalhadores, cresce a sua vontade de luta e determinação. Foram relatados casos concretos de combate e resistência, por vezes muito prolongados. Mas em quase todos as lutas o maior obstáculo para o seu sucesso tem sido a traição sistemática das direcções sindicais. Ao ponto de colaborarem directamente com os governos não só por via de acordos de conciliação, como inclusive na repressão das mobilizações!…

Um caso ilustrativo desta situação foi dado pelo professor francês Serge Goudard. Ele descreveu como, na sequência das lutas do Outono passado em França, que provocaram a união do movimento da classe operária com a juventude estudantil, as direcções burocráticas pactuaram com o governo francês “por formas nunca antes experimentadas”: aceitaram a ordem governamental de requisição civil dos trabalhadores das refinarias (um dos sectores que mais radicalizaram a luta, juntamente com os trabalhadores portuários); fizeram um acordo salarial “muito discreto” com a administração dos portos para pôr fim à mobilização dos portuários; e, last but not least, colaboraram com a polícia na repressão dos estudantes! “Os estudantes da minha cidade, Lyon, foram encerrados pela polícia numa praça pública, como numa prisão a céu aberto, e detidos a seguir – e tudo isto foi feito com a colaboração das direcções tradicionais do movimento sindical!”- afirmou.

Começa a difundir-se o sindicalismo classista e internacionalista

Face à capitulação vergonhosa das burocracias sindicais estão a surgir movimentos e grupos de trabalhadores que defendem e praticam um sindicalismo de tipo novo, combativo e independente dos patrões e governos, tendo como base de funcionamento a democracia operária. Estes grupos ainda são minoritários no movimento sindical da maioria dos países e têm, portanto, dificuldades em se construírem como alternativa às direcções tradicionais. Mas nalguns locais, como no Brasil, conseguiram já pôr construir uma nova central sindical, a Conlutas.

A este respeito o responsável da Conlutas Dirceu Travesso disse que “se é certo que a burocracia continua a dominar a consciência da maioria da classe a nível nacional, internacionalmente existe uma consciência cada vez maior da unidade dos problemas”. Hoje os trabalhadores entendem com mais clareza que a ofensiva neoliberal é a mesma nos EUA ou no Irão, na China ou no Uruguai. Por isso Dirceu dirigiu-se aos camaradas presentes apelando a que “exerçam activamente o internacionalismo”, tomando todas as iniciativas possíveis de solidariedade internacionalista (por exemplo com a revolta na Tunísia, as greves gerais convocadas noutros países, etc.).

Experiências de auto-organização

Outro aspecto interessante da situação do movimento operário hoje em dia são as experiências de auto-organização dos trabalhadores, e de como elas têm ajudado os trabalhadores a vencer lutas. Foram dados exemplos de auto-organização, inclusive com ocupações de empresas e experiências de auto-gestão, em lutas importantes na Sérvia, Suíça, Alemanha e Grécia.

Da Suíça italiana veio o relato da experiência de uma empresa em Bellinzone, que em 2008 foi alvo de um processo de reestruturação, que teria como consequência a perda de 450 postos de trabalho. O trabalhador Gianni Frizo contou como ele e os seus colegas realizaram uma greve de 33 dias, com ocupação e auto-gestão da empresa e assembleias gerais diárias. Na condução da luta a direcção sindical tradicional foi posta de lado e os trabalhadores elegeram um Comité de Greve. Sem fundo de greve, os trabalhadores da empresa apelaram à solidariedade activa da população local e foi ela que os ajudou financeiramente.

A luta só terminou com a vitória, isto é, quando os patrões aceitaram retirar o plano de reestruturação. Um exemplo de que afinal é possível ganhar!

“Não pagamos a vossa dívida! Não pagamos a vossa crise!”

A intervenção do grego Sotiris Martalis foi das mais aplaudidas. Ele contou como a luta na Grécia continua bem viva (na foto, médicos concentrados em frente ao parlamento em Fevereiro de 2011 contra as medidas de austeridade que atingem a classe), apesar de os media terem deixado de dar atenção ao que ali se passa. Desde o Verão que estão a funcionar Comités de Acção contra as medidas de austeridade, que organizam as populações e lutam activamente por objectivos concretos: contra o aumento das portagens e dos transportes, por exemplo. As pessoas reúnem-se e decidem ocupar uma portagem e levantar as cancelas para que os carros passem sem pagar; ou colocam-se junto dos balcões das transportadoras aéreas e propõem aos passageiros que não paguem o aumento dos bilhetes de avião.

Este boicote é contínuo e muito participado. “Quando começámos no Verão havia só um comité de acção, hoje eles existem em todas as cidades. Estes comités são a maneira de unir toda a classe contra os planos de austeridade, independentemente das suas filiações políticas.” Como parte deste movimento prepara-se nova greve geral (a 7ª!) para 10 de Fevereiro. Sotiris Martalis explicou: “A nossa luta de fundo é em torno de duas palavras de ordem: não pagamos a vossa dívida! Não pagamos a vossa crise!”

Ana Paula Amaral

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