Uma tragédia anunciada. Essa é a constatação que a maioria faz das tragédias causadas pelas chuvas em São Paulo, Minas Gerais e, especialmente, no Rio de Janeiro. As incontáveis mortes (quase 400 mortes no momento em que escrevo esse artigo) na região Serrana do Rio comovem o país, mas também provocam dor e revolta contra os governantes que nada fizeram para evitá-la.
Mais uma vez, a tragédia se abate sobre a população pobre e trabalhadora. Só na favela Campo Grande, em Teresópolis, relatou um morador ao jornal O Estado de S. Paulo, centenas de moradores morreram soterrados. A favela fica em frente a uma das mansões da família Marinho, donos da Rede Globo. A mansão ficou intacta.
Ano após ano essas tragédias se repetem nessa época do ano. Em todas elas, o número de vítimas é cada vez maior. Como sempre, os governantes tentam jogar a culpa no excesso de chuvas e na natureza, ou ainda, responsabilizam as pessoas por “insistirem em morar em áreas de risco”. No entanto, a responsabilidade dos trabalhadores de viver nessas áreas é dos governantes, que não oferecem alternativas seguras de habitação. Os baixos salários, o desemprego e a pobreza, aliados a especulação imobiliária, obrigam a população pobre ocupar os terrenos mais baratos, como as encostas e vales de rio.
Cortes de verbas criminosos
Apesar de o fenómeno ser recorrente em todo o início do ano e dos alertas de meteorologistas, o Orçamento Geral da União de 2010 reservou apenas R$ 442,5 milhões para o Programa “Prevenção e Preparação para Desastres”. Um valor totalmente insuficiente para a adopção de medidas de prevenção necessárias, como a contenção de encostas, desassoreamento e canalização de rios e córregos, entre outras obras de escoamento das chuvas. Para piorar, o governo liberou apenas 40% do que tinha no orçamento para prevenção (R$ 168 milhões). O Estado do Rio recebeu apenas 0,6% da verba do programa. Ou seja, os cortes de verbas impediram que muitas das obras preventivas de desastres pudessem sair do papel.
O criminoso descaso com a população fica ainda mais escancarado, quando se vê que o governo resolveu cortar ainda mais os gastos do programa. Em relação ao ano passado, houve redução de 18% das verbas para prevenção de desastres, que agora somam R$ 137,5 milhões.
Mas essa política criminosa não é uma exclusividade do governo do PT. No Rio de Janeiro, depois da catástrofe do Morro do Bumba no ano passado, o governo do PMDB nada fez para prevenir a enchente desse ano, que já é o maior desastre natural da história do país.
Em São Paulo, que também sofre com as enchentes, o prefeito (presidente da Câmara) Gilberto Kassab (DEM) deixou de investir na capital R$ 353 milhões nas obras de combate às inundações entre 2006 a 2009. O prefeito investiu apenas 68% da verba prevista no orçamento para a de canalização de córregos, serviços de drenagem e a construção de piscinões. Nos últimos quatro anos, o governo do estado controlado pelo PSDB deixou de investir no planeamento e em obras da drenagem urbana das cidades. Segundo dados da Assembleia Legislativa (assembleia estadual), desde 2007 nenhum centavo foi gasto na execução de novos estudos para prevenir enchentes na grande São Paulo. Por outro lado, os gastos com a dívida nunca atrasam. De Janeiro a Outubro, o governo tucano gastou R$ 7,8 mil milhões com a dívida interna.
Por que isso sempre acontece?
Os governos não querem evitar as tragédias que se repetem ano após ano, pois isso significaria encarar de frente os gravíssimos problemas de infra-estrutura que afligem a população mais pobre. Precisaria, por exemplo, aumentar as verbas para programas de prevenção de desastres, melhorar as condições de vida dos trabalhadores, enfrentar a especulação imobiliária e construir moradias populares de qualidade.
Os governos preferem condenar a população mais pobre a sua própria sorte, pois sabem que esse tipo de tragédia dificilmente atinge os ricos. Dessa forma, os recursos para impedir as tragédias desaparecem pelo respeito ao pagamento dos juros da sacrossanta dívida pública. O corte das verbas para o programa de prevenção obedece a essa lógica.
Essa política se repete também com o salário mínimo. Enquanto os governantes aumentam os salários dos parlamentares em 62% e da presidente Dilma em 132%, dizem que o salário mínimo não pode ter um aumento maior do que 30 reais. Como exigir que os trabalhadores saiam das áreas de risco enquanto ganham um salário mínimo que sempre termina antes do fim do mês?
Os governos do PT, PMDB, PSDB e DEM se igualam em irresponsabilidade social, e implementam a mesma política criminosa que condena a morte centenas de trabalhadores. Enquanto os governantes passam férias no exterior e presenciam com seus helicópteros particulares as regiões devastadas, os trabalhadores sofrem com o descaso e chora seus mortos.
O PSTU denuncia a hipocrisia dos governantes e chama os sindicatos e organizações populares dos trabalhadores a organizarem iniciativas de exigência aos governantes e solidariedade aos trabalhadores atingidos pelas enchentes.
Zé Maria
Presidente nacional do PSTU e ex-candidato à Presidência da República