Como se vê pela tabela no final do texto, a guerra social dos planos de austeridade, ajuste ou PEC’s alastra por todo o continente e com receitas muito semelhantes. Todos eles se constroem e aplicam segundo os ditames da União Europeia, ansiosa para que as dívidas soberanas à banca (sobretudo a francesa e a alemã) possam ser pagas a tempo e horas. Todos eles exigem aos trabalhadores do continente que paguem a factura dos 700 000 milhões de euros que foram desbaratados dos orçamentos públicos para acudir aos bancos quando estes estavam à beira do colapso. Todos eles respondem à necessidade de recuperar lucro do grande capital europeu, sedento de desmantelar o que resta do bem-estar dos trabalhadores que o alimentam, impondo um retrocesso histórico que nos traga de volta às condições de trabalho e de vida dos nossos avós.
A resistência que começou há cerca de um ano atrás na Grécia com uma série de manifestações e greves gerais alastrou e pode-se dizer que a Europa, mais do que nunca nos últimos tempos, está hoje a ferro e fogo.
Em França começa em Setembro uma monumental mobilização contra os planos do governo Sarkozy de aumentar a idade de reforma, com mais de um mês de greves muito participadas nas refinarias, transportes e outros sectores que praticamente pararam o pais. Três milhões e meio de pessoas nas ruas em centenas de manifestações e quase mil escolas secundárias encerradas pelos alunos, que sairam à luta temendo que no futuro lhes sobre ainda menos emprego se os mais velhos forem obrigados a trabalhar até mais tarde.
Em Itália, começaram por ser os metalúrgicos e mais tarde gigantes grupos de diversos operários – cerca de meio milhão – que sairam às ruas de Roma no dia 16 de Outubro. Mas ultimamente têm sido os estudantes e investigadores universitários, que em resposta aos planos do governo de deixar as universidades sem fundos, precarizando investigadores e abrindo as portas à rapina dos privados, se têm empenhado numa luta radicalizada com vista à derrota do projecto de Berlusconi e companhia. Entre ocupações de inúmeras escolas e faculdades, pontes ou até a Câmara Municipal de Turim, no final de Novembro dava-se uma verdadeira batalha nas ruas de Roma, inclusivamente com uma tentativa de invasão do Senado italiano.
Em Espanha a 29 de Setembro e em Portugal a 24 de Novembro, participadíssimas greves gerais com ambos os países paralisados. A 24 de Novembro, fazem-se em Madrid e Sevilha concentrações de solidariedade com a greve em Portugal.
Mais recentemente, o maior foco tem estado no Reino Unido com os universitários a ver o governo de coligação conservadores/liberais-democratas a acenar com a triplicação do valor máximo das propinas para mais de 10500 euros! No dia 24 de Novembro Londres vê uma massa de 130000 estudantes e professores nas suas ruas, dando-se inclusivamente a ocupação da sede do partido conservador. Pelo caminho, e com múltiplas faculdades ocupadas, dá-se a mega-manifestação de 9 de Dezembro, data em que o parlamento vota a favor do aumento abrindo-se uma crise no governo, enquanto lá fora os manifestantes enchiam as ruas de ruído e protesto, acabando os futuros reis em fuga no seu Rolls-Royce com os vidros partidos pela fúria dos estudantes.
A Europa vive o momento da verdade no qual se determinará o futuro de quem trabalha. Como se pode ver pela luta que grassa pelo continente, acabarmos a viver pior para satisfazer a ganância dos patrões e dos banqueiros não é inevitável, pois potencial de movimento não nos falta – é só preciso que este seja canalizado para vencer. Antes de mais, há que ir muito além do programa mínimo de quem dirige as centrais sindicais, como Carvalho da Silva ao dizer que a greve geral apenas “serve para castigar uma certa burguesia” ou como Toxo e Mendez (Espanha) para “recuperar o diálogo social”. Não, as greves e todos os demais instrumentos de luta de que dispomos servem acima de tudo para derrotar os ataques que nos querem fazer e não podemos desarmar enquanto isso não acontecer. Aprendamos uns com os outros as experiências que mais hipóteses de sucesso nos trazem, como por exemplo as greves recondutíveis em França: ao final do dia faz-se uma assembleia e vota-se a continuidade ou não da greve. Por último, se os planos da burguesia e governos europeus são coordenados e unificados, a nossa resposta também tem de o ser. A Confederação Europeia de Sindicatos convocou a tímida jornada de luta de 15 de Dezembro que inclui apenas protestos pouco divulgados em alguns países e uma greve geral na Grécia. No mesmo sentido sentido, mas muito mais além e na perspectiva de que podemos ganhar, há que quebrar o isolamento e estabelecer uma coordenação internacional com base num programa claro contra os governos de turno exigindo a retirada dos planos de austeridade. Já muitos em muitos sítios, dizem o bem alto o mesmo: façamos uma greve geral europeia!
LISTA DOS PRINCIPAIS CORTES POR PAÍS |
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Funcionários públicos |
Impostos |
Educação e apoios sociais |
Reformas e pensões |
Outros |
Portugal |
– Redução dos salários acima dos 1500 euros de 3.5% a 10% – Congelamento dos salários abaixo dos 1500 euros – Congelamento da progressão na carreira |
– Subida do IVA de 21% para 23% – Redução das deduções fiscais (IRS) com saúde, educação e habitação |
– Cortes no abono de família, no susídio de desemprego e rendimento social de inserção – Corte nas bolsas a universitários |
– Subida da idade da reforma dos funcionários públicos para os 65 anos |
– Privatização de empresas públicas e semi-públicas como Galp, EDP, CTT, TAP ou REN – Corte massivo nas verbas do Serviço Nacional de Saúde com redução da comparticipação de medicamentos e redução do orçamento dos hospitais |
Espanha |
– Redução média de salários na ordem dos 5% – Eliminação de 13000 postos de trabalho – Entrada das empresas de trabalho temporário no recrutamento de trabalhadores para funções públicas |
-Subida do IVA de 16% para 18% – Subida do imposto sobre o tabaco em 28% |
– Corte nos subsídios à habitação – Corte no abono de família – Corte no subsídio aos desempregados de longo termo |
– Congelamento das pensões em 2011 – Subida da idade de reforma dos 65 para os 67 anos – Redução do valor das reformas por invalidez |
– Reforma do código laboral com introdução do despedimento preventivo (se uma empresa alegar futuros problemas de rentabilidade) e redução drástica das indemnizações aos despedidos (de 45 dias de salário por cada ano de trabalho até um máximo total de 3 anos e meio de salário, para 20 dias por ano até um máximo de 1 ano total) |
Itália |
– Congelamento de salários durante os próximos 3 anos e redução de salários até 10% para os funcionários públicos melhor remunerados – Admissão de apenas 1 trabalhador para cada 5 que se reformem ou terminem os seus contratos |
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– Corte drástico no financiamento do estado às Universidades públicas – Congelamento da contratação definitiva de investigadores – Entrada de privados nos Conselhos de Administração das Universidades
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– Aumento da idade da reforma em 6 meses para os que a atingirem a partir de 2011 |
– Redução de 13 mil milhões de euros nas verbas para as autarquias e regiões – Redução dos gastos públicos com a saúde em mais de 400 milhões de euros |
Reino Unido |
• Cortes generalizados nos Ministérios prevêm que haja uma redução de 500 mil empregos públicos |
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– Redução de cerca de 20% da despesa do estado na educação – Triplicação do valor da propina máxima para £9000 (mais de 10500 de euros) – Tectos para os apoios sociais das famílias – Redução dos subsídios atribuidos às crianças e adolescentes pobres para transportes e alimentação |
– Subida da idade de reforma para os 66 anos em 2020 |
– Reforço do papel dos seguros privados no Sistema Nacional de Saúde |
Grécia |
– Corte de 5% a 20% nos salários dos funcionários públicos – Congelamanto de salários e pensões nos próximos 3 anos |
– Subida do IVA de 19% para 23% – Aumento dos impostos sobre os combustíveis, alcool e tabaco em 10%
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– Subida da idade média de reforma de reforma dos 61.4 para os 63.5 anos |
– Abolição do 13º mês de salário – Privatização dos caminhos-de-ferro, portos, correios e água |
Irlanda |
– Redução média dos salários na ordem dos 5% – Eliminação de 25000 postos de trabalho |
– Subida progressiva do IVA de 21% para 24% em 2014 – Aumento do preço dos combustíveis em 4 cêntimos por litro |
– Corte de 7% no abono de família |
– Redução das reformas dos pensionistas da função pública em 4% |
– Redução do salário mínimo em 12% (menos 1 euro por hora) |