O começo do fim para al-Assad

A revolução síria colocou o ditador Bashar al-Assad contra a parede. Os dias do sanguinário tirano de Damasco parecem estar contados e o seu regime sinistro chegando ao fim.

Assistimos a um novo momento da guerra civil síria desde que os combates irromperam nas milenárias cidades de Damasco e Alepo, capital e centro económico do país, respetivamente. A encarniçada luta também se centra em controlar postos fronteiriços.

Desde 20 de julho começou a ofensiva do exército leal ao ditador para recuperar Alepo. Defendem aquela cidade, testemunha das antigas cruzadas, uns 8.000 rebeldes do Exército Sírio Livre (ESL), que estão posicionados entre as ruínas dos edifícios destruídos pela artilharia e a força aérea de al-Assad. Revolução e contrarrevolução encontram-se frente a frente.

As tropas do exército regular, comandadas diretamente por Maher al-Assad, irmão mais novo de Bashar, desencadearam um enorme operativo com cerca de 20.000 soldados ao redor de Alepo. Desde a primeira hora da quarta-feira, 8 de agosto, começou a ofensiva por terra. No dia seguinte, o ESL confirmou que se tinha retirado taticamente do bairro de Saladino, o distrito mais povoado e importante da cidade. No entanto, a luta pelo controlo de toda a cidade continua, e os rebeldes asseguram que se dirigem para Seif al-Dawla e Machhad, dois bairros ao leste, para abrir uma nova frente.

Com a incursão em Alepo e os combates em Damasco – que chegaram até o centro da cidade –, o ESL tem uma estratégia clara: obrigar o regime de Al Assad a ocupar-se de duas frentes distantes no mapa. O objetivo é abrir e estender uma ampla frente que obrigue a al-Assad a dispersar e dividir as suas tropas para enfrentar os inumeráveis focos rebeldes. Desta forma, o ditador vê-se obrigado a deslocar forças militares para concentrá-las em zonas centrais. O preço é debilitá-las nas periferias.

Inclusive fazendo retroceder os rebeldes nas cidades importantes, outros focos de insurreição explodem aqui e acolá. Considerando que em cada combate o exército regular perde homens, tanques e aumentam as deserções em todos os níveis da cadeia de comando, até quando poderá al-Assad responder aos ataques numa frente militar tão extensa como dispersa?

Em menos de 20 dias em Alepo, os rebeldes do ESL asseguram ter conquistado 60% da cidade. Esbanjando heroísmo, têm resistido ao ataque dos blindados e inclusive apropriaram-se de uns 15 tanques e outras armas pesadas das tropas de al-Assad. Tomaram delegacias e a Escola de Infantaria do Exército, apoderando-se de uma grande quantidade de armamento e munições. Quase todas as noites os rebeldes atacam, com os tanques que capturaram do regime, o aeroporto militar de Mannagh, onde estão os helicópteros e os aviões do governo.

Conquistar Alepo tem uma importância estratégica, política e militar, para ambos os lados. Alepo é para a revolução síria o que foi Benghazi para a líbia. Os rebeldes, se tomarem a cidade, poderiam criar uma “zona livre” distante somente 50 quilómetros da fronteira com a Turquia, onde poderiam ser abastecido de material bélico, evacuar feridos e treinar tropas. Com Alepo em mãos rebeldes, o regime estaria praticamente liquidado.

De facto, atualmente existem províncias, como a de Deir el Zor ou Al-Rastan, que estão controladas pelo ESL. Em Homs, ainda, existe um “Comité Revolucionário” que organiza a resistência e tem algumas tarefas próprias do poder político. Em Alepo, os milicianos, além de repelir os ataques do regime, encarregam-se de organizar a recolha do lixo e administrar o pouco pão e o combustível que restaram entre os moradores que não fugiram da cidade.

Em junho de 2012, um relatório da missão de observadores da ONU estimava que 40% do território sírio estavam sob o controle da oposição armada. No entanto, estes pontos do país são em sua maioria zonas rurais desconexas territorialmente. Daí a importância de conquistar posições nos pontos nevrálgicos do país. Só entre Damasco e Alepo existem cerca de 8 milhões de habitantes, mais de um terço da população síria (21 milhões de habitantes).

A revolução se estendeu a quase todo o mapa da Síria. De forma simultânea dão-se mobilizações multitudinárias, e em Damasco ocorreram greves de comerciantes. Não tem muito eco a agitação do regime sobre a ameaça de um confronto entre setores religiosos. As palavras de ordem das manifestações das “Sextas-feiras” chamam à unidade: “Um, um, um, o povo sírio é um” ou “Uma revolução para todos os sírios”. A solidariedade na luta atravessa o país. Em várias cidades foram erguidas reproduções do relógio da Praça de Homs, em homenagem aos heroicos habitantes dessa cidade cercada há meses. Nas mobilizações, as pessoas cantam palavras de ordem de solidariedade com as cidades que estão sendo reprimidas.

É uma guerra tão desigual como heroica. É uma guerra de jovens com fuzis Kaláshnikov, metralhadoras e lança-foguetes, contra tanques, franco-atiradores, caças e helicópteros com equipamentos de artilharia. É uma guerra na qual a população protege as operações militares do ESL e se manifesta em massa nas ruas, onde até os funerais dos mártires transformam-se em espaços propícios para reuniões políticas contra a ditadura.

As forças do ESL aumentam todos os dias. Existem milicianos armados em dez das catorze províncias da Síria. No início de junho estimava-se o número de combatentes em 40.000. Muitos jovens alistam-se e fazem de tudo para conseguir os mil dólares que custa um fuzil Kaláshnikov, que os revolucionários obtêm via contrabando. É categórico que a moral e a convicção na justeza da causa estão com os insurretos e não com os soldados da ditadura. A revolução chegou a um ponto no qual pode desenvolver-se ao máximo: as massas trabalhadoras não temem morrer. Preferem a morte a continuar (sobre) vivendo na opressão à qual estão submetidos.

O barco está a afundar

Al-Assad está cada vez mais isolado. A sua base social e política está cambaleando. Não só setores da burguesia sunita começam a retirar-lhe apoio, pois a situação chegou a um ponto tal que até nas fileiras da burguesia pertencente à minoria alauita, um ramo do xiismo a que pertence o clã Assad, é possível percebe o cheiro de deserção. A crise económica, agudizada pelas sanções internacionais e a própria guerra civil, fazem com que amplos setores burgueses abandonem o regime.

Em 17 de julho, um atentado em nada menos que na sede do Escritório de Segurança Nacional matou quatro membros do alto comando da máxima cúpula militar do regime, entre eles o ministro da Defesa e o cunhado de al-Assad. A este golpe no coração do regime somou-se a recente deserção do primeiro-ministro sírio, Riad Farid Hijab, que saiu a dizer: “Anuncio a minha deserção do regime do terrorismo e uno-me às fileiras da liberdade e dignidade. Faço-o num momento crítico, quando o país se encontra no maior nível de crimes contra um povo que saiu às ruas para pedir uma vida digna. A partir de hoje faço parte da revolução” (agência EFE). Na Síria, advertiu Hijab, “está em curso um genocídio”.

Os rebeldes saudaram a renúncia do servidor público “com o maior cargo” e exibiram-na como uma prova a mais de que o “regime está a romper por dentro”. Anteriormente, o vice-ministro do Petróleo, Abdo Houssameddine, tinha fugido.

Horas antes do anúncio da deserção do primeiro-ministro, um novo ataque com bomba dos grupos rebeldes destruiu o edifício da televisão estatal, onde o ministro sírio de Informação, Omran al Zohbi, mal pôde salvar a vida.

No terreno militar não está melhor. No exército do tirano as deserções aumentam em quantidade e qualidade. O processo de deserções abarca desde oficiais de alto escalão até pilotos de combate e uma importante quantidade de soldados rasos. Já são 31 os generais que desertaram das desgastadas fileiras de al-Assad. O mais importante deles foi Manaf Tlass, um general sunita do primeiro escalão do regime, que no início de julho fugiu para a Turquia junto com outros 23 oficiais subalternos. O primeiro chefe militar do alto-comando a passar às fileiras dos rebeldes foi o coronel Riad el-Asad, que desertou há um ano para anunciar a formação do ESL na Turquia. Desde o atentado que descabeçou a alta cúpula encarregada da repressão, segundo o ESL, desertaram mais de 2.000 soldados.

Outras deserções importantes foram as dos embaixadores sírios no Iraque, Emirados Árabes Unidos, Chipre, Omã, Londres e Arménia. A estes somam-se quatro deputados, uma deles membro do novo parlamento que assumiu em maio.

Al-Assad aplica métodos de aniquilação nazi-fascistas

Al-Assad, conforme a situação é mais desesperada, aumenta a repressão sanguinária à luta armada do povo sírio. Pelo menos umas 21.000 pessoas morreram desde que começou a revolução, segundo informação, ao final de julho, do Observatório Sírio para os Direitos Humanos. No mês de julho, até agora, foi o mais mortífero, registando 2.752 vítimas.

Aos milhares de mortos somam-se, no mínimo, um milhão e meio de pessoas que tiveram de fugir de suas casas para deslocar-se a outros pontos do país e mais de 275.000 refugiados no Líbano, Turquia, Jordânia e Iraque, uma cifra que aumenta a cada dia em número de 700. Três milhões de sírios precisarão de ajuda alimentar por um ano, segundo a ONU.

A situação é dramática. Existe uma operação de repressão em massa. A título de exemplo: só na jornada de 18 de junho, ao menos 14 cidades situadas em nove províncias sofreram bombardeios do exército e quatro bairros de Damasco foram cercados e controlados. Nestes meses, além dos bombardeios, o regime perpetrou massacres atrozes contra o povo sírio, através de bandas fascistas chamadas de shabihas, compostas por criminosos pagos pelo governo.

Al-Assad, para esmagar a revolução, está a aplicar métodos de guerra civil contra o seu povo, isto é, métodos de destruição em massa da população civil, típicos do nazi-fascismo. O horroroso massacre generalizado a que assistimos é comparável com os sangrentos acontecimentos da guerra na Bósnia durante os anos 90 e, mais atrás, da cidade de Guernica, onde o franquismo, apoiado política e militarmente por Hitler, bombardeou a população civil durante a Guerra Civil espanhola.

As cartas do imperialismo

O imperialismo, que o sustentou enquanto pôde, agora quer tirar al-Assad do governo, antes que sejam as massas armadas a fazê-lo. As submissas burguesias árabes acompanham esta política.

A rutura do imperialismo com o seu fiel servidor al-Assad não tem nada que ver com humanitarismo ou com uma súbita preocupação pelas liberdades democráticas que são negadas ao povo sírio. Muito menos tem que ver com o fato de al-Assad ser um suposto líder anti-imperialista ou antisionista, como prega o castro-chavismo.

O imperialismo – norte-americano e europeu – quer derrubar al-Assad pela simples razão de que este já não satisfaz o principal interesse daqueles neste momento: derrotar o processo revolucionário sírio e de todo Médio Oriente. Uma vitória das massas na Síria fortaleceria enormemente todo o processo revolucionário na região. Não é casual que a revolução comece a manifestar-se no Líbano, onde setores da população que simpatizam com a revolução síria estão a enfrentar as forças do Hezbollah, que mantém um férreo apoio a al-Assad.

Sem condições políticas para impulsionar uma intervenção militar na Síria, o imperialismo está trabalhando por uma saída política negociada. Busca forçar uma transição sem al-Assad, mas mantendo o regime na sua essência.

Apelando fortemente ao desgaste económico e diplomático, o imperialismo orquestra uma saída tipo Iémene, que significa destronar al-Assad garantindo-lhe impunidade por seus crimes, para manter assim o essencial do regime. Terminada a farsa do “plano de paz” da ONU e Liga Árabe com a renúncia do seu principal propulsor, Kofi Annan, a partir do Grupo de Ação para Síria propõe agora a formação de um “governo de unidade nacional” entre os opositores e os membros do atual regime.

O CNS e a direção do ESL fazem coro ao imperialismo

Construída esta armadilha mortal para a revolução, o Conselho Nacional Sírio (CNS), principal instância de oposição, deu declarações sustentando que estariam dispostos a aceitar que “uma personalidade do regime” de al-Assad dirija o país durante um período de transição, depois de sua saída. “Estamos de acordo em que al-Assad abandone o poder e que o transfira a uma das personalidades do regime para que dirija o país durante um período de transição como o que ocorreu no Iémene” (El País, 24/7/2012). O porta-voz do CNS, Georges Sabra, declarou: “Aceitamos esta iniciativa porque agora a prioridade é conseguir que cessem os massacres e proteger os civis sírios, não o julgamento de al-Assad”. Acrescentou que: “A Síria tem patriotas inclusive no seio do regime e que alguns oficiais do Exército sírio podem desempenhar esse papel [de uma transição]”.

Diante deste anúncio, a evidenciar as divisões da oposição, o comando do ESL que atua sobre a região recusou prontamente qualquer “governo formado não se sabe onde e carente de legitimidade nacional e revolucionária até que conte com o apoio do comando do ELS”. O esquema de transição do ESL, segundo um comunicado, é criar um “conselho superior de defesa” integrado pelos chefes militares que lutem no terreno e os oficiais mais destacados que desertaram do exército regular. Um governo somente de militares. Este conselho, por sua vez, elegerá um “conselho presidencial” do qual farão parte seis personalidades políticas e militares, “que dirigirá o país durante o período de transição”. A prioridade desta instância estará centrada na “reestruturação dos organismos militares e de segurança”.

Dentro do próprio ESL, o coronel Riad Asad, um de seus fundadores, marcou também suas diferenças com os militares do interior. Acusou-os de quererem aproveitar-se “da revolução e do sangue dos mártires” para usurpar o poder depois da queda do regime de al-Assad. “Estão ressuscitando o regime de al-Assad que estamos a derrubar, porque querem monopolizar o poder de decisão”, denunciou num discurso, sempre segundo o El País.

Esta polémica mostra a índole das direções, política e militar, da revolução. Os do CNS tentando pactuar com o imperialismo e até com o regime sírio, e os do ESL propondo um governo militar cuja primeira tarefa será tentar desmantelar as milícias populares.

É inaceitável para os objetivos da revolução a ideia de formar governo com os assassinos do povo sírio. Alertamos que estas declarações do CNS e da cúpula do ESL representam uma traição à luta popular na Síria. Estas direções demonstram assim o seu caráter traidor e a sua profunda inconsequência em relação à vitória da revolução.

Nós afirmamos que o povo sírio não deve nem pode confiar nestas direções burguesas e pró-imperialistas, que por seu próprio caráter de classe acabarão traindo de forma inevitável todas as legítimas aspirações populares, não só as económicas senão as mais básicas liberdades democráticas.

O único destino político que merecem al-Assad e os seus seguidores é o de Kadafi. O único governo que pode solucionar os problemas de fundo do povo sírio, começando por garantir as liberdades democráticas, é um governo operário e popular apoiado nas milícias armadas.

Neste sentido, é fundamental expandir e fortalecer os chamados Comitês de Coordenação Locais, pois são estes comités que decidem e organizam as lutas na região, convocando as mobilizações, e concedem cobertura e apoio efetivo ao ESL nas cidades e nos bairros. Como dissemos antes, em várias cidades são estes os que controlam a administração dos serviços.

Sem romper a necessária unidade de ação entre todos os setores do campo militar rebelde, parece-nos fundamental que esses comités locais e as milícias populares apresentem-se como uma alternativa de direção independente para toda a luta contra o regime.

Pela vitória da revolução síria!

A Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) reitera o seu firme apoio à revolução síria. Nossa palavra de ordem central é: FORA al-Assad, NÃO à intervenção imperialista!

Estamos pela queda de al-Assad pelas mãos das mobilizações populares e pela luta armada das massas. Esta é a primeira tarefa fundamental da revolução. Neste sentido, mantendo a independência da classe trabalhadora, estamos pela mais ampla unidade de ação militar com todos os setores que estão a lutar de forma concreta contra a ditadura síria, inclusive com os burgueses e pró-imperialistas do CNS e o comando do ESL, para conquistar a queda de al-Assad e a liquidação de seu regime contrarrevolucionário.

É nesse processo de luta ampla e unitária contra o regime, localizando-nos dentro do campo militar rebelde, que devemos combater essas direções traidoras e construir a indispensável direção revolucionária e internacionalista que o processo precisa para avançar.

Parece-nos urgente unificar todas as mobilizações e ações armadas que se dão em todo o país, até conquistar a queda do regime. Deve-se aprofundar a divisão do exército de al-Assad e continuar a formação de milícias armadas, auto-organizadas a partir dos conselhos populares democráticos.

Neste sentido, estimulamos e apoiamos plenamente que as massas façam justiça e apliquem a violência revolucionária contra os membros do regime e os shabihas, assassinos de aluguer que têm como tarefa assassinar a população civil.

É fundamental impulsionar, além disso, amplas campanhas internacionais e lutas unitárias de apoio à revolução síria, por menor que sejam, exigindo a rutura imediata de todos os governos com o assassino al-Assad.

Estas campanhas são feitas e se farão contra a orientação das direções castro-chavistas, que até agora carregam a vergonha de estar a apoiar um governo genocida e pró-imperialista.

Também devemos exigir urgentemente o envio de armas e voluntários para lutar no campo militar rebelde. Devemos fazer esta exigência de apoio militar concreto a todos os governos, especialmente aos daqueles países onde existem processos revolucionários em curso, como Egito e Líbia.

Uma vitória da revolução síria será a vitória de todos os explorados do mundo. Será uma vitória contra um regime sanguinário e servil ao imperialismo. Demonstrará, como o faz todo mundo árabe, que há revoluções e é possível vencer.

Texto de Ronald León Núñez

Tradução de Rosangela Botelho

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