Pela anulação do memorando e suspensão imediata do pagamento da dívida!
A situação política na Grécia concentrou durante semanas a atenção do mundo. O resultado das eleições parlamentares, fundamentais para definir o governo, tirou o sono de todas as potências imperialistas, em especial às forças conservadoras e reacionárias da Europa do capital.
No meio de uma situação política polarizada e com a economia do país destroçada pela ação dos governos que aplicaram os planos da sinistra troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), o povo grego foi às urnas.
O resultado das eleições deu um apertadíssimo triunfo à direita conservadora e pró-troika e União Europeia, representada, sobretudo, pela Nova Democracia (ND). Este partido obteve 29,7% dos votos, com os quais garantiu 129 cadeiras no Parlamento, em função de uma disposição absolutamente antidemocrática que outorga um bónus de 50 assentos ao partido mais votado. Sem essa vantagem, a ND não teria conseguido formar governo.
A Syriza, uma frente ampla de organizações reformistas, obteve o segundo lugar com 26,9% dos votos e 71 assentos no Parlamento. O PASOK, o outro partido tradicional e submisso à troika, conseguiu 12,3% e 33 assentos parlamentares.
A coligação Gregos Independentes ficou com 7,5% (20 assentos); os fascistas da Aurora Dourada conquistaram 6,9% (18 assentos); a Esquerda Democrática obteve 6,2% (17 assentos) e o Partido Comunista (KKE) terminou com um pobre 4,5% que lhe valeu 12 cadeiras no Parlamento (após ter conseguido 8,4% nas eleições de maio).
Um governo débil e ilegítimo
Rapidamente, cumprindo com presteza o exigido pela troika, o conservador Antonis Samaras, da ND, formou um novo governo na Grécia que estará apoiado no Parlamento pelos socialistas do PASOK e a Esquerda Democrática. O Executivo inclui membros da ND e tecnocratas, entre os quais se destaca como ministro de Finanças, Vassilis Rapanos, diretor do principal banco da Grécia [entretanto renunciou alegando motivos de saúde].
A realidade é que o governo de direita que surge das eleições de 17 de junho na Grécia é um governo imposto pelo imperialismo, especificamente o alemão e francês, contra a vontade da maioria da população grega.
Todo o processo eleitoral esteve marcado pela chantagem e a pressão dos imperialismos europeus, uma verdadeira campanha de terror para que os partidos que defendiam a continuidade da pilhagem e do massacre ao povo trabalhador ganhassem as eleições.
O cúmulo do ataque à soberania do país foi a matéria de capa do Financial Times, em sua edição alemã, que chamava a votar na ND como a última oportunidade do país para continuar na zona euro.
A imprensa grega fez repercutir as declarações dos dirigentes do governo alemão e da UE, as quais davam ao povo grego somente duas opções: ou o Memorando ou a hiperinflação. Ainda assim, o resultado das eleições deixou em minoria aos partidos que defendem a aplicação do Memorando. Seis em cada dez eleitores votaram pelos partidos do NÃO ao Memorando e cerca de 40% dos eleitores deixaram de votar, num país onde o voto é obrigatório.
Mas a fraude de um regime incapaz de expressar a vontade da maioria da população também fica clara na formação do governo quando este incorpora a Esquerda Democrática, partido que fez campanha contra a aplicação do Memorando e entra num governo cuja tarefa é impor o Memorando e mais sacrifícios à população.
Este governo é um governo débil. Não obteve uma maioria parlamentar por conta própria e deve equilibrar-se numa situação política na qual continuam as lutas de resistência contra o saque, protagonizadas pelo povo grego. Todos os partidos defensores da guerra social contra a Grécia tiveram pouco mais de 40%. O povo, em sua maioria, rechaçou estes partidos e a sua política de fome e de saque do país. E é nestas condições que o governo de Samaras deverá fazer os cortes e ajustes, sem concessões, exigidos por Angela Merkel e a troika.
O governo da ND, do PASOK e da Esquerda Democrática é um governo ilegítimo, foi imposto pela troika e não tem o apoio da maioria da população. Os trabalhadores gregos não podem dar nenhum dia de trégua a este governo, devem tomar as ruas e preparar a resistência, construir as suas organizações nos locais de trabalho, preparar a luta contra as leis que agora o Parlamento grego deverá votar para concretizar as medidas impostas pelo Memorando de resgate aos bancos.
Os limites da Syriza
Infelizmente, o principal dirigente da Syriza, Alex Tsipras, caminha no sentido oposto. Propõe uma política de “paz social” com um governo que declara guerra aos trabalhadores. Numa entrevista no dia seguinte às eleições, questionado sobre a estratégia pós-eleitoral do seu partido, Tsipras respondeu que “a Syriza não chamaria os seus partidários a saírem às ruas para protestar contra as medidas de austeridade (…). Solidariedade e resistência são importantes, mas agora a solidariedade é o mais importante”, afirmou. Continuou dizendo que “nosso papel é estar dentro e fora do parlamento, aplaudindo qualquer coisa positiva e condenando todo o negativo e propondo alternativas”(1).
O que significa dizer que a “solidariedade” é mais importante que a resistência? O próprio dirigente da Syriza explica quando afirma que se concentrará em lutar para “criar um escudo de proteção para os que estão marginalizados”. Isto é, em vez de resistir às medidas impostas pela UE através de sua luta, os trabalhadores deveriam se contentar em lutar por medidas de “solidariedade” que compensem a destruição do país e sua miséria. Em vez de resistir deveríamos criar um “escudo de proteção”, ou seja, esmolas e resignação pela destruição do país.
Mas, além disso, a Syriza está a jogar no lixo os votos que recebeu dos trabalhadores que disseram “NÃO” ao Memorando quando diz que vai “aplaudir” as medidas positivas do governo. Não haverá nenhuma medida positiva de um governo imposto aos trabalhadores pela troika, que tem como única função aplicar as medidas exigidas pelo imperialismo.
A única forma de resgatar os trabalhadores e não os bancos e o capital financeiro é estabelecer uma oposição frontal a esse governo, denunciá-lo desde o primeiro dia, apoiando-se na grande votação dada pelos trabalhadores e na resistência nas ruas, nos bairros e nos locais de trabalho.
Apoiar qualquer medida deste governo e criticar o que está errado é uma fórmula de apoio envergonhado ao governo que enganará aos trabalhadores, dizendo que renegociará o Memorando, quando na verdade trata-se é de ganhar tempo para continuar com o plano de privatizações, demissões e corte no orçamento.
Estão dadas todas as condições para derrotar a aplicação dos planos imperialistas. Falta legitimidade ao governo para impor os planos, e a crise do regime político pode ser mantida se os trabalhadores continuarem com sua resistência e mobilização.
Mas parece que a Syriza quer percorrer o caminho oposto, o de ajudar a recompor um regime em crise e sem nenhuma oportunidade para aplicar as medidas impostas pelo imperialismo ao povo grego.
Do NÃO ao Memorando à negociação
Antes das eleições defendemos a conformação de uma frente de esquerda em torno da Syriza que tivesse como centro o “NÃO” ao Memorando e que esta frente fizesse um chamado à mobilização e à solidariedade dos trabalhadores da Europa para enfrentar à burguesia grega e europeia.
Mas alertávamos: a esquerda grega está diante de uma encruzilhada: a expulsão da Grécia do Euro, se a Syriza não cede ao Memorando ou o faz insuficientemente para as exigências alemãs; ou ceder “para não serem expulsos do euro” e manter por mais tempo a agonia do povo grego. Aceitar a segunda opção é apostar na condenação à miséria do povo grego, seria o suicídio político da Syriza e permitiria um claro fortalecimento da referência fascista em cujas mãos ficaria a bandeira da rutura com a UE e o Euro.
No entanto, a velocidade dos acontecimentos e a política do imperialismo colocaram a Syriza diante de uma encruzilhada, inclusive, antes da possibilidade de ganhar as eleições. A contradição entre a suspensão imediata do Memorando e as insistentes declarações dos dirigentes da Syriza de que lutariam para permanecer no euro a todo custo negociando com o imperialismo, quando este afirmava que não teria negociação, antecipou a necessidade de que a Syriza desenvolvesse o seu programa dando uma alternativa à possível saída da Grécia do Euro.
Os cinco pontos apresentados para a campanha eleitoral não responderam ao tema fundamental que polarizou as eleições: o que fazer diante uma possível saída do Euro.
Durante a campanha eleitoral todas as vozes imperialistas, de Merkel a Obama, consideravam inaceitável o primeiro ponto do programa: 1) Anulação do Memorando e de todas as medidas de austeridade e das contrarreformas e das leis trabalhistas que estão destruindo o país. E afirmaram: ou o Memorando ou a expulsão do Euro.
Paralelamente à ameaça de expulsão, a campanha mediática da burguesia imperialista e grega afirmava que à Grécia fora do Euro seria imposto o “corralito”, ou seja, a retenção de todos os depósitos bancários, teria hiperinflação e não teria recursos do Estado para pagar aos funcionários públicos sem as quotas do “resgate”.
Frente à ameaça de expulsão da zona euro, os dirigentes da Syriza respondiam que eles eram os mais ardentes defensores da permanência da Grécia no Euro.
O responsável pela política europeia da Syriza, Yannis Bournus, ao responder a um jornalista sobre se o seu partido defendia a saída da Grécia do Euro disse: “Isso faz parte de uma campanha de difamação, sem precedentes, da qual a Syriza tem sido alvo há algum tempo (…). Tanto nosso programa como as intervenções públicas de nossos dirigentes afirmam claramente que não é o objetivo político da Syriza levar a Grécia para fora da zona euro”.
A seguir, Bournus afirma que a saída de Grécia da zona euro séria “um desastre não só para o povo grego, senão, também, um desastre para os credores estrangeiros”. Ou seja, que a Syriza não pretende deixar de pagar a dívida, limita-se a discutir o que considera a parte ilegítima da dívida.
Diante das ameaças de expulsão do Euro, a Syriza não respondeu que a chantagem da hiperinflação poderia ser resolvida se os bancos fossem expropriados, as multinacionais nacionalizadas e o governo decretasse o controle da moeda e do comércio exterior. Que se a negativa a cumprir o Memorando que impõe o caos na vida da classe trabalhadora acabasse com a expulsão do euro, seriam os burgueses e as suas propriedades e o seu lucro os que seriam atacados pelo novo governo.
A saída do Euro significa um desastre para o povo grego, e o imperialismo alemão afirmou com todas as letras que o não cumprimento do Memorando significaria a saída do Euro. Uma parte dos potenciais eleitores da Syriza concluiu que era melhor votar na ND, que passou a defender a revisão do Memorando e a permanência no Euro.
A velocidade dos acontecimentos em situações revolucionárias como a da Grécia transforma meses em dias. A Syriza tinha duas opções claras caso ganhasse as eleições: manter a anulação unilateral do Memorando ou negociar as medidas para ficar no Euro. O imperialismo antecipou o debate e exigiu uma resposta categórica. A Syriza não levou até as últimas consequências a rutura unilateral do Memorando, pois isso implicaria modificar o seu programa e apoiar a mobilização dos trabalhadores tomando medidas contra o capital financeiro, o que significaria afirmar que o caos é o desemprego, a falta de saúde pública e a miséria que se abate sobre o povo, e quem pagaria o preço da saída do Euro seriam os capitalistas e não os trabalhadores.
E para isso o programa de emergência apresentado nas eleições ficou abaixo da polarização política gerada pela pressão do imperialismo. Era necessário reafirmar a suspensão imediata do pagamento da dívida; a expropriação dos bancos sem nenhuma indemnização; a expropriação das empresas estratégicas; e a redução da jornada de trabalho garantindo emprego para todos os trabalhadores desempregados e decretar o monopólio do comércio exterior.
O problema central da Syriza, além do seu programa reformista, foi ter apostado por uma via meramente eleitoral e não ter chamado à mobilização das massas para derrotar o imperialismo e os setores conservadores gregos. Por ser uma direção reformista, para eles o centro de tudo são as eleições, que é um terreno controlado pelo capital. A burguesia lançou uma intensa campanha de terror contra o voto na Syriza e apoiou-se nos setores mais atrasados para ganhar as eleições. A Syriza continua a apostar na via eleitoral e nas instituições burguesas, a jogar as suas cartas no desgaste do novo governo, à espera de novas eleições.
O combate ao fascismo
Na semana passada, pescadores egípcios residentes na região do Pireo foram surpreendidos enquanto dormiam: uma bomba de gás foi lançada no seu alojamento, e homens armados com porretes os atacaram, sendo vários deles hospitalizados. O representante da comunidade afegã denunciou que no último ano, 21 trabalhadores foram assassinados e 42 sofreram ferimentos graves.
Essas ações apoiadas e defendidas pela Aurora Dourada, que deixou de ser uma caricatura e passou a ter 6,9% nas eleições e se converteram na primeira organização fascista com peso de massas após a Segunda Guerra Mundial, é um dos fatos políticos mais importantes dessas eleições.
Esse grupo de bandidos usa métodos de guerra civil contra uma parte do proletariado grego, os imigrantes, e os responsabiliza pela taxa de desemprego de 23% e mantém uma atitude covarde diante da burguesia grega, que é cúmplice do imperialismo na aplicação dos planos de fome.
Mas uma parte do seu discurso, que defendia a rutura com o Euro e a UE, acabou, por culpa da imprensa que tentou desqualificá-lo, por dar mais visibilidade política a esses assassinos e ganhou espaço entre a população trabalhadora, desesperada diante da crise, e na ausência de uma resposta internacionalista de rutura com a UE, que expropriasse empresas e bancos imperialistas e apelasse a solidariedade dos trabalhadores da Europa.
É necessário, e fundamental, a constituição de organismos de autodefesa dos imigrantes, apoiados pelas organizações de esquerda e pelos sindicatos. É necessário construir as formas de combater esta organização que, se não for combatida, amanhã atentará contra a maioria dos trabalhadores e as suas organizações.
Uma resposta anticapitalista e internacionalista
A resposta da maioria da esquerda europeia ao problema da rutura com a UE e com o Euro foi que não podemos nos confundir com o discurso nacionalista. No caso da Grécia, ser internacionalista seria aceitar a tutela do país pelo imperialismo alemão e francês que controla a maioria das instituições da UE. Confundem os trabalhadores, pois o internacionalismo que necessitam não se confunde com a UE e as suas instituições.
A UE e o Euro não representam nenhuma unidade para os povos europeus, são uma máquina de guerra ao serviço de salvar o coração da indústria e das finanças europeias – França e Alemanha – sobre a base de afogar na miséria os países da periferia europeia. A União Europeia é da Europa dos banqueiros, dos capitalistas e dos ricos.
Qualquer medida que atente contra os interesses reais da burguesia grega, atentará contra os interesses do capital imperialista que domina a economia grega. A presença da Grécia no Euro interessa somente à burguesia grega e aos seus negócios. O preço que a maioria do povo grego terá de pagar para que sua burguesia se mantenha como sócia menor e subordinada ao grande capital europeu será o aprofundamento da miséria.
Nenhum dos problemas fundamentais do povo grego foi resolvido nestas eleições. A tendência da situação é o aprofundamento da crise na Grécia, ao calor da crise capitalista na Europa. No cenário atual, a troika afirma que será necessário um terceiro resgate em 2014 de 50 mil milhões de euros. As projeções do próprio imperialismo é que se o Memorando for cumprido a risca, ampliando as privatizações, aumentando à escala brutal a exploração dos trabalhadores para que as empresas paguem aos bancos e o Estado aumente a arrecadação fiscal demitindo cerca 150 mil servidores públicos e aumentando os impostos, após tudo isso, mesmo assim, a dívida chegaria a 178% do PIB ao final de 2015.
Neste contexto, a política imperialista é espoliar completamente o país que está submerso numa depressão económica profunda, privatizar, demitir e explorar. E mesmo assim, após todo esse massacre, dependerá do desenvolvimento da crise no conjunto da Europa e da resistência do proletariado grego a esse plano genocida.
Diante disso, não há futuro algum para o povo trabalhador dentro do Euro. A rutura com o euro está colocada ante a necessidade de atacar a propriedade privada do imperialismo e da burguesia grega, única interessada em se manter no euro para servir de lacaio do imperialismo europeu na região.
Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)
(1) Agência Reuters, Athenas News, 18.06.2012
Tradução: Rosangela Botelho