Grécia: uma maioria fraca para um governo pró-austeridade frágil

Os resultados eleitorais deram uma vitória de Pirro à direitista Nova Democracia, mas confirmaram o fim do rotativismo ao centro e a subida exponencial da esquerda agrupada no SYRIZA. Que vitória é esta?

Embora tenha ficado em primeiro lugar, com aumento razoável de percentagem e votos face ao acontecido no passado dia 6 de maio, a Nova Democracia só pode formar governo à custa do bónus antidemocrático de 50 deputados e continua a perder força face às eleições de 2009 ou 2007 (tem agora 29,6% contra 33, 4% em 2009 e 41, 8% em 2007). Os seus ganhos atuais resultaram do desgaste eleitoral da extrema-direita do LAOS e da direita nacionalista dos Independentes Gregos, permitindo-lhe assim uma magríssima vantagem de 2,6% diante da SYRIZA.

Além disso, mesmo mais importante do que isso, o voto conjunto da Nova Democracia e dos seus parceiros liberais do PASOK no pluridecenal rotativismo ao centro reiterou a derrocada ocorrida semanas atrás, pois talvez convenha recordar para quem tem memória curta não só que o “centrão” obteve agora 41,8% contra 77,4% em 2009 e 79, 9% em 2007, mas também que os mal chamados socialistas do PASOK estão reduzidos a menos de 1/3 da sua força eleitoral habitual e continuam a descer.

Depois de dois anos de agressão continuada da “troika” e dos partidos que voltam agora a governar com uma imagem extremamente desgastada, o povo grego prosseguiu a penalização de todos quanto aprovam os “memorandos” e a maioria votou contra os mesmos. O governo vai ser fraco e não conta com o país, mesmo que Samaras consiga formar um gabinete de salvação nacional com os progressistas do DIMAR e com os direitistas supostamente antitroika dos Gregos Independentes.

A SYRIZA ganhou

Pode ter perdido a aposta de ganhar o poder governativo já e ter ficado atrás da Nova Democracia, mas é, na verdade, o grande vencedor das eleições. Nunca um partido visto pela larga maioria da população como sendo de extrema esquerda e por fora da área dos partidos comunistas tradicionais conseguira estar no centro das soluções de poder e alcançar o segundo lugar a curtíssima distância da força vencedora em eleições legislativas na Europa.

Ao invés da Nova Democracia e do PASOK, que estão numa dinâmica decrescente, o SYRIZA tem subido constantemente: teve 4,5% em 2009, 16,7% em Maio passado e agora tem 26,9%. No maior círculo eleitoral do país, em Atenas, que tem mais de um milhão e quatrocentos mil eleitores e concentra o eleitorado operário-popular, a SYRIZA ficou em primeiro lugar com 31,4%. Ao invés dos carrascos gregos da “troika”, a SYRIZA não se situa em nenhum processo de desgaste, continua a levantar enormes esperanças entre os trabalhadores e os desfavorecidos com as promessas de acabar o “memorando”, suspender e auditorar a dívida e nacionalizar a banca, e fez uma campanha eleitoral que teve dezenas de milhares de pessoas no comício de encerramento.

Ademais dos partidos do “centrão”, quem perdeu foi o Partido Comunista Grego (KKE), que se fechou a qualquer acordo com a SYRIZA e até chegou ao extremo sectarismo de atacar mais este partido do que a direita e o PASOK. Em 2009, teve 7,5%, em Maio passado alcançou 8,4% e agora ficou reduzido a metade (4,5%). Perdeu inclusive para a SYRIZA o círculo de Samos, única região em que tinha obtido o primeiro lugar nas anteriores eleições de Maio.

E agora?

Seja qual for o governo que Samaras vai formar e pouco importando qual o tipo de renegociação a que a “troika” se pode predispor para alongar os prazos e aligeirar as medidas dos seus planos de austeridade, estamos diante de um poder fraco. Basta consultar o memorando e ver que o governo tem de cortar 11 mil milhões de euros ainda este ano. Basta saber que o prosseguimento do fim dos acordos coletivos de trabalho vai permitir novas reduções salariais para centenas de milhares de trabalhadores do sector privado. Basta ver que o desemprego não para de aumentar.

A Samaras pode bem vir a acontecer o que aconteceu ao governo argentino de De La Rua em Dezembro de 2001 (por sinal este até era visto por muitos comentadores como sendo de centro-esquerda), que ganhou as eleições mesmo depois de ter sido o agente de planos de austeridade para pagar a dívida e uma semana após a vitória foi expulso pelas ruas em revolta. Talvez não seja daqui a uma semana. Talvez passem meses. Mas uma coisa é certa: este governo é frágil, não vai estabilizar nada e muito provavelmente não vai cumprir o mandato de quatro anos.

Tudo depende da dinâmica de resistência nas empresas, nos serviços estatais, nas escolas e nas ruas. A expressão eleitoral do desgaste acelerado de Samaras e parceiros irá parar certamente ao reforço da SYRIZA. Infelizmente, poderá até ser parcelarmente desviado para os neonazis da Aurora Dourada, cujos resultados permaneceram praticamente iguais. Mas felizmente também pode haver fenómenos extra-eleitorais de ocupações e greves massivas, novas dinâmicas basistas dos Indignados e crise revolucionária rumo à tomada do poder pelos “de baixo” que recusem todas as chantagens da dívida e da moeda única.

João Lopes

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