Um grande ato internacionalista em meio a um congresso, o da CSP-Conlutas, que reúne alguns dos setores mais combativos da classe trabalhadora e dos movimentos sociais do Brasil. O ato de comemoração dos 30 anos da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) não poderia ter ocasião mais propícia. Realizado na noite de 28 de abril no auditório principal da Estância Árvore da Vida, em Sumaré, no estado de São Paulo, o ato empolgou o público, algo como 1200 pessoas que ouviram, durante mais de duas horas, as intervenções de antigos e novos militantes dessa corrente trotskista fundada pelo dirigente argentino Nahuel Moreno em 1982 e que está presente hoje em 23 países.
A mesa foi composta pelos dirigentes do PSTU brasileiro Dirceu Travesso, Vanessa Portugal e Ana Luiza. Estiveram presentes compondo simbolicamente a mesa representantes das secções da LIT e partidos simpatizantes da Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Uruguai, Paraguai, EUA, Inglaterra, Bélgica, Itália, Espanha, além do Haiti.
Sem a LIT, não haveria PSTU
O dirigente do PSTU brasileiro Eduardo Almeida expôs os desafios e dificuldades apresentados aos revolucionários pelo governo da presidente Dilma Roussef. “Vejos muitos companheiros impressionados com a popularidade do governo Dilma. Mas na época da ditadura, em 1976, por exemplo, a ditadura parecia invencível. Há dois anos, o povo egípcio não imaginava que derrubaria um governo”, afirmou.
Eduardo citou ainda as dificuldades da década de 90 para o conjunto da esquerda, em especial a socialista. “Naquela época, pensar em revolução era algo muito incomum”, disse, salientando porém que “hoje, as revoluções no Norte da África e as mobilizações na Europa mostram que a situação é distinta, tudo o que era sólido agora se desmancha no ar”. O dirigente brasileiro arrancou aplausos ao dizer que “somos hoje uma minoria, mas o futuro nos pertence”.
Eduardo destacou uma diferença fundamental que a LIT cultivou nesses anos: a moral proletária em oposição à moral do vale-tudo que atingiu a quase totalidade das organizações revolucionárias. “Nós temos uma moral baseada na solidariedade dos piquetes, na fraternidade dos lutadores”. Ressaltando a importância da organização internacional, o dirigente brasileiro destacou que “sem a LIT não existiria o PSTU”.
Opressão e internacionalismo
O combate às opressões e o seu lugar na luta do socialismo foi lembrado na intervenção de Vera Lúcia, mulher, negra e operária, dirigente do PSTU em Aracaju (capital do estado de Sergipe). “Tenho orgulho do PSTU estar na linha de frente na luta contra a opressão às mulheres, negras e negro, aos homossexuais”, disse.
Vera desmistificou ainda o papel do governo Dilma nessa questão: “Dilma, que é uma mulher que foi perseguida, presa, torturada, não governa para as mulheres trabalhadoras”. A dirigente atacou governos como o de Cuba que, longe de serem socialistas, são ditaduras que oprimem setores como os homossexuais. “Na sociedade que queremos, as mulheres, negras, brancas, homossexuais, heterossexuais, terão as mesmas condições de viverem intensamente as suas diferenças.”
O dirigente ítalo-senegalês, Moustapha Wagne, do Partido da Alternativa Comunista, da Itália, fez uma fala emocionante, professando a sua fé na luta e no futuro socialista da humanidade. “É a luta que vai ganhar, o futuro vai vencer, não só no Brasil, mas na Europa, na África, na Ásia, em todo o mundo”, disse, arrancando aplausos.
Já Didier Dominique, dirigente do Batay Ouvriye, relatou a sua impressão com o internacionalismo militante da LIT. “Não me esqueço quando a delegação da CSP-Conlutas esteve no Haiti pela primeira vez, e o companheiro Toninho, diante do povo, disse que se fosse necessário queimar uma bandeira brasileira na luta contra a ocupação militar, a Conlutas não hesitaria em fazer isso”. Didier relatou que isso de fato aconteceu num protesto contra a ocupação, quando uma bandeira dos EUA e do Brasil foram incendiadas. “Quando Toninho disse aquilo, eu soube que a LIT estava connosco”.
Otimismo
A intervenção do dirigente do PSTU brasileiro Valério Arcary fez os presentes irem dos risos às lágrimas em poucos minutos. “Sempre me perguntam: por que vocês são tão otimistas? O que vocês tomam no café da manhã?” Valério reconheceu que o conjunto da esquerda vive hoje uma fase “triste, melancólica”. “Esse otimismo vem de nossa visão de mundo, pois sabemos que as bases que sustentam o capitalismo são minúsculas. Têm razão aqueles que se levantaram nos EUA e que dizem: eles são apenas 1%, não podem connosco”.
Para ele, esse otimismo revolucionário, “preocupado” segundo qualificou, origina-se também na confiança na força da classe trabalhadora. “Nós confiamos na classe operária, mesmo quando ela não confia nela mesma”, disse. “Não esquecemos a greve dos petroleiros de 1995, quando em poucas semanas de greve a burguesia estava de joelhos, e eram apenas 50 mil; quando a classe operária cruza os braços, nada funciona!”
Criado e provado na luta
O encerramento do ato ficou por conta do dirigente histórico da corrente liderada por Nahuel Moreno, Eduardo Barragán, um dos fundadores da LIT. Barragán destacou como marco da criação da LIT a Revolução Sandinista, ocorrida dois anos antes na Nicarágua. Nahuel Moreno, então dirigente da Fração Bolchevique [fração da IV Internacional], ao observar que a luta contra a ditadura de Anastasio Somoza passava pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), apelou à mais ampla unidade de ação, organizando a Brigada Simón Bolivar para lutar ao lado dos sandinistas.
“Em nossas sedes, milhares de voluntários apareceram”, relembrou. “E nesse momento todas as organizações guerrilheiras, o estalinismo, estavam contra a revolução na Nicarágua”, referiu. O compromisso internacionalista da corrente que originou a LIT foi provada com sangue: cinco mortos e inúmeros feridos. Mas a insistência da Brigada em, após a queda de Somoza, organizar os trabalhadores em sindicatos independentes não agradou o governo sandinista, que mandou prender os seus integrantes, que ainda foram torturados e expulsos da Nicarágua.
Esses fatos provocaram um novo realinhamento das correntes trotsquistas. Algumas delas ficaram incondicionalmente ao lado do governo nicaraguense e apoiaram a prisão e expulsão da Brigada. “Houve um profundo problema moral quando partidos trotsquistas colocaram-se ao lado do governo burguês. Moreno, então, concluiu a sua experiência com essas correntes e dois anos depois fundava a LIT.” Quatro anos após a sua fundação, a LIT tornou-se uma das maiores correntes trotsquistas do mundo, e o partido argentino, o MAS, a maior organização trotsquista.
Mas a crise que devastou a esquerda na década de 1990 – prosseguiu Barragán – atingiu também as fileiras da LIT. Mas na superação dessa crise e na batalha pela reconstrução da IV Internacional, a LIT nunca abandonou a essência do programa trostquista: a tomada do poder. Isso num momento em que a grande maioria das correntes que se reivindicam trostsquistas abandonaram qualquer perspetiva da luta pelo poder, muitas vezes passando de armas e bagagens para o campo eleitoral burguês.
Barragán finalizou o seu discurso a afirmar a atualidade do programa trotsquista e os desafios colocados à LIT, num momento em que o mundo ainda assiste os efeitos da maior crise capitalista após 1929, mas também as revoluções árabes e a luta na Europa. “Temos dois grandes desafios: fortalecer o nosso trabalho na Europa e a nossa implantação no Oriente Médio e Norte da África”.
Diego Cruz – PSTU