O ano de 2012 inicia-se sob o efeito das ondas de choque da crise das dívidas soberanas com que terminou 2011, e traça, para os povos de toda a Europa (inclusive dos países imperialistas mais fortes, como a Alemanha e a França) um cenário de austeridade e empobrecimento crescentes. Entretanto, os grandes da UE reúnem-se, cimeira após cimeira…Para quê?
A resposta da União Europeia (UE) à crise da dívida põe cada vez mais a nu o seu verdadeiro carácter. Após cada cimeira decide sempre o mesmo: dogmatismo orçamental e austeridade, para acalmar “os mercados”. A cimeira de Dezembro de 2011, em plena turbulência da crise da dívida, teve como resultado o acordo da maioria dos estados (com a exceção solitária do Reino Unido) para um novo tratado intergovernamental, a ser assinado em Março, que tem como ponto fulcral o aumento da vigilância da Comissão Europeia sobre os países quanto ao défice, à dívida, à produtividade, etc.
A UE pretende apertar o torniquete sobre os orçamentos nacionais, que passam a ficar sujeitos à apreciação e “recomendações” da Comissão. Na prática, é uma censura prévia à ação dos parlamentos nacionais. O parlamentarismo burguês e o que resta de soberania de cada país são rapidamente descartados, sem contemplações. Isto foi aliás o que também ficou demonstrado aquando da indigitação em novembro passado, à revelia de qualquer processo eleitoral, dos primeiros-ministros da Grécia e da Itália, Lucas Papademus e Mário Monti, dois homens-de-mão da UE.
Balanço de 10 anos do euro
De acordo com esse novo tratado os desequilíbrios orçamentais poderão levar a “ações corretivas” sobre os estados que irão até às multas financeiras (de 0,2 a 0,5 % do PIB!). Tudo isto em nome da salvação do euro. Mas, que balanço podemos fazer dos dez anos de moeda única em Portugal? Se apenas compararmos esta década com o quinquénio anterior, verificamos que:
A taxa de crescimento do PIB caiu dez vezes e a taxa de exportações caiu duas vezes – consequências da destruição do aparelho produtivo;
O consumo privado caiu quatro vezes e o consumo público três vezes – resultado da diminuição dos rendimentos da população devido aos aumentos dos preços e dos impostos;
O endividamento externo explodiu, mas não para adquirir bens (equipamentos e maquinaria) que apoiassem o investimento produtivo nacional; aliás, foi a Alemanha quem aumentou o seu domínio económico sobre o país, tendo sido por cinco vezes o maior investidor estrangeiro em Portugal.
Como corolário desta catástrofe económica Portugal tornou-se no campeão dos baixos salários e das desigualdades sociais. Ora, não consta que alguma vez a Comissão Europeia tivesse assumido qualquer ação corretiva para colocar os salários dos portugueses ao nível dos outros trabalhadores europeus, ou travar as desigualdades sociais…
UE e fuga de capitais
Entretanto, dignos membros do clube do euro, como a Holanda, revelam claramente a sua face de plataformas de apoio ao capital. O regime fiscal deste país fez dele um paraíso para os capitalistas que querem fugir aos impostos nos seus países de origem e internacionalizar-se em condições favoráveis. Nas últimas semanas ficámos a saber que 19 das maiores empresas portuguesas mudaram as suas sedes para a Holanda. Numa situação de crise nacional, os capitalistas portugueses e os seus comendadores passam-se de malas e bagagens para os paraísos fiscais – eis a sua bela contribuição para a saída da crise!
As consequências desta fuga de capitais podem ser ruinosas para a nossa economia, como o sabe qualquer estudante universitário. Mas que faz a Comissão Europeia para travar esta sangria?… Nada! Como acreditar que ela teve ou terá alguma vez um papel positivo numa saída para a crise?
As falsas soluções dos eurobonds…
Apesar da experiência de anos de integração europeia e de vigência do euro, há setores da esquerda em Portugal, como o Bloco de Esquerda, que defende saídas para a crise no quadro da UE, propondo em particular a emissão de eurobonds (títulos de dívida emitidos e garantidos pelo conjunto dos países da zona euro e em condições iguais para todos) e/ou empréstimos diretos do BCE aos estados (com juros mais favoráveis que os do mercado).
Os eurobonds seriam como que a assunção “solidária” das dívidas soberanas de cada estado, com juros que se revelariam mais favoráveis aos estados mais fracos (os PIIGS) do que aos imperialismos mais fortes (Alemanha e França), visto que estes iriam pagar juros mais altos do que os atualmente praticados no mercado. Como (ainda) são economias fortes, os especuladores não os penalizam tanto. Por outro lado, os eurobonds só teriam sustentabilidade se a economia da UE crescesse no seu conjunto e de maneira equilibrada.
Ora, quem defende esta solução esquece-se que a UE assenta justamente numa relação profundamente desigual entre os países imperialistas do eixo franco-alemão e os restantes, e que as economias alemã e francesa têm crescido à custa da destruição das outras. É óbvio que nem a Alemanha e a França querem encarecer os seus orçamentos com juros mais altos do que os atuais, nem querem ajudar os PIIGS a relançar os seus aparelhos produtivos, sob pena de prejudicarem as suas próprias exportações.
…e dos empréstimos do BCE
Quanto aos empréstimos diretos do BCE aos estados, são os próprios tratados fundadores da UE que o impedem, “para não falsear a concorrência” (ver tratado de Maastricht). Na verdade, esta orientação destina-se a impedir os apoios financeiros estatais aos serviços públicos, numa lógica de privatização que todos nós conhecemos. Por isso, o BCE tem podido emprestar aos bancos privados a juros baixos, mas se eventualmente emprestasse aos estados nas mesmas condições, criaria um precedente que levaria os governos a relaxarem o “garrote orçamental” e a recorrer ao BCE para financiarem serviços públicos ou quando se vissem em aflições… O que contraria toda a lógica da UE.
Acreditar que no quadro da UE pode haver inter-ajuda entre as diversas burguesias e uma conciliação de interesses entre os capitalistas e os trabalhadores é alimentar uma ilusão perigosa, que desarma a classe trabalhadora e a juventude na sua luta por uma Europa livre da miséria e da exploração.
Ana Paula Amaral
J. A. Dias