Greve na Inglaterra: trabalhadores ingleses mostraram a sua força

Marchas com 30 mil pessoas em Londres, 20 mil em Manchester e 15 mil em Liverpool foram alguns dos fatos que marcaram o dia em que 2 milhões de trabalhadores do setor público cruzaram os braços na Inglaterra.

O governo inglês tentou minimizar o impacto da maior greve a ocorrer no país em três décadas, mas não conseguiu. A greve havia sido decidida em outubro no Congresso dos Sindicatos (TUC) e deveria ser de apenas um dia, hoje, 30 de novembro e circunscrever-se ao setor público, ameaçado por um plano de privatizações e o mais atingido no momento pela política económica do governo de cortes nas aposentadorias e pensões.

No entanto, mesmo com essas limitações, o movimento teve um grande impacto sobre a classe trabalhadora de conjunto, porque expôs à luz do dia a verdadeira intenção do governo de fazer os trabalhadores pagarem pela crise económica. Apesar de ter sido uma greve dos funcionários públicos com a principal bandeira de defesa das aposentadorias, muitos jovens participaram das manifestações, porque a juventude vem sendo duramente penalizada pela falta de empregos e perspectivas futuras.

Uma greve forte, apesar da lei

Para se avaliar uma greve na Grã-Bretanha é preciso levar em conta a draconiana legislação anti-greve que a classe trabalhadora suporta desde os tempos de Margareth Thatcher e que tem de superar caso queira lutar contra o governo e a patronal. As greves não são votadas em assembléias, mas devem enfrentar um longo e complicado processo de consulta, chamado ballot, em que cada trabalhador vota por separado em uma cédula enviada a seu domicílio. O processo é totalmente conduzido pela direção sindical e supervisionado pelo governo. Some-se a isso o fato de que os sindicatos ingleses estão sob férreo controle de uma poderosa burocracia e dominados politicamente pelo Labour Party, que não jogaram força na preparação da greve.

Mesmo com tudo isso, os números divulgados pela imprensa britânica mostram que a greve foi forte, atingindo sobretudo os professores: 19.000 das 21.700 escolas na Inglaterra e País de Gales, fechadas ou parcialmente fechadas; 6.000 das 30.000 cirurgias não-urgentes foram canceladas (The Guardian, 30/11). O primeiro-ministro David Cameron aproveitou para dizer que a greve faliu e não teve um impacto significativo. “Apesar do posicionamento do partido da oposição, que apoiou de forma irresponsável e demagógica a greve, ela foi insignificante.”

O partido a que ele se refere é o Trabalhista (Labour Party), cujo líder, Ed Miliband, disse que o governo precisa aceitar conviver com as greves. Ele perguntou a Cameron: “Por que você acha que tantos trabalhadores honestos do setor público, que trabalham duro, muitos dos quais nunca fizeram uma greve antes, sentem que o governo simplesmente não os ouve?” Isso tudo não passa de retórica porque de fato mesmo o Labour não fez nada para ajudar a greve. Logo, Cameron não tem razão para criticar Miliband, porque este, além de não ter colaborado em nada para o sucesso da greve, ainda deu declarações do tipo: “eu odeio a greve, mas não condeno aqueles que a fizeram”; “temos de pagar a dívida pública, e por isso os cortes não necessários”. No meio de uma greve, esse tipo de declaração, vinda de um partido no qual ainda a maioria dos trabalhadores têm ilusões de que defende seus interesses, só serve para humilhar e desmoralizar aqueles que estão lutando e sendo acusados de se recusarem a negociar com o governo.

No entanto, um dos principais líderes sindicais, Brian Hutton, do sindicato GMB (transportes) disse que as negociações com o governo sobre o corte nas pensões não estão levando a nada e um porta-voz do TUC disse que mais de 2 milhões de trabalhadores tomaram parte da maior ação industrial desde 1979 no país, e perguntou: “A questão real é como o governo provoca tantas pessoas comuns e decentes a irem à greve pela primeira vez na vida?”

Mark Serwotka, dirigente do PCS (trade que une os trabalhadores do setor público e comercial), disse que os piquetes mostravam uma grande união, com mais de 90% do pessoal de alguns departamentos do governo tomando parte. “Eu estive em alguns piquetes em Londres e o espírito era de muito ânimo por parte dos trabalhadores”, disse.”

Heathrow, o maior aeroporto de Londres, informou que tudo estava dentro da normalidade, mas algumas empresas aéreas, como a British Airways e a Virgin Atlantic indicaram que centenas de passageiros tiveram de ser transferidos. A Virgin Atlantic informou que teve de operar com 50% de sua capacidade. As trade unions do País de Gales informaram que cerca de 170.000 trabalhadores pararam e na Escócia cerca de 300.000. Mais de 1.000 marchas e manifestações de rua ocorreram em todo o país.

O secretário-geral da Unite (trabalhadores do serviço público, sobretudo do setor da saúde) Len McCluskey, disse que este dia 30 de novembro será lembrado como o dia em que os trabalhadores lutaram unidos para proteger a economia e o Estado de bem-estar: “o povo trabalhador está sendo chamado a pagar por uma crise económica causada pela elite económica que está levando o país à falência”. Ele acrescentou também que “a greve foi uma brilhante manifestação de coragem e decisão dos servidores públicos que estão sendo demonizados pelo governo que já perdeu seu compasso moral.”

Por que os professores fazem greve?

Os professores ingleses estão possessos com as reformas para mudar as regras da aposentadoria. O governo propôs que eles paguem cotas mensais mais altas e trabalhem por mais tempo. Os professores argumentam que um dos maiores benefícios por seu trabalho é um segura e decente pensão e que as mudanças propostas pelo governo fazer com que os profissionais mais graduados evitem abraçar a profissão. Eles também acreditam que seu emprego é particularmente cansativo e é simplesmente impossível trabalhar até os 68 anos, a idade de aposentadoria que o governo está propondo.

O governo propõe que: as contribuições mensais dos professores para aposentadoria aumente acima de 50%, passando de 6.4% to 9.6% até 2014; os professores não poderiam mais se aposentar aos 60 anos, mas aos 65, que subiria para 66 em 2020 e depois 68; o governo ofereceu isenção para todos aqueles que, antes das mudanças, estejam próximos dos 10 anos para aposentar-se em abril.

Nick Gibb, ministro da educação, diz que as mudanças são inevitáveis porque o custo para pagar as pensões dos professores dobrarão de £5bn em 2006 para £10bn em 2016 e crescerão ainda mais rapidamente conforme a expectativa de vida continue a subir. Ele disse que o orçamento em março requereu uma economia de £2.8bn do setor público pensions bill para 2015 e que isso exigirá um aumento de 3.2 por cento a mais nas contribuições.

O primeiro-ministro Cameron chamou a greve de irresponsável. “É uma irresponsabilidade, quando as negociações estão andando, chamar greves que podem levar ao fechamento da maioria das escolas em nosso país. O que está sendo oferecido é extremamente razoável e os trabalhadores precisam aceitar e é uma tragédia que o Labour Party se recuse a condenar as greves”.

Grã-Bretanha pode entrar em recessão

Tudo indica que a Grã-Bretanha entrará em recessão no próximo período, influenciada pela crise na zona do euro, e a classe trabalhadora vai pagar caro por ela, com o aumento do desemprego, cortes nos serviços públicos e redução dos orçamentos familiares. Rejeitando o argumento do ministro da economia George Osborne de que a expansão do setor privado poderia compensar as perdas de empregos no setor público, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico disse que as filas de desempregados vão continuar. A OECD advertiu que mais de 30 países desenvolvidos irão contrair suas economias em 0.2% e a Grã-Bretanha poderia expandir apenas 0.5%. Pier Carlo Padoan, economista chefe da organização, disse que: “A economia global vem se deteriorando de forma significativa e as economias avançadas estão em declínio, levando a zona do euro a entrar em recessão”.

Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra, advertiu sobre a ameaça de inflação no país. “O aumento dos preços da energia elétrica e dos alimentos foi maior do que esperávamos”. Ele disse que os problemas na zona do euro aumentos os riscos sobre a saúde do sistema bancário em todo o mundo industrializado. “E que isso aumentou o custo dos bancos para obter fundos e portanto o custo dos empréstimos para as empresas. Esses são desafios enormes e não vai ser fácil enfrentá-los”.

Adam Posen, do comité de política monetária, disse que está mais preocupado com a estagnação econômica do que com a inflação, e que os bancos centrais precisam estar alertas para não repetir os mesmos erros de 1930, quando ocorreu uma das maiores crises do capitalismo até hoje. “Se nós repetimos os erros do passado e não fazemos os ajustes necessários prematuramente vamos incorrer na mesma situação daquela época”. Para a classe trabalhadora, esses ajustes significam cortes nos serviços públicos, privatizações de serviços essenciais como saúde e educação, aumento dos preços da cesta básica, do desemprego e do tempo de aposentadoria.

Justamente o programa da greve, que foi um pontapé inicial e fundamental para demonstrar ao governo que a poderosa classe trabalhadora inglesa não está disposta a engolir calada esse pacote econômico que compromete seu futuro e o de suas famílias.

Cecília Toledo
da revista Marxismo Vivo

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