Venezuela: os trabalhadores não tiveram candidato

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Que se respeite a vontade popular. Não à repressão.

Construir uma alternativa revolucionária independente a um regime em decomposição e a uma direita empresarial e pró-imperialista.

A crise na Venezuela aprofunda-se e é importante entender o que está a acontecer realmente e como apoiar o sofrido povo trabalhador do país. A tarefa dos socialistas revolucionários em todo o mundo, como sempre, é estar ao lado das massas que lutam e defendem seus direitos sociais, econômicos e democráticos, e neste caso também seus direitos eleitorais hoje cerceados. Denunciando com firmeza o regime autoritário, ajustador e repressivo de Nicolás Maduro, que conta com a cumplicidade da China e da Rússia, assim como com as operações políticas de todas as direitas, ultradireitas e o imperialismo dos Estados Unidos e europeu. Estes são poderes imperiais com seus próprios interesses, em uma disputa para controlar a administração e os lucros do multimilionário negócio petrolífero da Venezuela, no contexto de suas disputas globais. Antes de prosseguir, gostaríamos de deixar algumas coisas absolutamente claras para nossos leitores:

• O regime de Nicolás Maduro, em sua forma atual, é um resultado degenerado até um ponto irreconhecível do processo iniciado pelas massas trabalhadoras da Venezuela durante a Revolução Bolivariana, que havia colocado Chávez e o PSUV no poder. No entanto, o fracasso desse processo em derrubar o capitalismo e a insistência de sua direção em mantê-lo dentro dos limites do regime capitalista levaram à situação atual na Venezuela.

• Sob Nicolás Maduro, a contínua erosão e supressão do processo revolucionário alcançou uma transformação qualitativa que deu origem a um regime corrupto e repressivo que se adapta às ambições imperialistas das elites governantes chinesas e russas para sua própria sobrevivência, reverte todas as políticas progressistas implementadas no passado, persegue uma agenda de ajuste e privatizações. Consequentemente, as condições das massas venezuelanas se tornaram extremamente miseráveis. Tudo isso levou a um fortalecimento ininterrupto da direita e da extrema-direita no país.

• A oposição de direita pró-Ocidente também não apresenta uma alternativa para as massas que sofrem. Esses lacaios do imperialismo dos Estados Unidos aspiram seguir uma agenda de privatização e saque imperialista, ajuste e neoliberalismo de uma forma diferente, com diferentes atores e acionistas. (…)

• Juntamente com a corrupção, a má gestão e as políticas pró capitalistas do regime de Maduro, as sanções criminosas impostas pelo Ocidente são igualmente responsáveis pela atual crise social e econômica na Venezuela. Exigimos a imediata suspensão das sanções imperialistas contra a Venezuela, Cuba e outros países.

• Sem ilusões na democracia burguesa, defendemos a proteção e promoção dos direitos democráticos que as massas trabalhadoras conquistaram com suas lutas no passado. Nesse sentido, também acreditamos que a supressão dos resultados eleitorais e os protestos massivos, na ausência de uma alternativa revolucionária forte, terminará fortalecendo conjunturalmente os elementos pró-americanos de direita e extrema-direita no país, e qualquer ilusão das massas no imperialismo ocidental pode ser reforçada. (…)

Um processo eleitoral antidemocrático

Neste importante país latino-americano, quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou sem mostrar uma única ata eleitoral, que o candidato oficial Maduro havia vencido com 51,2% dos votos, contra 44,2% do candidato opositor González Urrutia, desencadeou-se uma crise de consequências profundas que incluem tensão social, mobilizações, assassinatos e repressão estatal contra a população.

O anúncio de resultados altamente questionáveis e a posse intempestiva de Maduro como presidente por mais seis anos gerou um repúdio massivo dentro do país e o aumento de rejeições em todo o mundo, ao mesmo tempo que os dias passam e o CNE alinhado ao governo continua sem divulgar nenhuma ata eleitoral ou dados sérios dos resultados que emitiu.

Os dados apresentados oralmente e sem provas foram o capítulo final de todo um processo eleitoral irregular e antidemocrático. Com um governo que há anos intervém em partidos políticos, incluindo os de esquerda radical, invade seus registos legais, nomeia direções paralelas e, nos meses anteriores, proscreveu candidatos de direita, centro e esquerda. E finalmente negou o direito de voto a milhões de venezuelanos que foram empurrados pela crise social e econômica a viver em outros países. Enfrentamos um processo eleitoral fraudulento e planejado para que Maduro ganhasse de qualquer forma. E agora estamos vivendo as consequências dessa arquitetura eleitoral injusta.

Duas candidaturas que não apoiamos

O regime de Maduro o manteve como candidato nessas eleições, para a continuidade de um projeto repressivo que, enquanto aprofunda seus negócios, corrupção e privilégios, também foi incapaz de garantir trabalho, alimentos e, em muitos casos, nem água potável para a população. Que é criminalizada e reprimida de diferentes maneiras, em um formato cada vez mais semelhante ao da Nicarágua, com milhões de exilados e repressão política e social interna permanente.

Ao mesmo tempo, a direita oposicionista e empresarial alinhada ao imperialismo dos Estados Unidos e às suas corporações capitalistas organizou uma campanha com María Corina Machado, sua principal representante proscrita, mas colocada no papel de organizadora e porta-voz do candidato Urrutia. Não compartilhamos nada do plano político, nem do programa nem do projeto dessa oposição que sempre denunciamos e enfrentamos. Que são a expressão atual das reiteradas tentativas imperialistas de assumir o controle direto e a exploração de todas as riquezas venezuelanas. (…)

Que se respeite a vontade popular, basta de repressão

Com esse quadro de situação, chegamos às eleições do último domingo e à divulgação de resultados evidentemente falsos, que violam a decisão de milhões de venezuelanos. Por isso, apoiamos a demanda democrática e genuína de que se saiba toda a verdade e se respeite a vontade popular. Diante de tamanha crise política, o CNE tem a obrigação de expor todos os dados do sistema e seria necessária a formação de uma auditoria pública e cidadã, liderada e conduzida por personalidades destacadas, respeitadas e independentes, junto a representantes de todos os partidos.

Ao mesmo tempo, defendemos o direito do povo venezuelano de se mobilizar da forma que considerar para impor o respeito ao seu voto e para que se saibam os resultados reais. Não confundimos nem misturamos os planos políticos de uma oposição empresarial de direita com o justo sentimento de exaustão de uma grande parte da população castigada por um regime decadente que há anos torna impossível a vida de toda família trabalhadora e setores populares e médios. Sair às ruas para exigir a verdade e a transparência com os resultados é um direito democrático que apoiamos. Por isso, rejeitamos e repudiamos todas as ações repressivas do Estado sob o comando de Maduro e sua recente convocação às forças armadas para patrulhar as ruas e reprimir manifestações. Por esse caminho, as mortes e assassinatos que já existem se multiplicarão e o governo terá que pagar por todos esses crimes.

Um regime reacionário anti-socialista e uma oposição de direita

Certamente, milhões de trabalhadores e jovens de todo o mundo estão preocupados com esses acontecimentos e com uma campanha dos grandes meios de comunicação capitalistas que falam de um suposto fracasso do socialismo na Venezuela. Queremos refletir sobre isso e compartilhar nossas opiniões, partindo do princípio de que não há nada mais distante da realidade do que considerar Maduro e seu regime como a expressão de um projeto revolucionário genuíno.

O regime de Maduro não tem nada a ver, nem no plano econômico, nem no político, nem no social, com um projeto socialista. A Venezuela é um país liderado por um governo e regime de conteúdo e forma capitalistas, centrado em grandes negócios petrolíferos estatais, em associação com grandes corporações do setor energético e com o poder financeiro, e com altos funcionários políticos e militares envolvidos nesses negócios, transformando-se em novos empresários e milionários. Uma elite entrincheirada no Estado que usa a história inicial do processo bolivariano a seu favor, enquanto desmonta e liquida todas as suas principais conquistas sociais, que nunca chegaram a ser anticapitalistas, mas que existiram durante alguns anos em oposição ao imperialismo dos EUA. Hoje não resta vestígio algum da situação revolucionária do passado. (…)

Por isso, o descontentamento se expressou maioritariamente nessas eleições, onde uma parte muito significativa da população optou por votar contra Maduro, independentemente da adesão ou não às ideias da oposição. Cansados desse regime e das más condições de vida, a maioria votou contra a continuidade.

Ou seja, se hoje há a possibilidade de que um setor da direita política e empresarial possa assumir o controle do país, isso se deve à responsabilidade do próprio Maduro e seu regime nocivo e reacionário, que, ao aplicar brutalmente seu plano anti-operário e antipopular, e ainda por cima fazê-lo em nome de um suposto socialismo e anti-imperialismo, abriu as portas para a possibilidade de que a oposição pró-imperialista se reorganize e se fortaleça.

Conclusões e tarefas

Por tudo isso, desde a Liga Internacional Socialista, convocamos a solidarizarmo-nos e apoiar todos os trabalhadores e setores populares que na Venezuela genuinamente lutam pelo direito de que se respeite a vontade popular e para que se saibam os resultados verdadeiros, denunciando e enfrentando todo tipo de repressão. (…)

Também convocamos a fortalecer dentro da Venezuela uma organização verdadeiramente anticapitalista e socialista, que, retomando as melhores tradições políticas e independentistas do país, acolha em seu seio trabalhadores e jovens que, frente a um regime em decomposição e uma oposição direitista, queiram avançar em uma direção alternativa. Para lutar por um futuro onde os trabalhadores governem e todos os bens comuns e os recursos estratégicos do país sejam administrados pela classe trabalhadora, colocando-os, de uma vez por todas, a serviço das necessidades sociais das maiorias. (…)

Leia a declaração completa da Liga Internacional Socialista (lis-isl.org), 30 de julho de 2024

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