A atual situação nacional continua a estar pautada pelo aumento do custo de vida. Entre janeiro do ano passado e maio deste ano, o cabaz alimentar, acompanhado pela DECO, já aumentou 35€. Apesar do abrandamento da inflação em Portugal, o Banco Central Europeu anunciou um novo aumento das taxas de juro1. A par da especulação imobiliária, que tem explodido os preços das casas e os valores das rendas, e que gerou uma autêntica crise na habitação, as taxas de juro do crédito para a habitação estão no valor mais alto desde junho de 2012, a atingir 3,86%.2
Para agravar a situação, a contínua guerra na Ucrânia não só tem servido como desculpa para uma especulação histórica na energia e na alimentação, como tem também contribuído para colocar na mesa, ainda que de forma disfarçada, medidas de austeridade. A NATO – como reflexo da vontade dos Estados Unidos e da União Europeia –, tem imposto o aumento generalizado dos orçamentos militares. No caso português, a despesa militar aumentou 8,3% no Orçamento do Estado para 20233. É claro que, no espírito das “contas certas” ao estilo da União Europeia, o aumento do orçamento militar implica uma redução noutros setores. Como se tem verificado, a Saúde,a Educação e a Cultura continuam severamente sub-financiadas e os problemas nos nossos serviços públicos vão-se multiplicando. A falta de condições em muitas escolas e as múltiplas urgências fechadas são disto exemplo.
Tal como referimos no nosso editorial de abril de 2023, o Governo finge dar resposta à contestação popular com medidas que em nada ajudam. O IVA 0% é só o mais recente exemplo deste tipo de políticas que, em vez de controlar os preços dos bens essenciais, apenas garante o aumentar das margens de lucro das grandes superfícies.
A par do esmagamento da classe trabalhadora portuguesa – através de aumentos dos preços e dos juros – e de serviços públicos cada vez mais desfalcados, crescem os lucros das grandes empresas. O aumento das taxas de juro, por exemplo, está a beneficiar os bancos que já não ganhavam tanto há 10 anos.4 Seguem-se os lucros extraordinários de empresas como a SONAE (dona do Continente), Jerónimo Martins (dona do Pingo Doce), das empresas de telecomunicações e dos bancos.
É precisamente esta situação económica que potencia a contestação popular e que coloca em cheque todo o Governo. A indemnização de 500 mil euros atribuída a Alexandra Reis, num país com onde 56% dos trabalhadores recebem menos de 1000€5 por mês e numa empresa que impôs uma brutal redução de trabalhadores e sérios cortes nos seus salários, tornou-se assim a faísca que fez explodir um autêntico caos no Governo6. Este caso chegou ao ponto de confrontos físicos dentro do próprio Ministério das Infraestruturas e uma tensão entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, com Marcelo Rebelo de Sousa a dar indicação para a demissão do Ministro João Galamba, que chegou a apresentar a demissão, mas esta não foi aceite por António Costa.
Não esquecemos que João Galamba tem nas suas mãos dois dos mais importantes e volumosos negócios do Estado, com implicações no rumo estratégico do País – todos eles ruinosos para a população, mas com grandes benefícios para as multinacionais europeias. Um deles, claro, a privatização da TAP, onde nem se espera recuperar os 3,2 mil milhões lá injetados; o segundo, os atuais contratos de prospeção e exploração mineira de lítio no norte do país, que prometem destruir, em particular, a região de Terras do Barroso, Património Agrícola Mundial.
Direita começa a construir falsa alternativa, onde está a esquerda?
O caso Galamba tornou os telejornais dos últimos dias numa verdadeira telenovela e muitos comentadores especularam sobre se isto significaria ou não a queda do governo. Marcelo, que por várias vezes acenou com a dissolução do parlamento, acabou por anunciar, no dia 4 de maio, apenas um puxão de orelhas a António Costa.
Apesar do inegável desgaste do Governo e da maior dificuldade em lidar com o descontentamento social, a crise nos partidos tradicionais, que vem gerando uma recomposição na direita em Portugal, não permite às elites portuguesas resolver a indignação popular com a solução a que tradicionalmente recorrem, a expectativa gerada pela alternância entre governos do PS e do PSD/CDS.
Recordemos que o panorama político na Assembleia da República se alterou drasticamente nas últimas eleições e aprofundou a crise na Direita, que já vem desde 2015. O CDS era um dos principais partidos da alternância do poder, assegurando coligações com o PSD, e o seu desaparecimento da Assembleia da República, o surgimento de novos partidos à direita e as votações historicamente baixas do PSD perfizeram a falta de alternativa de que Marcelo se queixou recentemente.
Na realidade, Marcelo sempre se recusou a dissolver o parlamento, ao não estar garantida uma alternativa – de direita, entenda-se – ao Governo PS7 e, neste momento, ainda não tem qualquer garantia de que, com novas eleições, o seu partido, o PSD, pudesse ficar finalmente em posição de formar governo sem ter de recorrer a um acordo com André Ventura. Além disso, nada garantiria que o PS não seria novamente o partido mais votado, e poderia até surgir uma Geringonça 2.0, obrigando o Governo a negociar com alguns partidos representantes dos trabalhadores, numa altura em que a contestação social aumenta, o que implica uma maior pressão não só para o governo, mas também para toda a esquerda parlamentar. Assim sendo, a decisão de Marcelo foi ao encontro de continuar a ferver o PS em lume brando e esperar que essa falsa alternativa de direita ao governo PS se construa até novas eleições.
Ouvindo bem o pedido do Presidente da República, a direita começou a afirmar-se como alternativa. O almoço entre Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, e Luís Montenegro do PSD, é a mais recente tentativa de reconstrução de uma alternativa de direita “viável”8. Esta aproximação, ainda que provavelmente não signifique uma coligação eleitoral, representa a construção de um novo pólo em que a Direita se pode apoiar para a construção de uma alternativa ao PS e, crucialmente, sem a presença da extrema-direita do Chega, garantidamente um fator de impopularidade e instabilidade para um novo governo do PSD. A vir a formar Governo, esta alternativa terá um foco especial no aceleramento da destruição dos serviços públicos em geral e do SNS em particular9.
Tal como a direita faz agora, também BE, PCP e Livre há muito que se deviam aproximar para configurar uma alternativa ao PS, que reverta a precariedade, que invista na habitação e nos serviços públicos. Ao invés disso, continuam focados em denunciar o governo de maioria absoluta contrapondo-o com o governo da Geringonça. Relembramos que também a Geringonça não reverteu as políticas da Troika, não reverteu a Lei Cristas, nem acabou com os Vistos Gold, os preços das casas dispararam, o número de Alojamentos Locais também, não se reverteu o desinvestimento nos serviços públicos, em suma, continuou a aplicar-se a política do status quo e da direita. Mais, agarrados aos cálculos eleitorais, continuam a defender a manutenção e a estabilidade do Governo, reclamando para si o papel de bons conselheiros e deixando assim, mais uma vez, a oposição a ser encabeçada pela direita e extrema-direita.
A rua é a verdadeira oposição ao Governo
Se, por um lado, a atual crise do custo de vida trouxe problemas à estabilidade do Governo, também foi o principal motor que impulsionou milhares de trabalhadores para as ruas e para as greves.
A política de mobilização e de democracia trazidas pelo S.TO.P. – num período em que as condições económicas dos trabalhadores se agravam –, foi o catalisador de uma onda de contestação que foi bem para lá da Escola Pública. Aos profissionais da educação juntaram-se os funcionários judiciais, maquinistas e revisores da CP, profissionais da saúde e uma série de muitas outras greves em setores menos numerosos.
É impossível não fazer também a comparação com outros países da Europa, que têm visto fortes greves e muitos trabalhadores virem às ruas. Na Inglaterra, por exemplo, greves continuadas dos enfermeiros, professores e maquinistas marcaram o início de 2023. O caso mais mediático é mesmo a França onde, em resposta ao aumento da idade de reforma para 64 anos – mas também contra o aumento do custo de vida –, milhões de trabalhadores têm saído às ruas e já avançaram com várias greves gerais.
Por cá, face ao aprofundar da contestação ao governo e da crise económica a que os trabalhadores estão submetidos –, num período em que, ao mesmo tempo, grandes bancos e empresas batem lucros recorde –, a CGTP e UGT assobiam para o lado e não organizam a luta numa greve geral, que permita aos trabalhadores demonstrarem a sua força e vontade, exigindo ao governo do PS uma verdadeira mudança política, que traga benefícios reais para a população, em vez de sucessivos pacotes e medidas que apenas distribuem migalhas, sem resolver os principais problemas que sufocam milhares de jovens e trabalhadores por todo o país.
O MAS defende a construção de uma greve geral forte, com uma perspetiva de continuidade e alargamento da luta, a partir da organização de base nos locais de trabalho, para exigir:
SALÁRIOS E PENSÕES DIGNOS
- Aumento dos salários e das pensões de acordo com a inflação real
- Salário mínimo nacional de 1.000€
FIM À ESPECULAÇÃO
- Redução dos preços dos bens essenciais e da energia aos valores pré-guerra
- Tabelamento das rendas e limitação das taxas de juro nos créditos à habitação
SERVIÇOS PÚBLICOS DE QUALIDADE
- Verdadeiro investimento na Saúde, na Educação e na Cultura
- Requisição dos lucros extraordinários das grandes empresas
FIM DOS PRIVILÉGIOS DAS ELITES
- Extinção das reformas vitalícias e indemnizações milionárias
- Redução drástica dos salários milionários de CEO, administradores e governantes
6http://mas.org.pt/index.php/2023/04/30/governo-faz-de-tudo-para-esconder-gestao-ruinosa-da-tap/