O Brasil vai hoje a eleições para decidir quem deve governar o país. Perante a atual situação brasileira, existem duas tarefas de extrema importância para a classe trabalhadora brasileira: a primeira consiste em derrotar Bolsonaro; a segunda é a de construir uma alternativa ao presente projeto da elite brasileira, encabeçado no momento por duas figuras: Lula e Alckmin.
Fora Bolsonaro: o bolsonarismo tem de ser derrotado nas urnas e nas ruas
As Fake News da extrema direita tentam esconder o desastre do governo Bolsonaro/Mourão, que causou mais de 600 mil mortes pela Covid-19 e condenou milhões de pessoas à fome. A campanha eleitoral bolsonarista fala de um país que não existe para tentar esconder a catástrofe do desemprego, da fome, da desvalorização dos salários e da perda de direitos, expressa na reforma da previdência. O seu governo, feito à medida para benefício dos militares, banqueiros e fazendeiros, beneficiou apenas os interesses da elite brasileira, com super-salários e mordomias de todo tipo, além de ter sido profundamente marcado pela corrupção.
Por outro lado, Bolsonaro vê-se cada vez mais isolado, já que a instabilidade trazida pelos seus 4 anos de governação, marcados por constantes crises, traduziu-se numa menor capacidade de acumulação de lucros por parte dos banqueiros e grandes empresários no Brasil, que preferem não ter de lidar com mercados e investidores assustados devido a tensões institucionais e dúvidas sobre a capacidade de o governo aprovar no Congresso todo um conjunto de reformas económicas – isto é, ataques aos direitos e às condições de vida da classe trabalhadora – sem contestação popular. Da carta em defesa pela democracia, contra o discurso golpista de Bolsonaro, assinada pela nata da elite brasileira, à renúncia de vários candidatos presidenciais de direita em prol da candidatura de Lula (como André Janones e Pablo Marçal), a grande maioria da elite brasileira fez questão de deixar muito claro que não está disponível para mais 4 anos de governo Bolsonaro, muito menos para sustentar um golpe, e que as fichas são para serem apostadas em Lula.
A carta em defesa da democracia, assinada por empresários e banqueiros, é um momento importante desta campanha, por constituir não só o apoio claro a Lula, como um cartão vermelho a Bolsonaro, demonstrando que há um acordo claro entre os principais banqueiros e grandes empresários brasileiros em que a sua candidatura é Lula/Alckmin. A nível internacional, as elites optam também por isolar Bolsonaro e a Casa Branca, agora chefiada por Biden, já emitiu um comunicado informando que está pronta para rapidamente reconhecer o governo de Lula, seja na 1ª ou na 2ª volta. Isto porque o programa de Lula/Alckmin hoje lhes garante uma taxa de lucro maior do que o de Bolsonaro, uma figura altamente instável e desgastada. Ou seja, para as elites é mais importante garantir os lucros colossais de hoje, com um governo mais brando e progressista, do que arriscar recorrer ao autoritarismo de um governo como o de Bolsonaro e, assim, correr o risco de perder muito amanhã.
Desta forma, parece-nos que as possibilidades de o bolsonarismo dar um golpe são hoje mais remotas, mesmo que Bolsonaro não seja derrotado eleitoralmente na 1ª volta. No entanto, a elite brasileira sabe que a solução bonapartista que hoje escolhe guardar na gaveta, poderá voltar a ser necessária no futuro. Por este motivo, o seu interesse é derrotar Bolsonaro, mas não o bolsonarismo. A derrota de Bolsonaro nas urnas será importante, mas não servirá para derrotar o bolsonarismo. Não havendo grande espaço de manobra, inclusive com o falhanço do próprio Trump após as eleições nos Estados Unidos, Bolsonaro terá de aguardar por melhores dias, mas aproveitará qualquer oportunidade para criar um clima de instabilidade.
Assim, todos os setores que se assumem pelo “Fora Bolsonaro” devem estar preparados para se mobilizarem, nas ruas, de forma a garantir que este, uma vez derrotado eleitoralmente, não terá outra hipótese que não submeter-se aos resultados da votação, tanto agora como no futuro, pois só uma mobilização massiva nas ruas – e nada menos do que isso – poderá deixar em evidência que o Brasil não está disponível para aparar um golpe de Bolsonaro e que o povo não aceita o questionamento da validade do processo eleitoral.
A frente ampla Lula/Alckmin: um programa ao serviço dos banqueiros e bilionários
Não só os setores que apoiam Bolsonaro diminuíram, como é consensual que a sua base eleitoral tem decrescido. Diante do desastre bolsonarista, há uma onda eleitoral que fortalece a frente ampla de Lula/Alckmin, que tem prometido estabilidade e lucros, dos banqueiros ao agronegócio. No entanto, muitos são aqueles, entre a classe trabalhadora, que compreendem que Lula tenta repetir o mesmo projeto de conciliação de classes aplicado nos 13 anos de governo do PT, com e para os capitalistas e as multinacionais, recordando que essa solução não resultou, ao ponto de ter contribuído para a gestação do próprio bolsonarismo, em 2018. É por este motivo que, apesar da alta rejeição a Bolsonaro, muitos resistem a votar Lula na 1ª volta, procurando uma alternativa a ambos. Hoje, milhões votarão Lula, não pelo projeto de governo que ele representa, mas pela necessidade de derrotar Bolsonaro, pois é o repúdio das massas a Bolsonaro que prevalece sobre a confiança ou expectativa relativamente a Lula/Alckmin.
Lula escolheu como seu vice o tucano Alckmin, fez alianças com setores do agronegócio – inimigo dos sem terra e dos indígenas – e isso bloqueia as mudanças que os trabalhadores e jovens precisam. Lula fez coligações com o PSD, que compõe o governo Bolsonaro, e desse modo sinaliza que o genocídio e a corrupção do atual governo podem ficar impunes. Para agradar a empresários e banqueiros, Lula agora fala em novas “reformas administrativas” que desmontam os serviços públicos. Com essas alianças e essa política, é impossível atender a classe trabalhadora e os setores populares. Os burocratas sindicais abandonaram as greves e lutas e já especulam com cargos no novo governo.
Desta forma, não espanta que, tal como o PT, também as elites venham alimentando e monopolizando o discurso em torno da polarização Bolsonaro vs. Lula, sempre com a tónica de utilizar o processo eleitoral para garantir a democracia no país e evitando ao máximo qualquer tipo de mobilização que lhes possa sair do controlo. Podemos concluir que, no Brasil, o projeto dos banqueiros e multimilionários passa, claramente, por garantir a sua estabilidade, apostando num programa que garanta os seus interesses económicos e, também, a acalmia social. Lula, secundado por Alckmin, encaixa perfeitamente nesse projeto: conciliando as classes, corresponde às expectativas da classe dominante e desmobiliza a classe trabalhadora, um erro fatal que não só contribuirá para a perpetuação da fome e do desemprego, como para impedir uma derrota real do bolsonarismo como projeto.
A urgência de uma alternativa: porque apoiamos as candidaturas do Pólo Socialista Revolucionário (PSR)
Face a esta situação, consideramos que: 1) na ausência da situação ideal, que era a de o PSOL, o maior partido à esquerda do PT, ter lançado uma candidatura alternativa a Lula e a Bolsonaro, criando um espaço para se poder conformar uma frente de esquerda das várias organizações e movimentos sociais, independente destes dois pólos apoiados por diferentes setores da elite brasileira; 2) tendo em conta que existem amplos setores que fizeram a experiência com o PT, com Lula e com Dilma, e que têm muitas dúvidas de que Lula, sobretudo com Alckmin, seja uma solução; e 3) não havendo risco de golpe nem de uma vitória de Bolsonaro, seja na 1ª, seja na 2ª volta; é de extrema importância utilizar a 1ª volta para apresentar um projeto alternativo ao dos banqueiros e grandes empresários, pois será um erro fatal para a esquerda brasileira colocar-se no papel de conselheira e pilar do futuro governo Lula/Alckmin.
Enquanto formos governados pelos patrões que nos exploram, pelos partidos que representam os patrões e a direita, não conseguiremos resolver os problemas da classe trabalhadora. Consequentemente, defendemos a necessidade de a esquerda alternativa e combativa, no Brasil, utilizar a 1ª volta para apresentar um projeto independente, disputando diretamente a Bolsonaro os votos de descontentamento dos que se recusam votar em Lula, pelas suas ligações a escândalos de corrupção, políticas de encarceramento em massa da população negra, entre tantos outros casos que há já muito tempo colocaram o dirigente histórico do PT no lado oposto ao dos interesses da classe trabalhadora. O PSR apresenta Vera Lúcia, mulher negra e operária, a presidente, e Raquel Tremembé, líder indígena, como vice, bem como candidaturas de várias figuras ligadas às lutas da juventude e da classe trabalhadora, como é o caso da candidata ao Senado, Bárbara Sinedino, jovem professora sindicalista, e Babá, candidato a deputado federal que foi expulso do PT por se ter recusado a votar a reforma da previdência do governo Lula, tendo ajudado depois a fundar o PSOL.
O MAS apoia esta experiência unitária no Brasil, pelo reforço de uma esquerda independente que luta por um governo que não se vergue aos interesses dos banqueiros e dos multimilionários, à qual o PSOL se deveria somar, reafirmando o seu papel de liderança na construção de uma esquerda livre da direita e dos patrões, e saúda esta campanha enraizada nas lutas da enfermagem pelo piso salarial, nas greves da educação, como as que ocorrem no Rio de Janeiro, e em apoio a operários, como os que lutam contra as demissões em São Paulo. O Pólo Socialista e Revolucionário defende um governo livre do jugo dos interesses da elite brasileira, capaz de romper com a agenda liberal que vem sendo aplicada por Bolsonaro e que Lula se demonstra disponível para manter.
Assim, apelamos, nesta primeira volta, ao voto contra Bolsonaro, reforçando as candidaturas do Pólo, por uma alternativa ao projeto económico do Centrão, pela taxação dos bilionários e dos lucros das multinacionais, a estatização dos setores estratégicos, a revogação das reformas da previdência e trabalhista e do teto de gastos, em defesa de direitos trabalhistas para todos os trabalhadores de aplicativos e pela reposição automática das perdas salariais, bem como pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Um programa pelo fim da cultura da violação e do genocídio contra a população negra e pobre nas favelas e periferias, em defesa do emprego para a comunidade LGBTQIA+ e de quotas para pessoas trans em concursos e universidades, pela demarcação das terras indígenas e pela reforma agrária.
Por fim, defendemos o voto em Lula no 2º turno, como forma de derrotar eleitoralmente Bolsonaro, mas com a clareza de que a sua derrota eleitoral não trará a derrota do bolsonarismo, a qual só será possível com a mobilização da classe trabalhadora.