A esquerda socialista e o segundo turno no Brasil

A polarização entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) esquentou o debate sobre a melhor forma de combater a direita nas eleições presidenciais deste domingo no Brasil. Há uma grande pressão do governo e dos seus apoiantes no sentido de votar Dilma “para evitar a volta da direita”. Temos completo acordo com a luta contra a oposição de direita. Somos radicalmente contra a volta da turma do FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente que governou o Brasil antes de Lula].

 

Os governos do PSDB foram fundamentais para introduzir o neoliberalismo no Brasil, com privatizações e ataques aos direitos dos trabalhadores. Por isso, o PSTU atacou com clareza este partido na TV e teve o programa final da campanha presidencial retirado do ar, a pedido de Serra.

Mas lutar contra a direita não significa votar em Dilma. Não podemos adoptar a luta unicamente contra Serra, sob pena de capitular à pressão da colaboração de classes praticada pelos governos do PT.

Infelizmente, o PSOL [Partido Socialismo e Liberdade] acabou por ceder a essa pressão e está a defender, nesse segundo turno, o “Não a Serra”, o que significa, na prática, o chamado ao voto em Dilma. Os três deputados federais e um dos dois senadores eleitos por esse partido apoiam explicitamente a candidatura Dilma nesse segundo turno. O PCB também se definiu pela mesma posição. Isso, na prática, legitima a falsa polarização entre os dois projectos maioritários da burguesia. Reconhece na candidatura Dilma a expressão da “esquerda” nessas eleições, o que é completamente equivocado.

Tanto Serra quanto Dilma vão atacar os direitos dos trabalhadores

Nessa campanha, a direita – entendida como a representação da grande burguesia – não está representada apenas por Serra, mas também por Dilma. No Brasil, as grandes empresas estão divididas nas eleições. Um sector apoia Serra, o que é mais do que evidente nas empresas de TV e nos principais jornais. Mas a maioria do grande capital, no entanto, que inclui os banqueiros, as multinacionais, os governos imperialistas, apoia política e financeiramente as duas campanhas.

As duas são financiadas pela grande burguesia. A campanha de Dilma arrecadou bem mais que a de Serra, até agora. O dólar se manteve estável nas eleições, estando abaixo de R$ 1,70. Todos lembramos do dólar perto dos R$ 4 nas vésperas das eleições de 2002, quando a burguesia ainda temia o que podia ser o governo Lula. Agora, o grande capital confia no PSDB… e no PT.

Votar Dilma ou Serra é manter o plano económico neoliberal aplicado por FHC e continuado por Lula. É manter bloqueada a reforma agrária, como aconteceu no governo FHC e também no de Lula. É aceitar a ocupação militar do Haiti defendida por Dilma e Serra.

Votar em Serra seria votar junto com FHC, César Maia, Yeda Crusius, velhas figuras da direita desse país. Votar em Dilma seria votar junto com Maluf, Collor, Sarney, Jader Barbalho, outras velhas figuras da mesma direita.

Não existe um “mal menor” nesse segundo turno. Votar em Dilma ou Serra vai fortalecer um deles para atacar com mais força os direitos dos trabalhadores. Um governo do PSDB ou do PT vai atacar duramente os trabalhadores quando a crise económica internacional chegar novamente ao Brasil. Tanto um como outro já anunciaram a sua disposição de aumentar a idade mínima para a reforma. Cada voto dado em Dilma ou Serra é uma força a mais que eles terão para aplicar uma nova reforma da Previdência.

Por vezes, quando é necessário, é preciso saber ficar em minoria. O PSTU [Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado] defende com clareza o voto nulo nesse segundo turno, e chama os outros partidos de oposição de esquerda socialista a se somarem a essa posição. Essa é a melhor maneira de começar a preparar a luta directa dos trabalhadores contra o novo governo eleito.

Eduardo Almeida Neto
da Direcção Nacional do PSTU e editor do jornal Opinião Socialista

Dilma confirma: o seu compromisso é com os conservadores

Candidata petista divulga mensagem se comprometendo com a não-legalização do aborto e contra a criminalização da homofobia e os direitos dos homossexuais.

“Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação actual sobre o assunto”. Este é o segundo item da mensagem de Dilma Rousseff dirigida aos religiosos. Na carta, Dilma diz que resolveu “pôr um fim definitivo à campanha de calúnias e boatos” contra ela. Na verdade, ela pôs uma pá de cal nas ilusões de que o PT e seu governo vão garantir os direitos das mulheres e dos homossexuais.

Dilma atende às reivindicações dos religiosos e ignora a pauta histórica dos movimentos sociais. “Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País”, diz o texto.

Sobre os direitos civis de homossexuais, Dilma é mais subtil na forma, mas não menos reaccionária no conteúdo. De maneira velada, a candidata se refere a “temas concernentes à família”. Fica claro, porém, que temas são esses ao citar o Projecto de Lei 122 e o Plano Nacional de Direitos Humanos 3.

O PL 122 é o projecto que prevê a criminalização da homofobia para impedir que homossexuais sejam agredidos, humilhados e discriminados de qualquer maneira ou impedidos de trabalhar por causa de sua orientação sexual. O compromisso de Dilma é sancionar o projecto, mas apenas “nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil”.

O problema é que, para as igrejas, o fato de ser gay ou lésbica já é um atentado à família. Desta forma, as mulheres vão continuar morrendo nas clínicas clandestinas, e os gays continuarão sendo espancados e tratados como demónios ou doentes.

Quanto ao PNDH3, ao qual se refere Dilma, a sua publicação por si só já tinha sido um retrocesso. O governo retirou da versão o apoio à descriminalização do aborto e as cláusulas que permitiam ampliar os casos de aborto legal.

Mais uma vez, não basta ser mulher

Completamente desmoralizadas pelo próprio PT, as feministas governistas assumem o vale-tudo eleitoral. O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, disse que “foi um erro ter-se pautado internamente por algumas feministas”.

Mesmo assim, de forma constrangedora, a Marcha Mundial de Mulheres, a principal organização feminista abertamente governista, limita-se a defender a eleição de Dilma. A manchete do site da Marcha, desde sábado, 16, é “Vamos eleger Dilma Rousseff Presidenta do Brasil”. O texto foi publicado um dia depois de Dilma lançar o seu manifesto e é assinado por várias organizações, além da Marcha, como a Via Campesina, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens, Uneafro, etc. As palavras aborto, homofobia e homossexuais não aparecem uma vez sequer na declaração.

No conjunto das organizações governistas, os religiosos também entram sem nenhuma distinção para sectores progressivos, como as Católicas pelo Direito de Decidir: “Queremos nos juntar aos movimentos sindicais, populares, estudantis, religiosos e progressistas para promover debates com a sociedade, desmascarar a propaganda enganosa dos neoliberais e autoritários (…)”. Fica evidente que essas organizações querem a simpatia dos sectores conservadores aos quais Dilma se aliou.

Essa postura é consciente e enganosa. O governo Lula sempre foi tratado por elas como aliado. Assim, enganam as mulheres trabalhadoras e as conduzem à própria cova. Abandonam, na prática, a luta feminista.

Isso coloca na ordem do dia a necessidade e a urgência de se construir um movimento que represente as mulheres trabalhadoras, em que elas possam se organizar e lutar pelos seus direitos. O episódio nos ensina que só é possível garantir direitos com independência total de governos e de religiões.

Muitos passos atrás

Numa coisa Dilma tem razão: a campanha de Serra contra ela é caluniosa. O governo de Dilma, continuando a política de Lula, não tem nenhuma intenção de se confrontar com sectores religiosos.

Quanto a Serra, antes mesmo de começar a campanha, ele já tinha assumido o compromisso que Dilma oficializou no segundo turno: “Eu não sou a favor do aborto. Não sou a favor de mexer na legislação”. Essa declaração foi desnecessária, pois a sua história e a do PSDB e aliados dispensam apresentações.

Ficam sem justificativas os sectores da esquerda, como PSOL e PCB, que defendem voto crítico. Votando em Dilma, estamos a vontar contra o conservadorismo? Quem respondeu foi a própria Dilma… As diferenças entre ela e Serra não existem. Assim, só resta o voto nulo como voto contra o conservadorismo.

Um salto atrás

Nas últimas duas décadas de neoliberalismo temos assistido a uma degeneração moral da sociedade, combinada com um retrocesso brutal dos direitos de mulheres e homossexuais. Vivemos numa sociedade que transforma as mulheres em mercadorias, que podem ser usadas e abusadas. Essa mesma sociedade as joga na fogueira e as deixa morrer aos milhares; utiliza o mercado “rosa”, por um lado, e mantém a homofobia por outro.

Se estávamos caminhando para trás no terreno moral, podemos dizer que estas eleições foram um grande salto nesse sentido. Este grau de interferência das religiões no Estado é o que de fato ameaça a liberdade de crença, e não a descriminalização da homofobia. É isso que atenta contra a vida, e não a descriminalização do aborto.

Dilma e o PT cedem às pressões da bancada evangélica, que ganha cada vez mais espaço no Congresso, defendendo políticas contra os trabalhadores. Cedem às pressões da igreja católica, contaminada pela pedofilia e pelo abuso sexual, que não é capaz de manifestar-se contra a violência às mulheres.

Nós, do PSTU, temos orgulho de defender as políticas que o PT e as organizações governistas jogaram no lixo. Somos a favor da vida das mulheres que morrem nas clínicas e dos homossexuais espancados, humilhados e assassinados.

Vera Guasso
Candidata do PSTU às eleições ao Senado, em Porto Alegre, nas quais obteve quase 57 mil votos

Anterior

PSTU apela ao voto nulo na segunda volta no Brasil

Próximo

Dilma ganhou… e agora?