Editorial do Esquerda Online de 30 de setembro de 2018
No dia em que Jair Bolsonaro (PSL-RJ) deixou o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde se recuperava do atentado que sofreu, multidões tomaram as ruas, atendendo ao chamado do movimento “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, para um protesto contra a sua candidatura reacionária e a extrema-direita neofascista.
Foi uma das maiores manifestações nacionais de nossa história recente. Os dados são imprecisos, mas já se pode afirmar, com certeza, que a soma da presença nos atos nas capitais se aproxima de 1 milhão de manifestantes. Ainda será preciso contabilizar as centenas de outras cidades brasileiras que sediaram protestos. E ainda os mais de 60 atos no exterior. Sem dúvida, um “mar de gente” foi às ruas contra o neofascismo.
Ontem, realmente foi um dia histórico. Muito ainda será escrito sobre sua importância e impacto na realidade brasileira. Mas cinco ideias merecem destaque.
1. O protagonismo das mulheres
Não é mero acaso que foram as mulheres que encabeçaram o lindo movimento de ontem. O protagonismo das mulheres se fez sentir em várias lutas do mundo nos últimos anos, como na Argentina e Espanha. Em especial, chama a atenção a relação entre a luta das brasileiras contra Bolsonaro e as gigantescas manifestações de mulheres contra Trump nos Estados Unidos.
No Brasil já se podia sentir este destaque das mulheres, seja no crescimento das manifestações do 8 de Março e na primavera feminista pelo Fora Cunha e contra o PL 5069.
Suas lutas mostram o caminho. Em 2017, as mobilizações das mulheres foram a ante sala das grandes mobilizações da classe trabalhadora, cujo ápice foi a Greve Geral de abril, contra os planos de ajuste e as reformas reacionárias do governo ilegítimo de Temer.
É o que é mais importante. As mulheres na vanguarda não tem significado isolamento e exclusividade, pois junto com elas, ao seu lado, estiveram ontem amplas parcelas do povo trabalhador, da juventude e do conjunto dos oprimidos. Os atos de ontem foram também marcados pela luta contra a homofobia e o racismo, pelas bandeiras trans, pela luta de todos os que somos alvos da ameaça neofascista. Como estava escrito em vários cartazes: “Se fere a nossa existência, seremos resistência”.
2. Uma manifestação de caráter inédito
Foi um dia para ficar por muitos anos em nossa memória e consciência. Difícil encontrar na história do Brasil registros de um movimento como o de ontem, por sua dimensão gigantesca, às vésperas de uma eleição nacional. Geralmente nos momentos de eleições a atenção fica concentrada na escolha dos candidatos e, no máximo, ocorrem grandes comícios de campanha.
As manifestações deste sábado chamam a atenção por buscar interferir positivamente e diretamente na disputa das eleições presidenciais, para tentar mudar o signo negativo do crescimento de Bolsonaro e de sua pauta. E isso sem estar sob controle de apenas um partido ou candidatura. O exemplo dessa unidade deve sempre nos acompanhar, para as nossas lutas no futuro.
3. A hegemonia da pauta da esquerda
Nos dias que antecederam os protestos, alguns setores da esquerda, equivocadamente, falavam dos riscos de que as manifestações fossem usadas pela direita tradicional, especialmente pelo PSDB de Alckmin, para se fortalecer eleitoralmente.
Ledo engano. É importante destacar que elas foram unitárias, convocadas e construídas por amplos setores. Mas quem esteve nas ruas ontem, em todo o país, viu uma ampla hegemonia das pautas e causas da esquerda.
A esmagadora maioria dos presentes não tinha opção partidária, mas não passava despercebido a grande presença da militância da esquerda e das suas principais propostas.
A defesa das liberdades democráticas, o repúdio a todo e qualquer tipo de opressão, a defesa dos direitos sociais e trabalhistas, do investimento em serviços públicos de qualidade, o repúdio às maldades de Temer e a frase “ditadura nunca mais” deram a tônica.
É impossível imaginar que seja a velha direita a se beneficiar politicamente de um movimento tão pela esquerda. Senão, como explicar a pouca cobertura e até mesmo a manipulação das imagens pela grande mídia, muito diferente da cobertura dada para as manifestações dos “amarelinhos”.
É com grande felicidade que devemos comemorar que a esquerda ganhou novamente a hegemonia das manifestações de rua, que sempre deve ser nosso palco principal.
E também a enorme simpatia e receptividade aos candidatos e propostas do PSOL, fruto de uma aplicação correta da frente única nesta espetacular mobilização.
4. Os impactos sobre a realidade brasileira
Ainda é cedo para tirarmos todas as conclusões e lições do dia de ontem. Mas, com certeza, será uma dia para comemorarmos por muitos anos.
Não temos dúvida da grande importância de derrotarmos Bolsonaro nas urnas, se possível não deixando nem que chegue ao segundo turno. Estaremos empenhados ao máximo nessa tarefa nessa última semana de campanha.
Uma coisa é certa: podemos ter a convicção que a luta contra a extrema-direita neofascista no Brasil não será apenas eleitoral.
Depois desta nova “primavera das mulheres”, sabemos que essa luta será travada principalmente nas ruas, com manifestações que impeçam a escalada reacionária e conservadora representada por Bolsonaro e seus aliados. Nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade.
O movimento “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” já discute a convocação de uma nova data de manifestações nacionais. É muito importante que essa luta siga, para derrotarmos Bolsonaro nas ruas e nas urnas.
5. A importância de votar em mulheres do nosso povo
Estamos a apenas uma semana das eleições. E isso não pode ser ignorado. O impulso dos atos deve ser aproveitado ao máximo para avançar em outra luta muito importante – superar a nefasta subrepresentação das mulheres na política brasileira.
Só para dar exemplos desse absurdo: de 513 deputados federais, apenas 54 são mulheres (cerca de 10%). O mesmo se repete em relação a representação negra, indígena e LGBT. Dos 513 deputados federais, temos hoje apenas um LGBT.
Em um ranking internacional de representação política das mulheres, com 192 países, o Brasil ocupa o vergonhoso 152º lugar. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, dos 70 parlamentares, temos apenas oito mulheres. Logo onde a quinta vereadora mais votada da capital, Marielle Franco (PSOL), foi executada sumariamente há seis meses, num crime evidentemente político, ainda sem resposta. Uma vergonha.
Não se trata apenas de defender o voto em mulheres. Mas de afirmar a importância de elegermos mulheres que se identificam com as causas e pautas levadas nos protestos de ontem.
Por isso, nessa última semana de campanha, vamos para as ruas, praças, locais de trabalho, estudo e moradia afirmar em alto e bom som: “ajude a eleger uma mulher do nosso povo”, “eleja mulheres da esquerda”, “mantenha viva a semente plantada por Marielle”, entre tantas outras ideias a favor do fim do horrendo preconceito e da intolerável violência contra as mulheres, negros e negras e lgbts.
E tendo a certeza que esse movimento pode ser um importante ponto de apoio para seguir na luta em defesa dos direitos e conquistas de toda a classe trabalhadora e do povo brasileiro, atacados brutalmente pelo golpista Temer. Mais uma vez, com as mulheres à frente, até a vitória!