Os dois partidos do Governo federal alemão foram os mais castigados pelo eleitorado. A política neo-liberal, de repetir sempre a mesma cassette, e impor mais do mesmo, alimentou um salto espectacular da extrema-direita.
Entre os dois, o mais castigado foi o SPD. De nada lhe serviu substituir os seus dirigentes mais queimados no Governo por um Martin Schulz que andara pela Europa e fora poupado ao odioso da governação. Em muito pouco tempo, extinguiram-se os primeiros fogachos de entusiasmo que a substituição desencadeara: na substância, Schulz não tinha para oferecer nada diferente dos seus correligionários. O candidato a chanceler que era suposto ser a “arma secreta” da política eleitoral do SPD tornou-se a face visível da sua maior derrota eleitoral desde 1949.
Escaldado com a derrota, logo o SPD anunciou pomposamente que recusava uma nova aliança com a CDU, para não deixar a oposição nas mãos da extrema-direita. Poderá ser verdade, mas de anúncios destes está o inferno cheio. Daqui até ao Natal, que é o prognóstico “optimista” de Merkel para concluir as negociações de uma nova coligação, muita água vai correr sob as pontes.
A chanceler já disse que quer voltar a falar com o SPD. Os outros parceiros potenciais que tem à mesa (liberais, verdes e social-cristãos) odeiam-se cordialmente uns aos outros e puxam cada um para seu lado. Um SPD que começou por recusar negociações de coligação tanto poderá manter-se nessa recusa como colher as vantagens de ter aumentado a sua cotação, por dizer que não estava interessado.
Se se confirmar que fica de fora, não será por fidelidade a qualquer princípio (onde eles já vão, os princípios todos, para o SPD!) e sim por estratégia de recomposição eleitoral. Na verdade, nenhum abismo o separa da CDU. A política que a “Grande Coligação” esteve a fazer na última legislatura não foi inventada pela CDU e sim pelo próprio SPD, durante o Governo em aliança com os verdes, na primeira década do século – o governo de composição aparentemente mais “à esquerda” que alguma vez existiu na Alemanha do pós-guerra.
Mas a aparência “esquerdista” desse governo serviu-lhe afinal para ser o verdadeiro iniciador da grande viragem neo-liberal. A legislação anti-laboral conhecida como “Agenda 2010” foi concebida e posta em prática pela dupla Fischer-Schröder. Com a criação do “subsídio de desemprego II”, esse Governo expropriou as poupanças de mais de quatro milhões de trabalhadores e precarizou drasticamente as relações de trabalho. A revolta de massas que na altura se ergueu contra a viragem neo-liberal foi sufocada pelos sindicatos, desesperadamente apostados em salvarem um governo que era da mesma cor.
A política de Merkel e Schäuble só teve de prolongar, quase em piloto automático, a viragem que o SPD tinha iniciado. O fracasso da campanha eleitoral de Schulz explica-se muito mais pela sua identidade partidária com Schröder do que pela aliança governamental com Merkel. Toda a sua retórica de campanha a reclamar “justiça social” soava a falso. Todo o teatro que venha a fazer, se ficar na oposição, contra a “Agenda 2010”, será desmontável com a simples pergunta sobre a autoria desse pacote legislativo infame.
Para combater o prosseguimento da política anti-popular, seja por uma nova edição da mesma fórmula, seja pela aliança direita-liberais-verdes, e para combater a ascensão da AfD, será necessária uma alternativa de luta, com presença social militante e com uma intervenção activa em todas as batalhas políticas.
António Louçã