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Holanda: uma crónica pós-eleitoral

A 15 de Março os neerlandeses foram  em massa às urnas para eleger um novo Parlamento. As expectativas e a ansiedade sobre os resultados eram enormes, pois o número de eleitores indecisos nunca tinha sido tão elevado. A maioria silenciosa era a grande incógnita e o seu voto era temido por todos os políticos com responsabilidades governativas.

Os especialistas previam que, apesar da grande recuperação e ascensão económica, os partidos do governo, o PVdA (Partido do Trabalho) e o VVD (Partido pela Liberdade e Democracia), seriam punidos pela sua política neo-liberal e responsáveis pelo desmantelamento das políticas de apoio social nas áreas da saúde, da Educação e do trabalho.

Juntos, e em cooperação com outros partidos social-democratas, criaram leis que simplificam os despedimentos ,introduziram os contratos flexíveis de trabalho e aumentaram a idade da reforma para os 67 anos e 3 meses para todos os trabalhadores sem exceção. O valor das reformas baixou e os subsídios de apoio social foram congelados.

O sistema de saúde neerlandês é exclusivamente privado, pelo que cada cidadão com idade superior a 18 anos é obrigado a contrair seguros no valor médio de €110 mensais e as despesas são acrescidas pelo risco próprio de  €385 anuais por segurado, sem ter em conta os rendimentos do mesmo. A assistência a idosos e a doentes crónicos, que era exemplar, foi privatizada e, por isso, é agora quase inexistente, muito dispendiosa e de má qualidade.

Os estudantes no ensino superior perderam as bolsas estatais, a que todos tinham direito e as propinas sobem anualmente.

Esta política de precariedade e de ataque às camadas mais baixas e frágeis da sociedade (os jovens, os idosos, os doentes crónicos e os operários) tem gerado o descontentamento geral dessas mesmas camadas e tem agravado a dicotomia autóctone/imigrante. A xenofobia tem-se institucionalizado a todos os níveis e manifesta-se em racismo e discriminação ativa de grupos étnicos, principalmente islâmicos. Esta situação de descontentamento e de apreensão ativa tem sido canalizada  contra os muitos refugiados vindos maioritariamente da Eritreia, Síria e Somália.  Quando o fluxo de refugiados atingiu os Países Baixos, o ódio dos neerlandeses era tanto patente como latente e os atos de violência eram reais. O que fizeram os partidos regentes? Deitaram lenha para a fogueira e deixaram arder, para ter motivo para forçar a Europa a fechar as suas fronteiras, para, segundo eles, reporem a estabilidade social e económica e para defenderem os seus valores, supostamente cristãos. Resultado, o acordo entre a Grécia e a Turquia e o encerramento  das fronteiras externas do Forte Europa e o apoio ao ditador turco.

Os descontentes, por não se reconhecerem nem serem ouvidos pelos partidos políticos regentes, encontraram um ouvido atento e interesseiro no PVV (Partido para a Liberdade), partido autocrático e populista, sem programa nem estatutos e sem militantes, criado por Geert Wilders, fascista, nacionalista e islamofóbico. Desde o início tem manipulado e canalizado esse descontentamento em ódio e intolerância. Segundo Wilders, a solução para todos os problemas é a proibição do Alcorão e a expulsão dos islâmicos. Quanto maior o descontentamento social, maior é o número de apoiantes ao PVV e a bipolarização na sociedade neerlandesa entre os neerlandeses e os muito estrangeiros que nos Países Baixos trabalham.

As eleições de 15 de Março decorreram neste contexto sócio-político.

Os especialistas previam a vitória de Wilders, mas o presidente turco, Erdogan , salvou o primeiro-ministro do governo anterior, ao provocar o maio conflito diplomático de que há história. Segundo alguns comentadores, Mark Rutte terá propositadamente deixado o problema escalar, para aumentar a sua popularidade no campo autóctone que receia e concorre no mundo do trabalho com os imigrantes  e para afirmar a sua autoridade a nível nacional e internacional e se consagrar como o grande defensor dos valores democráticos e para mostrar aos estrangeiros em geral e aos turcos em especial, que os seus direitos neste país são limitados e para lhes exigir lealdade absoluta e exclusiva ao Estado Neerlandês. Deste modo, entrou no campo do seu rival à direita, Geert Wilders e conseguiu roubar-lhe muitos votos, ajudado também pela má figura que Trump tem feito nos EUA. Enfim, todas as circunstâncias estavam do lado de Rutte.

O VVD e os outros partidos social-democratas de orientação cristã e unionistas, venceram estas eleições e continuarão seguramente a política neo-liberal e de intolerância de Mark Rutte. Outro vencedor é a Esquerda Verde, que de esquerda nada tem e que já se declarou desejoso de formar governo com Mark Rutte. Numa coligação de quatro partidos irão dar continuidade à política do governo cessante. Enfim, todos se mostram impacientes em participar no governo a formar.

O PVdA foi dizimado, pois  os milhares que nele tinham votado em eleições prévias, na sua maioria operários e imigrantes, voltaram-lhe as costas desiludidos e revoltados. Infelizmente, à falta de um partido verdadeiramente de esquerda em que confiassem, confiaram o seu descontentamento e a sua esperança a partidos populistas do centro e da direita que tudo têm feito para virar diferentes grupos da sociedade uns contra os outros: é o dividir para reinar.

Outros, principalmente islâmicos, sentindo-se rejeitados pela sociedade em que vivem e para cuja riqueza contribuem diariamente com o seu trabalho, deram o seu voto a um partido criado por dois cidadãos de origem turca e com ideias duvidosas e que elegeu três deputados.

Conclusão, é urgente o aparecimento de um partido de esquerda que contrarie o liberalismo institucional e que una os descontentes em torno de uma política social de unidade e de solidariedade.

 

Eindhoven, 17 de Março de 2017
Maria da Graça Orge Martins


Cidadã do Mundo, socialista e solidária por natureza.
Residente em Eindhoven, capital tecnológica dos Países Baixos, desde 1991, casada com um cidadão neerlandês e mãe de dois filhos luso-neerlandeses de 23 e 22 anos respectivamente e estudantes de mestrado em Economics na Universidade de Tilburg.
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e professora profissionalizada para o ensino de Português e Inglês para o ensino secundário e para o ensino de Língua e Cultura Portuguesas a universidades estrangeiras.
Professora free-lancer de Português como língua estrangeira a neerlandeses.
Desempenha atualmente as funções, à base de voluntariado, de Assistente de Língua Neerlandesa e de Assistente de Alojamento e de Administração em Vluchtelingen Werk Nederland (Associação Neerlandesa de Apoio a Refugiados), organização não-governamental que representa os requerentes de exílio, a partir do momento em que lhes é concedido o estatuto de Refugiados e os apoia, individualmente, a nível social, jurídico e educacional. VWN é o elo entre o Refugiado e a Autarquia e outras instituições estatais e privadas.

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