extremadireita

Extrema-direita europeia reúne-se e quer repetir a façanha de Trump

“Estamos vendo o fim de um mundo e o nascimento de um novo”. Estas foram as palavras de Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita francês, Front National, este fim de semana num encontro da extrema-direita europeia em Koblenz, na Alemanha.

Reivindicando a vitória de Donald Trump e o Brexit, Le Pen continuou: “estou certa de que este será o ano em que o continente Europeu irá também acordar”. No mesmo tom, Geert Wilder, líder do Partido da Liberdade, partido anti-islâmico holandês, afirmou aos conferencistas: “ontem uma nova América, hoje Koblenz, amanhã uma nova Europa”. A vitória de Trump insuflou a confiança das diversas formações de extrema-direita xenófoba presentes. Não por acaso, Geert Wilder, uma das “estrelas” do evento, apresentou o encontro de Koblenz com o mote #Makeourcountrysgreatagain (“fazer os nossos países grandes de novo”).

O encontro teve como anfitrião o AfD, Alternativa para a Alemanha, a mais recente formação  xenófoba a dar nas vistas, e foi organizado pelo Europe of Nations and Freedom (Europa das Nações e da Liberdade), que congrega 40 deputados do parlamento europeu de nove países. O objectivo foi anunciar uma ofensiva destes partidos sobre uma Europa em crise.

Não por acaso o encontro de Koblenz se deu imediatamente após a vitória de Trump e no início de um ano marcado por eleições – na Holanda, França e Alemanha – onde a extrema-direita vai ter o protagonismo central, sendo até candidata à vitória na França e na Holanda.

Marine Le Pen foi a figura central do evento. Foi ela que conseguiu transformar a extrema-direita de novo numa opção eleitoral de massas na Europa. O primeiro turno das eleições presidenciais francesas será disputado entre ela e o candidato de direita conservadora, François Fillon, e foram recentemente publicadas sondagens demonstrando que Le Pen pode ganhar o primeiro turno.

Também em Abril serão as eleições na Holanda e o Partido da Liberdade de Geert Wilders, aparece em primeiro lugar nas intenções de voto. No encontro de Koblenz, o líder populista holandês afirmou que, devido à imigração de origem árabe, no seu país as mulheres tem de esconder os cabelos loiros. Apesar de uma subida vertiginosa nas sondagens no ano passado, Wilders perdeu espaço nos últimos meses para o partido de direita liberal, VVD, que aparece em segundo lugar.

O partido anfitrião, AfD, Alternativa pela Alemanha, apesar de ainda não se colocar como candidato à vitória nas eleições, é o novo grande fenómeno na direita europeia. Não é para menos, com 12% nas sondagens, tornou-se o primeiro partido de extrema-direita a ter influência eleitoral de massas na Alemanha nos últimos 60 anos. Em 2013 este partido apresentou-se a eleições com uma cara bem mais moderada, colocando ênfase na reforma da União Europeia e no fim da moeda única europeia. Ainda sem o actual discurso racista, já tinha uma perspectiva reaccionária: a Alemanha não deveria gastar dinheiro a “ajudar” países pobres como a Grécia. Porém, em 2014 o AfD adopta um discurso islamofóbico e contra os refugiados, enquanto Frauke Petry, a actual líder, ganhava a direcção partidária afirmando que “o islão não tem lugar na Alemanha”. Desde aí, o AfD conseguiu eleger deputados em 7 eleições regionais, com vários resultados acima dos 20%. Nas eleições de Setembro o AfD irá provavelmente conquistar uma forte bancada parlamentar, dificultando que Angela Merkel consiga uma maioria estável e tornando-se assim o centro da discussão política no país. Embora as suas lideranças o neguem, o AfD está ligado ao PEGIDA, (Patriotas Europeus Contra a Islamização do Ocidente), que tem levado milhares às ruas contra os refugiados. Angela Merkel, que inicialmente tinha  uma política de relativa abertura, já reagiu ao crescimento da extrema-direita e anunciou o corte de apoios aos refugiados e a proibição da Burka1

Um projecto contra os povos embrulhado em demagogia nacionalista

Junto a estes arietes da extrema-direita xenófoba, estiveram no encontro outras formações, como a Liga Norte Italiana, o Partido da Liberdade austríaco e o Interesse Flamengo, da Bélgica, todas elas convergindo no discurso xenófobo e na proposta de projectos autárquicos de cada um dos seus países imperialistas. 

Os partidos tradicionais, sobretudo a social-democracia, perdem cada vez mais espaço e  a esquerda, que cresceu de forma importante em alguns países, encontra-se sem estratégia, após a capitulação do Syriza. Os planos de austeridade sucessivamente aplicados a partir do centro-direita e centro-esquerda, mostraram que o projecto da União Europeia falhou. A crise dos refugiados importou para dentro das fronteiras europeias a barbárie que a UE, junto com a NATO e os EUA semearam no Médio Oriente e em África. Na ausência de uma perspetiva de mudança radical vinda da esquerda – como vimos, o Syriza, que chegou ao governo na Grécia, não só aprofundou a austeridade como reprimiu os refugiados – a extrema-direita ganha espaço. Nos países imperialistas europeus, Alemanha, França, Inglaterra, apoia-se no nacionalismo da classe média e de parte da classe trabalhadora para apontar numa saída xenófoba, de um reforço de cada imperialismo nacional, em detrimento da aliança que o Euro e a UE configuram.

É daí que surge a oposição destas forças política ao euro e à UE. Para a extrema-direita a saída do euro não é para parar a austeridade, mas para substituir a austeridade europeia pela austeridade nacional de cada um dos países. Algumas destas forças procuram alinhar-se com Trump, recém-eleito nos EUA e Putin, que já fizeram reuniões com Marine Le Pen. O objectivo é impor uma saída para a crise capitalista mais dura ainda para os trabalhadores e os povos, que ameaça com novas tensões nacionalistas que no passado dilaceraram a Europa com as duas grandes guerras e o Holocausto Nazi.

É certo que nenhuma destas formações é directamente fascista – ainda nenhuma delas usa métodos de violência física contra os imigrantes ou contra a esquerda, mas também seria uma erro confundi-las com a direita tradicional, liberal ou conservadora. Não por acaso na esteira destes partidos crescem movimentos como o PEGIDA, esse sim, que tem contornos neo-nazis e actua nas ruas contra os imigrantes. O crescimento de uma direita abertamente fascista também é um  enómeno real ainda que mais marginal, que se pode ver também na Grécia e na Hungria, assim como na viragem à direita do governo de Erdogan na Turquia. Tempos perigosos estão de volta à Europa.

Colocar a esquerda em marcha contra a a xenofobia e a austeridade

Não é, no entanto, uma fatalidade a ascensão da extrema-direita. Trata-se de uma disputa pelo futuro da Europa e pela consciência dos trabalhadores e até das classes médias em que a esquerda deve colocar-se na ofensiva. Os últimos dias dão-nos sinais de como isso pode ser feito. À porta do encontro de Koblenz, manifestaram-se cerca de 3 mil pessoas. O protesto contava com uma convocatória ampla, que ia desde o partido de esquerda Die Linke, ao SPD, incluindo diversos sindicatos. As manifestações por todo o mundo contra Trump também são o exemplo da unidade de acção necessária nas ruas.

Além da unidade de acção nas ruas, é preciso levantar uma alternativa de esquerda para a crise europeia, que se oponha às propostas nacionalistas e xenófobas, mas também à austeridade, ao Euro e aos actuais governos europeus, de centro-esquerda ou centro-direita. A formação política Anticapitalistas, corrente interna do Podemos espanhol veio propor-se recentemente a organizar uma grande Conferência Anti-Fascista em Madrid, com toda a esquerda da Europa e dos EUA. A possibilidade de organizar um evento com muito mais força e participação que o encontro de Koblenz é real. Seria uma expressão de que as forças sociais e políticas necessárias para travar a ultra-direita existem. Porém não basta juntar gente em Conferências e mesmo nas ruas, é preciso apontar um caminho de ruptura alternativo ao que a extrema-direita propõe.

Uma alternativa ao euro e à UE, que una os povos numa aliança pelo pleno emprego, contra a política imperialista da UE dentro e fora das suas fronteiras, pelo acolhimento e integração dos refugiados, pelo fim imediato de toda a austeridade e a reconstrução dos serviços de saúde, educação e segurança social na Europa. Só a ausência desta perspetiva anticapitalista por parte da esquerda é que pode permitir que a extrema-direita cresça. Porém é preciso ultrapassar as limitações que a experiência grega apontou: só é possível salvar os povos europeus rompendo com o Euro e a UE, sem governar com os partidos da austeridade, de centro-esquerda e centro direita. Sem uma ofensiva unitária da esquerda em torno de um programa de ruptura, será a extrema-direita a destruir a União Europeia, para substitui-la por diversos projectos nacionalistas e imperialistas, ameaçando o velho continente.

NOTAS

1 Burka: véu islâmico integral, que, na verdade, é muito raro nas comunidades turcas e árabes que vivem na Alemanha;

Anterior

A Grécia vive numa Dívidadura

Próximo

“Queremos Acolher”: a propósito da manifestação em Barcelona