Hoje vou falar um pouco sobre o que fez rebentar a ira dos trabalhadores gregos bem como sobre outros elementos interessantes que estão presentes na actual situação política grega. O governo do suposto “partido socialista” (Pasok) resolveu, para atacar aquilo a que chamam de crise, cortar nos salários dos trabalhadores, primeiro de todos os funcionários públicos e pensionistas e já se fala que o farão para os trabalhadores do sector privado. Os cortes são na ordem, em muitos dos casos, de cerca de 30% do salário e por mês. A particularidade da realidade grega é que devido às (más) negociações das burocracias sindicais com o poder ao longo dos últimos anos, um funcionário público tinha um (relativo) baixo salário, na ordem de uns 800 euros mas que era compensado com vários extras (de acordo com o facto de se têm filhos a cargo, se dominam outras línguas, etc) com o que poderiam fazer crescer o salário para quase o dobro. Os cortes, calcula-se que em muitos casos podem atingir cerca de 300 euros por mês ou um pouco mais, o que equivale a uma renda de casa, por exemplo.
Desde que cheguei a Atenas que me intrigava como se processaria uma greve geral na Grécia. Primeiro, se parariam todos e a maioria dos sectores do mundo do trabalho, segundo, se se realizariam ao mesmo tempo (e sempre) greves gerais e grandes manifestações de rua. Na verdade, em Portugal, não só não tem havido greves gerais (a última teve lugar a 30 de Maio de 2007 e não foi tão geral assim), nem foi seguida de nenhuma manifestação no mesmo dia. Pois na Grécia, todas as greves gerais são com manifestações de rua (e não só em Atenas em que na recente greve geral de 5 de Maio estiveram na rua, só em Atenas 350.000 pessoas) e igualmente seguidas com massivas manifestações em muitas outras cidades gregas. Um dirigente do OKDE dizia-nos que há uma forte tradição de democracia operária na Confederação Nacional dos Trabalhadores que permite que todas as correntes se manifestem e mobilizem para estas gigantescas manifestações de rua. Mas há um outro factor, digamos que mais forte ainda, a maioria que se desloca à manifestação é espontânea, não é controlada por ninguém, vem descarregar a sua raiva contra as medidas de austeridade do governo. Os sindicatos estão lá com as suas (cada vez mais exíguas) colunas mas onde predomina os trabalhadores anónimos, que não se revêem em nenhuma força política nem em nenhuma estrutura sindical. Um exemplo só. A central sindical que chamou à última greve geral e manifestação é dirigida por um dirigente sindical próximo do partido do governo e para protegerem o homem (e o seu discurso de ocasião) de uma ‘chuva’ de pedras, frutas ou ovos por parte da maioria da manifestação, as primeiras filas eram ocupadas por adeptos do dito dirigente sindical e as ‘pancartas’ eram levantadas bem no alto para evitar que este fosse atingido no palco, a tal ponto que nem se quer se via a cara do orador. Contudo, estas manifestações fazem-me recordar as mais recentes manifestações de massas de professores em Portugal, entre 2005 e 2008 (com mais de 100.000 professores), em que as pessoas deslocavam-se a um acto convocado pelo sindicato mas a larga maioria nada tinha que ver com o sindicato e, muito provavelmente, nem sindicalizado estava. Ainda que, neste caso, reconhecessem alguma credibilidade a quem iria discursar. Não esqueçamos que nestas manifestações, em Portugal, predominam figuras próximas de alguém que faz oposição ao governo do PS e que na Grécia a manifestação é “presidida” por um dirigente sindical próximo do partido do governo ainda que a larga maioria dos presentes na manifestação nada tenham que ver nem com o partido do governo nem com nenhuma força política.
Outra particularidade da realidade grega na base da classe trabalhadora e que provavelmente antecipa muito do que aí vem em outros países, é o surgimento daquilo que os gregos chamam de sindicatos de base e por empresa. Uma camarada do OKDE é trabalhadora da empresa mundialmente conhecida Vodafone, com mais de 1500 trabalhadores só em Atenas. Contava-nos ela que há pouco tempo ela e mais dois ou três colegas propuseram-se construir um sindicato, ao que aderiram rapidamente algumas centenas de trabalhadores. E não se trata de um sindicato paralelo a nada que exista (pelo menos a classe não o sente assim) dado que os ‘velhos’ sindicatos nunca lá foram para realizar reunião nenhuma nem para organizar ninguém. Assim, meias dúzia de revolucionários, em duas empresas distintas, podem dirigir dois sindicatos num ápice. Isto está a acontecer por muitas empresas por toda a a Grécia.