Quando falámos pela primeira vez com um estudante na Universidade de Arquitectura de Atenas (com 1000 estudantes) e lhe perguntámos como foram as quatro últimas greves gerais no país ele corrigiu-nos de imediato: “Não sei se foram oito ou dez, mas não foram quatro greves gerais…”. Ficámos abismados. E nomearam a primeira, a segunda (em 10 de Fevereiro), a terceira (24 de Fevereiro) a quarta (parece que de dois dias em 21 e 22 de Março) e as seguintes já tinham perdido a conta.
Nem os gregos sabem ao certo quantas foram e quais as datas certas de todas as paralisações dado que foram muitas e todas muito participadas, segundo vários relatos. O estudante de arquitectura disse-me ainda que sabia quando foi a primeira (em 17 de Dezembro de 2009, há cinco meses) e que “algumas” foram de dois dias e não só de um. Aqui parece ser “normal” fazer greves gerais. E quando lhe perguntei de novo se votaram em assembleias parar a escola para aderir à greve geral, consideraram uma “stupid question”, dado que não é preciso realizar assembleia nenhuma, pois a escola encerra para cumprir “normalmente” qualquer greve geral. Mais, também é “normal” haver ocupações das instalações para as concretizar.
E também é “normal” tudo que os meus olhos (de um português) já não viam há décadas. As faculdades (e todas as paredes) inundadas de palavras de ordem pintadas, de panfletos, cartazes, mesas de todos os partidos e forças políticas e/ou sindicais por todos os corredores. Este ambiente de Maio de 68 só o conheci, e por um algum espaço de tempo (dois ou três anos), no período anterior e posterior ao 25 de Abril de 1974, quando da revolução portuguesa.
Pois na Grécia é “normal” (e ainda bem) o que nos parece anormal: não haver inúmeras aulas, é normal não pagar nada para se comer nas cantinas dos estudantes (ainda hoje em dia), é normal não se pagar nem um euro (em Portugal paga-se 900 euros por ano) para se estudar, é normal todo um clima de contestação que se respira no ar quente dos céus de onde se costuma dizer que nasceu a “civilização ocidental”. Ou seja, a ofensiva que aí está dos PEC ainda vai no adro, pois ninguém sabe como assestar uma derrota a estudantes que, bem vistas as coisas, levam à prática um direito inalienável: a gratuitidade do ensino, em particular para os mais pobres.
Mas tudo, para mim, começou na viagem de táxi do aeroporto para o hotel, de modo a pernoitar a primeira noite. Dizia-me o taxista: “Há 22 anos que trabalho de táxi nesta cidade e à noite sempre houve milhares de pessoas nas ruas para passear ou tomar uma bebida, sempre houve centenas de carros nas ruas e agora pode-se olhar para todos os lados e não se vê ninguém”. Concluiu: ninguém tem dinheiro para gastar e fica em casa. E continuou a vociferar contra os políticos (dos dois maiores partidos que se alternam no poder, a Nova Democracia, de direita, e o Pasok, “socialista”, no poder) chamando-nos atenção para o dinheiro que o Estado gasta com as forças armadas por causa de um conflito de fronteiras com a Turquia e ainda dizem que o “Estado está em crise”. O taxista era um trabalhador e não um militante de qualquer partido, mas notava-se que estava informado politicamente e que simpatizava com os protestos que o país vem assistindo e terminou dizendo: “Em Setembro, creio que a contestação vai ser mais forte, pois agora ainda há um clima de férias que se aproximam, mas depois das férias as coisas poderiam ainda aquecer mais”.
Última nota de hoje. Falávamos com um companheiro de uma organização revolucionária (OKDE) enquanto passeávamos pelas ruas de Atenas quando, de repente, notámos algo não muito comum em nenhum país. Ao longo de várias horas não parávamos de ver em muitas esquinas e estradas piquetes e piquetes de polícias de choque, armados com tudo, escudos, capacetes, etc., e com cara de poucos amigos, a pé e de moto (com telemóveis ligados fazendo relatos das movimentações nas ruas e escutando instruções) intimidando com a sua presença ou se preparando para algo que pode “vir a qualquer momento”. Antes, dizia-nos o companheiro grego, nada disto havia nas ruas. E ainda estamos a dois dias da próxima greve geral. Ansiosos estamos.
Gil Garcia
18 de Maio de 2010