Os trabalhadores de toda a Europa estão ao lado dos trabalhadores gregos!
Os trabalhadores gregos, com a sua corajosa luta, estão a dar o exemplo de que como deve proceder a classe trabalhadora europeia frente à chantagem dos seus governos e os seus planos de austeridade. Greves gerais e mobilizações de massa, cada vez mais radicalizadas, sucedem-se naquele país, cujo governo, liderado pelo partido socialista grego (PASOK) do primeiro-ministro George Papandreou, quer impor aos trabalhadores e ao povo grego medidas ainda mais duras que as contidas no PEC português.
Do plano acertado entre Papandreou, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional constam medidas como: substituição de apenas 1 em cada 5 reformados na Função Pública; redução em 10% dos gastos com a segurança social; congelamento das pensões de reforma; redução de 15% dos salários; aumento da idade da reforma para os 67 anos; maiores facilidades para o despedimento; privatização de empresas e serviços públicos; aumento do IVA para até 23%, novos empréstimos de fundos públicos para a banca privada (mais 17 mil milhões de euros).
A crise vivida hoje na Grécia não foi causada pelos trabalhadores, mas sim pelos mesmos que agora lhes apresentam a factura: os grandes capitalistas, em especial os armadores, e a banca nacional e europeia. Os mesmos que se banquetearam com dividendos, benefícios fiscais de todo o tipo e remunerações demenciais, como os famosos gestores portugueses, querem agora que sejam o povo e os trabalhadores gregos a pagar a crise. Mas os trabalhadores estão a dar uma resposta à altura. Dizem não.
Quem criou o défice grego?
De Felipe Alegria
A Grécia vive o final abrupto de uma etapa de crescimento apoiada num enorme endividamento público e privado e nas subvenções europeias. Uma etapa da qual os grande beneficiários foram a banca alemã, francesa e britânica, que financiaram o endividamento, e as grandes multinacionais alemãs (e francesas) que se apossaram do mercado grego, à custa de criar um enorme défice comercial (superior a 10% do seu PIB).
Foram estas empresas que lucraram com o desenvolvimento da rede telefónica e energética do país ou monopolizaram a renovação das frotas de táxis e eléctricos gregos, recorrendo a subornos generalizados, como no caso da alemã Siemens. Durante este período, a economia grega foi fortemente desnacionalizada, com a companhia telefónica OTE controlada pela Deutsche Telecom, as linhas aéreas nacionais privatizadas e até os portos vendidos à empresa chinesa Cosco. A banca e os grandes empresários gregos somaram-se com entusiasmo a uma festa que agravou a desigualdade social num dos países europeus onde esta era mais acentuada (80 grandes armadores possuem um património equivalente a todo o PIB grego).
Mas com o início da crise financeira mundial, tudo se veio abaixo, deixando o país indefeso perante o capital financeiro europeu, enquanto os pilares da economia grega – o turismo, a indústria naval e a construção – entravam numa profunda queda e os bancos gregos (cuja dívida foi rebaixada pelas agências de qualificação para a categoria de “bónus lixo”) apareciam, descobertos em negócios dos países do Leste, à beira da falência.
A Grécia encontra-se imersa numa profunda recessão. Em 2009, o seu PIB retrocedeu 2% e apresentou um défice público de 12,7%, que elevou a dívida pública grega até 115% do PIB (para este ano prevêem 125%). O pagamento de juros representa já 15% da renda pública. Cerca de 60% desta dívida está em mãos de bancos alemães, franceses e britânicos, que são credores de uma dívida total que duplica o PIB grego. O desemprego reconhecido está em 10% e avança rapidamente.
A reacção da União Europeia
A crise grega colocou a UE numa situação limite. Quando Hungria, Roménia ou Letónia (que são membros da UE mas não da zona euro) estavam a ponto de suspender pagamentos, a UE encarregou o Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem a UE trabalha lado a lado nos “planos de ajuste” que estão devastando estes países, do “salvamento”. Mas a Grécia é uma país da zona euro e a entrega do “resgate” ao FMI representaria não somente um enorme descrédito da UE, como também a intromissão dos EUA (através do FMI) no controlo do Banco Central Europeu (BCE) e das finanças públicas europeias.
O capitalismo alemão (cuja banca é a principal ameaçada pelo “default” grego) sabe que está obrigado a intervir, e que o vai ter que fazer, mesmo ignorando as normas que ele mesmo impôs, que proíbem aos estados da UE e ao BCE “resgatar” um país membro em quebra, a não ser em virtude de “desastres naturais ou circunstâncias que escapem ao controlo dos Estados”. Mas impôs condições draconianas para a “ajuda”: só será concedida se a Grécia cumprir um brutal programa de ajuste imposto pela UE e se entrega a esta o controlo de sua economia.
Chama a atenção o escândalo mediático montado pela falsificação das contas gregas (orquestrada pelo banco norte-americano Goldman Sachs, em troca do embolso de 300 milhões de euros), quando eram perfeitamente conhecedores dos factos e quando foram muitos países, inclusive Alemanha e França, os que recorreram à “contabilidade criativa” no momento de acesso ao euro.
Os que se beneficiam com o resgate da UE e do FMI
Foi dado um ultimato para a Grécia: ou aceita as nossas condições de “resgate” ou será expulsa do euro. O “plano de ajuste” da UE significa devastar o país e destruí-lo em benefício do capital financeiro. A sua saída do euro, no marco do reconhecimento da dívida e do capitalismo, significaria, igualmente, chegar à mesma ruína, só que de modo mais brusco, à maneira argentina: através de uma enorme desvalorização, uma dívida acrescentada pela própria desvalorização, a suspensão de pagamentos, o empobrecimento súbito do país, um acelerado retrocesso económica e uma grande inflação importada.
A crise grega mostrou cruamente que na UE só mandam Alemanha e França, e que a UE é, antes de mais nada, um instrumento do capital financeiro alemão e francês e que este converteu a Grécia num protectorado económica, em que todas as medidas económicas são impostas e controladas desde fora pelas duas principais potências europeias. Este submetimento de um povo orgulhoso como o grego chegou à humilhação quando, no mesmo dia em que Papandreu se entrevistava com o francês Sarkozy e demonstrava a sua vassalagem, anunciavam a compra pela Grécia de 20 aviões Eurofighter da Alemanha e seis fragatas da França.
Mas a vassalagem da Grécia não é algo casual. Longe de ser um caso isolado, marca o caminho da periferia da UE. Na realidade, a “governação económica europeia” de que falam não é outra coisa além disso.
A crise da União Europeia
A UE tem um problema de fundo insolúvel: é que, ao contrário dos EUA, não é (nem nunca será) um Estado único, com um governo e orçamento únicos e regras comuns. É, pelo contrário, um bloco imperialista de Estados, dominado por seus dois imperialismos centrais, Alemanha e França (rivais entre si), no qual se agrupam imperialismos de segunda e terceira divisão, junto a países, como os do Leste, que são semicolónias económicas das grandes potências europeias, em particular da Alemanha.
A criação da União Monetária Europeia não se deu sobre a base de um Estado unificado, mas sobre o estabelecimento do domínio financeiro directo do imperialismo franco-alemão, através do BCE, sobre um conjunto de países tremendamente díspares, que renunciaram a emitir moeda e a ter uma política monetária própria. Isto permitiu uma poderosa expansão e fortalecimento do capitalismo alemão e francês, que aproveitou a época das “vacas gordas” para alargar e fortalecer o seu domínio comercial e industrial no mercado europeu. Mas agora, com a crise, alteram-se as contas, e os enormes fundos emprestados pelos bancos alemães e franceses correm perigo e se afundam os mercados de exportação de suas multinacionais.
De facto, o problema, na realidade, não é a Grécia, que representa apenas 2,7% da economia da UE. Wolfgang Münchau, director associado do Financial Times, num recente artigo (Por que me preocupa mais Espanha do que Grécia”), diz: “Pode ser que a Alemanha mostre-se relutante em resgatar a Grécia, por todo tipo de razão, mas a Alemanha o fará. Mas não é concebível que a Alemanha possa resgatar a Espanha. Alemanha e França juntas não podem resgatar a Espanha. A Espanha é demasiado grande”. E a questão não é apenas a Espanha, porque o seu “default” arrastaria Portugal, Itália, Irlanda ou a própria Bélgica. O contágio significaria o colapso do euro, da zona euro e da própria UE, e abriria uma crise de dimensões desconhecidas.
A aguda crise dos países da periferia europeia se dá, além disso, em meio a uma onda depressiva que afecta igualmente de cheio aos imperialismos centrais europeus. O retrocesso do PIB alemão em 2009 foi de 4,9% e o da França de 2,2%. Nos casos da Itália e Grã-Bretanha, alcançou 4,8%. Para este ano, a UE prevê um crescimento raquítico (“crescimento” com desemprego crescente) sobre o qual pende – advertem – o perigo de uma “recaída”, como consequência da retirada de ajudas governamentais.
A dívida pública da Alemanha, França e Grã-Bretanha alcançará ou superará 80% do PIB em 2010. Para não falar da Itália (ou Irlanda), que chegará a 120%, como Grécia. Com a carga cada vez mais insuportável de juros que isso representa. As emissões de dívida pública previstas para 2010 de França, Alemanha e Itália são enormes, da ordem de 25% de seu PIB.
Apoiar os trabalhadores e o povo grego, romper com a UE, levantar a bandeira da Europa dos trabalhadores e dos povos A crise grega desencadeou uma declaração formal de guerra social do grande capital europeu e coloca a Europa numa situação nova. Para salvar-se, necessitam atacar frontalmente as conquistas da classe trabalhadora, inclusive a dos países centrais, e empobrecer e submeter à vassalagem os países da periferia, como a Grécia. O seu objectivo último é impor um retrocesso de décadas.
Situações como a da Letónia, país membro da UE “resgatado” conjuntamente pelo FMI e pela UE, mostram até onde podem chegar as suas pretensões: a economia da Letónia, submetida a um “programa estratégico de desvalorização interna”, retrocedeu em apenas dois anos mais de 25% (18,3% em 2009), o que é equiparável à destruição de um país em consequência de uma guerra ou catástrofe natural de enormes proporções.
Há uma esquerda que propõe a “democratização” da UE e exige dele uma política “social e ecológica”. Isto, que parece um programa “realista”, é, na realidade, uma quimera reaccionária. A UE é um instrumento do grande capital europeu contra os trabalhadores europeus e contra os povos do mundo, um colosso antidemocrático que não admite reforma. E, ainda que tal não seja desejado pela maioria da esquerda, o período aberto na Europa obrigará a retomada da via revolucionária. Porque não poderemos enfrentar a brutal ofensiva capitalista e assegurar a verdadeira unidade europeia sem tomar medidas de expropriação do capital e sem nos unirmos numa Europa dos trabalhadores e dos povos.
A dura realidade é que a Grécia só pode enfrentar a situação catastrófica que lhe ameaça declarando o não reconhecimento da dívida que a sufoca, rompendo com a UE e adoptando medidas drásticas como a expropriação da banca, a nacionalização das empresas estratégicas sob controlo dos trabalhadores, a escala móvel de horas de trabalho para que trabalham todos e o estabelecimento do monopólio do comércio exterior. Com plena consciência, além disso, de que os seus problemas não poderão ter solução isoladamente, mas com o apoio da classe trabalhadora europeia e na criação dos Estados Unidos Socialistas da Europa.
Estamos no princípio de uma grande ofensiva de longo alcance. Mas não vai ser fácil para eles. A combatividade da classe trabalhadora e do povo grego, vanguarda da luta europeia, com as suas cinco greves gerais, não vai torná-la simples. E, ao contrário deste ano e meio de passividade, há mostras de que as mobilizações de resistência vão tomando um impulso sustentado em toda a Europa.
No transcorrer deste longo e complicado processo que agora se abre deveremos ir construindo a nova direcção revolucionária que a classe trabalhadora europeia necessita.