No dia 24 de Fevereiro, na semana passada, o país europeu mais afectado pela crise económica praticamente parou, no segundo dia de greve geral só naquele mês. A Grécia já havia parado no último dia 10, quando funcionários públicos e privados cruzaram os braços contra a política de cortes, aumento de impostos e redução salarial do governo. Desta vez, mais de dois milhões de trabalhadores pararam, registando uma escalada nas mobilizações contra o governo do “socialista” George Papandreou.
Segundo a agência de notícias Reuters, as classes profissionais mobilizadas representam metade da força de trabalho do país, ou 2,5 milhões de trabalhadores. Além dos serviços públicos, pararam bancos, colégios e hospitais, e até mesmo jornalistas e técnicos de TV participaram da paralisação. Os serviços de transportes também pararam, provocando um “apagão” aéreo, com o cancelamento de 400 voos previstos para o dia. O serviço de transporte que faz a ligação entre as ilhas do país também parou, além das estações de comboio. Os pontos turísticos permaneceram fechados durante todo o dia. Apenas uma quantidade mínima de autocarros circulou nas grandes cidades, justamente para ajudar a transportar os manifestantes que realizaram grandes marchas em diversos pontos do país.
Em Atenas, milhares de trabalhadores e estudantes marcharam contra a política de cortes do governo. Os números da imprensa variam de 50 a 200 mil pessoas. Com faixas com slogans como “não vou pagar”, “que os ricos paguem pela crise” e “o povo é mais importante que os mercados”, os manifestantes percorreram o centro da capital grega até o prédio do parlamento. Ao final do ato, enfrentaram a repressão da polícia, que atacou a mobilização com gás lacrimogéneo e cassetes. As centrais que convocaram a greve geral prometem mais mobilizações contra o plano de cortes ainda em Março.
A conta foi para os trabalhadores
A Grécia é o país da Europa mais afectado pela crise internacional. Com um défice superior a 12% do PIB, o país está à beira da bancarrota. Com o aprofundamento da crise, foram reveladas as fraudes contabilísticas realizadas pelos governos anteriores para esconder o buraco e não prejudicar a entrada do país na União Europeia. O enorme rombo foi provocado por anos de neoliberalismo, com a desoneração fiscal das grandes empresas e o incentivo à sonegação. Já durante a crise, o país destinou biliões para salvar os bancos.
Com o aprofundamento da crise, a União Europeia e o FMI pressionam o governo de Papandreou, eleito em 2009 através de uma coalizão de “centro-esquerda”, para aplicar um brutal plano de cortes de gastos. O governo grego já anunciou um corte de 10% nos salários dos servidores públicos (no caso dos professores universitários chegaria a 40%), cortes no gasto público e o aumento nos impostos sobre o combustível e em outros sectores. Quer aplicar ainda uma profunda reforma da Previdência, com o corte de benefícios e a elevação no tempo mínimo de aposentadoria.
Os trabalhadores gregos, porém, não estão dispostos a pagar por essa crise causada pelos banqueiros e estão indo à luta. Na Europa, as mobilizações no país já estão sendo comparadas à greve dos mineiros durante o governo de Margaret Thatcher, na Inglaterra. Em 1984, o governo de Tatcher lançou um profundo ataque para derrotar uma greve de mineiros no país. A derrota da greve marcou o início da hegemonia neoliberal no planeta. Agora, o desfecho da luta dos trabalhadores gregos está sendo visto como um indicador sobre os rumos da crise económica na Europa.
Países como Espanha, Portugal, Itália e Irlanda também enfrentam gigantescos défices e preparam ataques aos trabalhadores a fim de resolver a crise. Desta vez, porém, a história pode ser diferente.
Redacção do Opinião Socialista, jornal do PSTU (Brasil)
A hora da factura
A Grécia é o primeiro país a iniciar uma nova etapa da crise internacional: o país está falido, e o governo de frente popular ataca o funcionalismo público para conter a dívida, mas a resposta das ruas são as maiores lutas sociais desde o fim da ditadura militar, há 35 anos. Portugal e Espanha também correm o risco de quebrar.
A metamorfose
A crise económica internacional, iniciada há dois anos, está se transformando em crise da dívida. A Grécia é o país que melhor representa esta mudança. Com o início da crise económica, em 2008, os governos do mundo todo aumentaram os seus endividamentos e entregaram cerca de US$ 13 mil biliões para os grandes investidores.
No entanto, as facturas vencem, e a periferia da Europa parece não ter condições de pagar as suas dívidas sem recorrer a novos empréstimos. Os países mais endividados, chamados pejorativamente pela imprensa de PIIGS (porcos, em inglês) são Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.
A Grécia, o caso mais crítico, teve em 2009 um défice orçamentário de mais de 12% do PIB, com sua dívida pública superando os 300 mil milhões de euros (cerca de R$ 750 mil milhões). Isso representa mais de 110% do PIB do país.
O velho neoliberalismo
Os países centrais da zona euro (Alemanha e França) receiam que a crise da dívida ultrapasse as fronteiras, aumente a recessão em curso no continente e desestabilize o euro. Com isso, têm pressionado os governos endividados a adoptarem as tão famosas políticas de austeridade fiscal, o velho neoliberalismo.
O discurso criado não é nada original: são apontados como responsáveis pela crise da dívida os efeitos provocados por um suposto Estado de Bem-Estar social grego: privilégios do funcionalismo público, altos salários, rombos da previdência, ineficiência do Estado na gestão da saúde e da educação etc., que estrangularia os cofres públicos.
As razões da dívida
Os motivos reais do endividamento do país, no entanto, são outros. A Grécia não escapou das políticas neoliberais que assolaram a Europa a partir da década de 1990, criando um paraíso para o capital financeiro e tornado os serviços públicos cada vez mais precários.
Desde então, a Grécia é um dos países da zona do Euro que cobra menos impostos das empresas e, além disso, é conhecida por possuir uma enorme sonegação fiscal por parte de bancos e corporações. Inversamente, o sistema fiscal é penoso com os trabalhadores, sendo os impostos sobre os salários uns dos maiores da Europa, de modo que o orçamento público depende quase exclusivamente da taxação dos trabalhadores assalariados e da classe média-baixa.
Como se não bastasse, as empresas, e até mesmo o governo, simplesmente pararam de contribuir para a previdência social, criando um rombo anual de 10 mil milhões de euros. A gota d’água veio com a crise económica internacional, quando os sectores chaves da economia – construção civil, turismo e indústria naval – entraram em recessão.
Para se ter uma ideia da situação, basta uma conta simples. O governo recém-eleito quer cortar do orçamento 25 mil milhões de euros durante os próximos três anos para reduzir o défice orçamentário. No entanto, o governo anterior, do partido da Nova Democracia (direita), em apenas uma noite em fins de 2008, concedeu aos bancos gregos 28 mil milhões de euros para salvá-los da crise.
Em síntese, o governo quer que os trabalhadores que sustentam o Estado paguem mais uma vez pela crise: após o desvio de dinheiro público para salvar o grande capital, agora pretende cortar o orçamento estatal e direitos sociais.
Os ataques do governo
A Grécia tem um governo de colaboração de classes (Frente Popular) desde Outubro de 2009, quando o partido Pasok ganhou as eleições prometendo opor-se à proposta de congelamento dos salários apresentada pelo então governo da Nova Democracia. Além disso, também prometeu aumento da tributação do grande capital e acabar com as evasões fiscais. No entanto, não foram necessários 100 dias para demonstrar o carácter do novo governo.
Ainda em 2009, o recém-empossado primeiro-ministro George Papandreou anunciou as medidas que teria como objectivo conter a crise e retomar a credibilidade do mercado financeiro: congelamento dos salários do funcionalismo público (abrindo a possibilidade de que isso aconteça no sector privado), ampliação dos trabalhos temporários e contratação de apenas um trabalhador para cada cinco que se aposentarem.
Em relação à Previdência, o governo procura realizar um corte de 10% no valor das reformas, aumentar a idade mínima da aposentadoria para 63 anos (actualmente os homens se aposentam com 60 e as mulheres com 55) e substituir o sistema de Previdência Social para fundos de pensão privados e semiprivados.
Além disso, o governo também planeia uma redução de 10% dos gastos públicos, principalmente nas áreas sociais, deteriorando ainda mais a saúde e a educação gregas, consideradas umas das piores da zona do Euro. Por fim, planeia-se a privatização dos portos e dos serviços de água e energia.
“Aos bancos, eles dão dinheiro; aos jovens, eles oferecem… balas”
Também não foram necessários mais de 100 dias para começarem os choques com o novo governo: desde fins de 2009, os trabalhadores do serviço público têm feito manifestações de rua e paralisações. Apesar das traições das lideranças sindicais do Pasok, os actos contrários ao pacote de estabilização têm se intensificado e conseguido uma adesão de massas.
Há três semanas que trabalhadores do serviço público estão acampados em frente ao parlamento. No último dia 10, realizaram uma gigantesca greve geral, com a adesão de amplos sectores, como saúde, educação, transporte aéreo, segurança entre outros.
O sector privado também marcou uma greve geral para o dia 24 de Fevereiro, que deverá ser incorporada, mais uma vez, pelo sector público. Pequenos agricultores rurais também têm se enfrentado com o governo. Em meados de Fevereiro, completou um mês que bloqueiam mais de 30 das principais estradas do país, exigindo subsídios para a produção. A resposta do Pasok tem sido reprimir todas as manifestações com muita violência, tornando a situação política ainda mais instável.
É difícil para os trabalhadores gregos derrotar um governo de Frente Popular recém-eleito. Por outro lado, a Grécia sempre foi um país de intensa mobilização social e, actualmente, passa por um período de retomadas das lutas e de fortes enfrentamentos de rua.
O medo da burguesia é que se tenha um “Dezembro dos trabalhadores”. A expressão faz referência a Dezembro de 2008, quando milhares de jovens protagonizaram as maiores manifestações do país desde o fim da ditadura militar. Após a morte pela polícia de um jovem de 16 anos, as manifestações se tornaram de massas, e a polícia não tinha mais condições de contê-las. A cidade passou a ter actos diários, com regiões da cidade tomadas pelos manifestantes e protegidas por barricadas.
Com a agudização da crise, todos esperam uma retomada dos grandes embates. A greve geral do dia 10 já deu o seu recado: “Nós não pagaremos pela crise!”, diziam os cartazes na manifestação.
Daniel Romero, do Opinião Socialista
18 de Fevereiro de 2010