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Há uma floresta queimada sobre o Brasil


Estava ontem à noite passeando pela minha cidade natal em Goiás, quando me dei conta de que a Lua estava com uma coloração estranha. Era uma espécie de dourado, mas não o que se vê em noite de Lua cheia. Quando chego em casa, descubro que isso é resultado do efeito óptico causado pelas queimadas na Amazônia e na região aonde estou, o centro-oeste.

Céu fica escuro em São Paulo, por conta das queimadas. Reprodução / Instagram Quebrando o Tabu

O jornal mostra que o efeito mais surpreendente foi em São Paulo e Porto Velho, que ficaram submersas em uma nuvem de cinzas. O dia virou noite por lá. O céu não estava preto, nem cinza, mas sim composto por mescla de cores fruto de uma política de governo que incentiva a destruição da floresta. A Amazônia está em chamas. E é isso o que Bolsonaro quer.

Foi o “dia do fogo”, como ficou conhecido esse momento em que grileiros e fazendeiros criminosamente dispararam uma série de incêndios pela floresta. O fogo se estendeu pelos Estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, chegando à tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai. São imensas áreas de floresta Amazônia e de Pantanal que estão há dias ardendo em chamas. Especialistas apontam que desde a década de 1980 não se via tamanha destruição.

O Brasil vive a maior onda de queimadas dos últimos anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O Programa Queimadas, do instituto, registrou que o número neste ano é 82% maior do que o mesmo período do ano passado.

Lembro-me que no dia 14 de agosto a Folha de S. Paulo havia noticiado que fazendeiros do entorno da BR-163, no sudoeste do Pará, haviam anunciado no dia 10 “o dia do fogo”. Pouco depois, o INPE registrou uma explosão de focos de incêndios na região.

Enquanto uma das maiores riquezas da humanidade está em chamas, Bolsonaro segue publicamente em guerra contra os dados do INPE. O presidente desacreditou os números do instituto e destituiu o renomado físico que ocupava a cadeira de presidente da instituição, Ricardo Galvão. Além disso, o mandatário-mor desde a campanha eleitoral sinalizou o enfraquecimento nos sistemas de controle de desmatamento. Enfraqueceu o IBAMA, defende mineração em terras indígenas, persegue ambientalistas, além de ter criado conflito com a Alemanha e a Noruega, que contribuem desde 2008 para o Fundo da Amazônia. Esse projeto é responsável por financiar mecanismos de preservação da floresta.

O fotógrafo Araquém Alcântara, autor da foto abaixo, registrou em sua página no Facebook o seguinte relato:

“Eu estive lá e vi. E fotografei. Sou testemunha ocular. A Amazônia é a minha matriz criativa. Já foram mais de cinquenta viagens e expedições. Não de avião, mas andando, de mochila nas costas, de barco e de carro. Já subi o Pico da Neblina duas vezes, já pisei onde ninguém pisou, já fiz quatro livros sobre a floresta e seu povo, já ganhei o Jabuti, já publiquei centenas de reportagens neste 49 anos de jornalismo e fotografia. E agora, com os recentes acontecimentos estou cheio de revolta. É preciso elevar o tom. Desmatamento livre é o que (o presidente) quer.”

 

Não seria necessária uma lupa para constatar a gravidade disso. A floresta, subjugada há séculos ao quinhão mais cruel de um modelo de desenvolvimento irracional, caí agora ainda mais aos milhares sob a progressão da hecatombe. Bolsonaro, que na cadeira mais importante da República deveria lutar contra esse massacre, faz jus ao que disse na campanha, realizando exibição pública de desrespeito à floresta, à cultura indígena, ao planeta.

Bolsonaro e seus defensores caninos discorrem a velha construção mental preconceituosa – defendida pelos dominadores – de que os complexos dinamismos da floresta não são riquezas e possibilidades que deveriam ser preservadas, mas inutilidades que precisariam dar espaço ao desenvolvimento.

Creem que todos os recursos ambientais, culturais e humanos devem ser incorporados a uma lógica mercantil e concorrencial, a partir da qual as coisas valem pelo retorno que podem gerar e pelo potencial de exploração. Nesse sentido, a demarcação das terras indígenas, a preservação da floresta e a garantia de formas variadas de pensar e de produzir não teriam lugar, sequer a menor importância. Tem-se, assim, o massacre, a agressão, a discriminação e as áreas visadas para a expansão desse modelo econômico imbecil em chamas.

O decreto de extermínio que propõe Bolsonaro busca, portanto, sustentação em argumentos que só vislumbram o mundo a partir das lentes do desenvolvimento dominante e que desconsideram a importância da floresta e dos povos da floresta. Enquanto isso, a floresta cai em chamas, o povo da floresta é assassinado, e o futuro das próximas gerações fica comprometido. Mas isso para o presidente e cia não importa. Para essa gente importa é que tudo que fuja da lógica da anexação, da incorporação, da integração em favor de suposto “desenvolvimento”, seja tratada como obstáculos a serem removidos.

O governo Bolsonaro é, por isso, um decreto de extermínio não é só à floresta brasileira, mas ao planeta como um todo. Permitir que continuem agindo dessa maneira é perder a esperança na garantia da vida não só aos povos tradicionais, mas, à de todo o mundo!

João Miranda, de Marechal Cândido Rondon (PR)
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