VW

Da conquista do mundo a um futuro incerto

O ano 2015 está a ser um ano marcante para o Grupo Volkswagen.

Depois de no primeiro semestre se ter tornado a maior construtora automóvel mundial, batendo em vendas a Toyota, a empresa alemã enfrenta agora uma das maiores crises de sempre. Tal situação aprofunda uma instabilidade no grupo que já se fazia sentir desde abril. Nesse mês, depois de retirar publicamente a confiança a Winterkorn, à época CEO do grupo Volkswagen, Ferdinand Piëch, uma das principais figuras da família Porsche, accionista maioritária da Volkswagen AG, retirou-se de todos os cargos no grupo numa disputa com o CEO e com a outra ala da sua família liderada por Wolfgang Porsche. Mas o pior momento do ano ainda estava para vir.

A Volkswagen, um dos maiores produtores de carros mundiais, empregadora de cerca de 600 mil trabalhadores directos, detentor de 12 marcas entre automóveis, camiões, autocarros e motos, de 119 fábricas em todo o mundo e de uma imagem de confiança aparentemente inabalável, mentiu. Num evento em Nova Iorque, Michael Horn, presidente do grupo nos EUA, admitia que a empresa havia enganado os seus clientes por falsear as emissões de gases poluentes dos veículos. A fraude deve-se a um software instalado no veículo que, durante os testes em laboratório, transmite uma leitura de emissões de gases poluentes falsa. Em movimento as emissões desses carros aumentam de 10 a 40 vezes e podem ultrapassar em 40% os limites legais.

Efeitos económicos e políticos da fraude

Nos dias seguintes o grupo perdia 30% do seu valor em bolsa, cerca de 25 mil milhões de euros, e arrisca-se agora a pagar indemnizações e multas aos Estados e clientes pela produção de 11 milhões de carros com o software fraudulento. Só nos EUA, onde as vendas de carros a gasóleo estão actualmente suspensas e onde existem mais de 400 mil carros nesta situação, a multa pode ascender aos 16 mil milhões de euros. As agências de rating Standard&Poors, Fitch e Moody’s, já reduziram as perspectivas sobre o grupo alemão. Pela dimensão da empresa, responsável por um a cada oito carros produzidos no mundo inteiro, este acontecimento teve repercusões fortes no sector automóvel internacional e houve mesmo quem falasse de um mini-crash nas bolsas. Actualmente, a imprensa fala já numa crise com maior impacto para a economia alemã que a situação da Grécia.

Contudo, as consequências desta fraude não se fizeram sentir apenas na economia. Martin Winterkorn renunciou ao cargo de CEO do grupo, sendo substituído pelo anterior executivo da Porsche, Matthias Müller. O Estado da Baixa Saxónia, um dos principais accionistas do Grupo Volkswagen, exigiu a apuração de responsabilidades na administração e a própria Merkel estabeleceu um prazo para que a Volkswagen elabore uma agenda para resolver esta crise. As razões de todo este impacto prendem-se com a importância desta empresa, que representa metade do sector automóvel alemão responsável por 3% do PIB do país e empregador de um em cada sete trabalhadores. Numa fase em que a crise económica mundial não tem um fim à vista, com a economia chinesa a demonstrar graves problemas e a situação europeia sem dar sinais de recuperação, uma crise num gigante mundial da indústria automóvel no coração do imperialismo europeu, não é uma boa notícia para o poder.

Outras marcas do grupo, como a Audi ou a Seat, admitiram entretanto produzir carros com o software ilegal, assim como marcas de outros grupos, como a Mercedes e a BMW. Tanto na Suíça como na Bélgica foram também suspensas as vendas de carros a gasóleo. As consequências desta crise ainda estão longe de mostrar a sua dimensão, no entanto os resultados de setembro de vendas da Volkswagen nos EUA já indicam a tendência, com uma redução de 0,6%.

Os trabalhadores precisam de se preparar e de arrancar garantias da empresa e dos governos. Garantias quanto à manutenção dos postos de trabalho, salários e direitos, mas também dos investimentos anunciados. Em Espanha o CEO do grupo já reuniu com o governo, e comprometeu-se a manter os investimentos previstos. Por aqui, o governo português, que participa com 36 milhões no investimento anunciado para a Autoeuropa, tem de garantir o mesmo com o grupo alemão.

Arnaldo Cruz

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