O preço do lucro em Bangladesh

São mais de 1000 os trabalhadores, em sua maioria mulheres, mortos em consequência da derrocada do edifício Rana Plaza, a 24 de abril, em Bangladesh. No texto que reproduzimos a seguir, escrito por New Wave (Bolshevik-Leninista), fica clara a responsabilidade das grandes multinacionais do vestuário no verdadeiro assassinato desses homens e mulheres.

Entre as companhias internacionais que subcontratavam empresas para produzir no edifício que ruiu estão a irlandesa Primark, as espanholas El Corte Inglés e Mango, a canadiana Joe Fresh e a francesa Bon Marché. Ao povo de Bangladesh em luta pela punição dos responsáveis pela tragédia e contra a superexploração e as péssimas condições de trabalho que lhe são impostas, a nossa total solidariedade.

Desabamento de fábrica mata trabalhadores em Bangladesh

Os trabalhadores do vestuário em Bangladesh estão em pé de guerra contra a exploração e maus tratos crónicos dispensados pelos patrões. O ponto de inflexão foi atingido quando o prédio Rana Plaza, de oito andares, desabou matando várias centenas de trabalhadores [o último balanço contabiliza mais de 1000 mortos] que ali viviam. Já há notícias de que trabalhadores estão queimando fábricas têxteis em outros locais.

A situação em Bangladesh é tensa desde o levante de Shahbag, que mobilizou estudantes e uma grande parte da intelectualidade pequeno-burguesa progressista para o julgamento dos criminosos de guerra responsáveis por crimes contra a humanidade durante a guerra de libertação em 1971. Logo no início deste movimento, surgiram também as lutas dos trabalhadores após o desastroso incêndio na fábrica de roupas Tazreen, que costumava fornecer para a Walmart [multinacional americana no setor do varejo, considerada a terceira maior do mundo]. O movimento dos trabalhadores do vestuário ganhou novo vigor, auxiliado pela desintegração política do país, que está numa situação pré-revolucionária.

A indústria do vestuário: uma indústria rica em brutalidade

A economia de Bangladesh depende inteiramente da exploração mais vergonhosa das massas empobrecidas. Isso se reflete claramente na dramática condição laboral dos trabalhadores do vestuário, exposta pelos desastres mortais que flagelam as fábricas que dominam a sua paisagem industrial. A indústria do vestuário é historicamente notória na exploração de mão de obra barata, desde as fábricas de algodão de Manchester, no século XIX, até as fábricas de Bangladesh deste século. A indústria têxtil em Bangladesh continua a ser um centro de trabalho intensivo onde os lucros são baseados na maior redução possível do custo da mão de obra, incluindo a sua segurança.

Neste contexto, é muito importante destacar que a maior parte dos 3 milhões de trabalhadores da indústria são mulheres. Os patrões preferem empregá-las devido às suas especiais habilidades na costura, bem como pela maior dificuldade que enfrentam para organizar a sua luta. Esta última é a principal razão pela preferência por mulheres trabalhadoras no setor. O controlo e a disciplina ditatorial imposta pelos empresários aos trabalhadores sob o seu comando é indispensável para permitir um nível de exploração extremamente cruel.

A importância da indústria e dos grupos de interesse

A indústria do vestuário responde sozinha por 70% das exportações de Bangladesh e 10% de seu PIB (Produto Interno Bruto). Esse “poder económico” é obtido com base em salários ínfimos que chegam a 34 dólares por mês. Não é nenhuma surpresa, portanto, que todos os principais produtores têxteis e de confeções estejam a investir em Bangladesh para perpetuar a exploração de seu povo. Igualmente não constitui surpresa o facto de muitas das principais empresas internacionais de varejo, lideradas por nomes como a Walmart, utilizarem Bangladesh como o destino prioritário da “terceirização” de seus produtos. Esta situação “favorável” atraiu, entre outros, investimentos indianos pesados no setor de vestuário, avaliados em até 600 milhões de dólares só no ano passado.

Além de grandes interesses estrangeiros, há poderosos capitalistas locais, politicamente vinculados ao imperialismo, proprietários da maioria das 5.100 fábricas de vestuário em Bangladesh. A fábrica Rana Plaza, em Savar, pertencia a um oligarca deste tipo, Sohel Rana. Politicamente, ele é líder da ala jovem da Liga Awami, o partido do governo de Bangladesh. Estas empresas são, em geral, dependentes das exportações para países desenvolvidos, principalmente os EUA, que abocanham a “parte do leão” das exportações têxteis do país.

A indústria do vestuário foi um dos principais beneficiários da proletarização provocada, entre outras razões, pelo terror ecológico imposto pela Índia com a construção de uma barragem (responsável pela seca de muitos rios nas regiões leste e oeste de Bangladesh ao bloquear-lhes o fluxo natural através da fronteira) e a liquidação da soberania marítima (de 200 milhas) do país (com o domínio de ilhas estratégicas perto da fronteira, a impedir assim o livre acesso à Baía de Bengala). O capitalismo indiano desempenha um papel vital ao arruinar a agricultura de Bangladesh dessas duas maneiras.

Além disso, a Índia é fundamental para garantir segurança política e militar ao governo de Bangladesh e, desta forma, impor o cruel empobrecimento da população do interior. Vemos os resultados desta proletarização nas mortes causadas pelos desastres no setor de vestuário. É a combinação de vários fatores económicos e políticos, juntamente com a proletarização da sociedade, que faz do setor têxtil de Bangladesh o segundo maior do mundo, perdendo apenas para o da China.

Caráter das lutas existentes

Uma das características do movimento dos trabalhadores do vestuário em Bangladesh é a espontaneidade de suas lutas. Uma greve nacional também foi feita antes, mas, de um modo geral, as greves nesse setor são esporádicas e espontâneas. Exemplos notáveis foram a greve dos trabalhadores da indústria têxtil em 2006 e, novamente, em torno de 2009, seguida pelo motim dos soldados. Entre as exigências feitas pelos trabalhadores, as principais são por salários justos, condições dignas de trabalho e dignidade no trabalho.

É preciso destacar que a maioria dos 3 milhões de trabalhadores da indústria do vestuário são mulheres. Isso se deve, em parte, pela opção dos patrões do ramo em se aproveitar da fraqueza política das mulheres trabalhadoras e das dificuldades relativas de organizá-las politicamente e dentro dos sindicatos para melhor controlá-las.

A natureza da presente greve geral é caracterizada pela “raiva plebeia” contra os próprios meios de produção em que trabalham. O primeiro objeto da ira dos trabalhadores são as próprias fábricas de vestuário. Logo após a tragédia em Savar, os trabalhadores incendiaram várias fábricas em protesto.

Essa ação foi uma reminiscência da descrição feita por Marx do período inicial da luta pelo proletariado no Manifesto Comunista: “Eles dirigem os seus ataques não contra as condições burguesas de produção, mas atacam os próprios instrumentos de produção; eles destroem as mercadorias estrangeiras que competem com o produto de seu trabalho; eles destroem as máquinas; eles queimam as fábricas”. No entanto, ao contrário dos operários primitivos de meados do século XIX, que Marx descreveu, os trabalhadores do vestuário não estão interessados em “restaurar o status abolido do trabalhador medieval”, mas em alcançar padrões mais elevados de bem-estar e melhores condições de trabalho!

Esta combinação de raiva plebeia com uma trajetória mais avançada de luta é potencialmente revolucionária, pode abrir caminho para lutas mais avançadas no futuro próximo e dá à luta dos trabalhadores do vestuário uma importância imensa no cenário sócio-político de Bangladesh. O que falta claramente neste quadro é a presença de uma força revolucionária organizada, que possa canalizar essa energia crua e dirigir os trabalhadores por meio de táticas mais avançadas em sua batalha contra os patrões do vestuário, violentamente exploradores, e os seus protetores imperiais.

Ao mesmo tempo, a natureza dessa indústria obriga-nos a assumir uma perspetiva internacionalista da luta. Devemos buscar a solidariedade dos trabalhadores têxteis e do comércio varejista na Índia e nos EUA [e na Europa] à luta dos seus companheiros em Bangladesh. O apoio da classe trabalhadora indiana é fundamental, pois é o capitalismo indiano que, através de seus agentes, garante a dominação política sobre o país e forneceu os meios para que a exploração na indústria do vestuário fosse possível. Da mesma forma, a solidariedade dos trabalhadores em empresas de varejo dos EUA, em particular os da Walmart e outros, é fundamental para o fortalecimento da luta e para frustrar a cadeia de produção capitalista que vai de Bangladesh para a América e Europa.

Reivindicações a serem apresentadas

A luta dos trabalhadores do vestuário revela tudo o que é corrupto e explorador no capitalismo em Bangladesh. Para lutar contra este sistema, devemos fazer reivindicações que correspondam às necessidades mais profundas dos trabalhadores. O programa de reivindicações transitórias deve ser construído de modo a dar uma direção consistentemente revolucionária à luta:

– Indemnização para todos os trabalhadores prejudicados e punição dos patrões do vestuário

A luta mais urgente visa a indemnização imediata dos familiares dos trabalhadores que perderam a vida ou a integridade física no desabamento do Rana Plaza, em abril deste ano, e no incêndio na Tazreen, em novembro de 2012. O governo precisa ser pressionado para compensar imediatamente os trabalhadores e as suas famílias, não só para cobrir os custos de saúde, mas para cobrir a perda de perspetivas devido à perda de renda. Além disso, os proprietários de Rana Plaza e Tazreen devem ser levados à justiça por sua negligência criminosa.

– Garantia de condições de trabalho decentes e leis do trabalho

O núcleo da luta dos trabalhadores do vestuário é conseguir condições dignas de trabalho, incluindo a segurança adequada nas fábricas e um salário digno. A força de trabalho em Bangladesh é notoriamente mal paga. Esta situação deve ser alterada pela aplicação imediata de uma lei que garanta um salário mínimo que cubra as necessidades básicas de uma família de 4 pessoas, ajustado pela inflação e pela alta do custo de vida. A cada aumento da inflação deve ocorrer um aumento proporcional do salário.

– Nacionalização da indústria do vestuário

As fábricas privadas de vestuário, tanto nacionais quanto estrangeiras, são responsáveis pelas péssimas condições de trabalho em Bangladesh. Mas elas se safam por causa de sua proteção política. A única solução para destruir esta matriz viciada de exploração que caracteriza a indústria do vestuário no país é a sua nacionalização, colocando-a sob o controlo dos trabalhadores. Esta é uma pré-condição para qualquer avanço real nas condições de trabalho

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