Num momento em que Portugal enfrenta uma das mais graves crises sociais das últimas décadas — com o preço da habitação em níveis incomportáveis, um sistema nacional de saúde fortemente debilitado, salários estagnados e direitos laborais constantemente pressionados — surge, quase silenciosamente, um acordo entre os dois maiores partidos do arco governativo: PS e PSD. Trata-se de um compromisso para canalizar 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área da defesa, nomeadamente para investimento em armamento, tanques e outros meios militares.
Apesar da sua magnitude, o acordo tem sido mantido longe do debate público. Não foi anunciado em conferência de imprensa, não foi discutido abertamente no Parlamento e muito menos submetido ao escrutínio popular. O secretismo que envolve este entendimento levanta sérias questões sobre transparência e discussão pública democrática e sobre a legitimidade de decisões que comprometem verbas colossais do erário público.
Ao todo, estima-se que este reforço orçamental para a defesa represente cerca de 4,3 mil milhões de euros — um valor que será diluído ao longo de vários Orçamentos do Estado futuros. Em última instância, será o povo português a suportar esta fatura, através dos seus impostos. O impacto será progressivo, mas duradouro, retirando margem de manobra orçamental para outras áreas urgentes da governação. Convém ainda recordar que D. Trump já pressionou a EU para custear a NATO em 5% e não nos 3% que anteriormente referiu em pré-campanha eleitoral, que veio a ganhar nas últimas eleições norte-americanas.
Importa ainda referir que este acordo não é apenas fruto de uma convergência interna entre PS e PSD. A União Europeia teve também um papel determinante, ao dar o seu aval à proposta, num contexto mais amplo de reforço da capacidade militar europeia no seguimento da guerra na Ucrânia. A pressão para que os Estados-membros aumentem os seus investimentos em defesa tem vindo a intensificar-se, mas a sua concretização, neste caso, parece ter sido feita sem o devido debate nacional.
O que se torna particularmente preocupante é o momento e a prioridade. Enquanto milhares de famílias vivem em emergência habitacional, enquanto profissionais de saúde abandonam o SNS por falta de condições e enquanto os jovens enfrentam um mercado de trabalho precário e mal remunerado, os decisores políticos, os partidos crónicos do regime (PS e PSD), optam por canalizar milhares de milhões para a indústria militar.
Por outro lado, é curioso ver na campanha eleitoral dos últimos dias, praticamente nenhum dos partidos, debater se os recursos do Estado devem ser canalisados para armas e futuras guerras ou para a paz e serviços públicos. E a extrema-direita, que tanto se arvora diferente do PS e PSD, somente porque para eles, Chega e IL, os 48 anos de ditadura de Salazar e Caetano, de que têm saudades, supostamente não conta, sob o argumento de que são partidos “novos”. Lamentavelmente centenas de milhares de trabalhadores e jovens têm engolido este argumento e têm votado nestes partidos pois estão (naturalmente) cansados dos partidos do centrão que governam (mal) Portugal, há mais de 50 anos. À esquerda também é uma tristeza ver um partido como o Livre a se colocar a favor do armamentismo nacional e europeu como se a Europa dos ricos, armada fosse menos imperialista face aos EUA, ao Putin ou ao Xi Jiping.
Toda esta situação nacional e internacional requer novas forças políticas verdadeiramente anti sistémicas, mas amigas da paz, dos serviços públicos, dos salários, das pensões, de um futuro para os jovens que não seja emigrar, mas sem compromissos com os velhos partidos do regime à esquerda, e isso significa erguer uma alternativa pela esquerda e no campo da esquerda revolucionária. O MAS é e será parte dessa nova realidade a construir. A esquerda que sempre colaborou com o sistema, abriu as portas à extrema-direita, tal como nos anos 30 abriu as portas ao Hitler. A história tende a repetir-se a não ser que os povos saem às ruas, se mobilizem de forma massiva e ergam estas novas alternativas necessárias.
Mais uma vez, Portugal escolhe investir na preparação para a guerra em vez de investir na paz social. Os tanques substituem as casas, os mísseis ocupam o lugar de centros de saúde, e o silêncio em torno deste acordo substitui o debate público que deveria ser essencial numa democracia madura.
A pergunta impõe-se: quantas escolas, hospitais ou habitações sociais poderiam ser construídas com 4,3 mil milhões de euros?