O FAROL DA DEMOCRACIA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

As (supostas) ‘democracias humanistas’, presume-se terem como alicerces o respeito pela pessoa humana (passe a redundância) e pelos superiores interesses da Humanidade, o que inclui a defesa do Ambiente, a nossa casa. Trata-se de defender o legítimo interesse colectivo sem esmagar os direitos de cada pessoa.
Em teoria foi para defender a Paz, a Justiça e o ‘bem comum’ que se fundou a ONU, se estabeleceram as normas da Declaração Universal dos Direitos do Homem e se criou o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

De Estados párias, de ditaduras oligárquicas e sanguinárias não se espera que se submetam a normas humanitárias e a árbitros que fiscalizem o seu cumprimento. Por outro lado, democracia que se preze (independente de classes sociais que é coisa que não existe), faz jus de tudo fazer para cumprir as normas de que o respectivo Estado é subscritor.

Uma democracia plena (se algum dia existir) tem, portanto, necessariamente um carácter internacionalista, em que se defendem (ou que se deviam defender) os legítimos interesses da maioria da população, mas tendo sempre em conta o interesse colectivo dos “outros”, nossos companheiros na ‘comunidade internacional’.
O nacionalismo (sempre relacionado com as classes dominantes em cada Estado) exacerbado é o colocar acima de tudo, e em exclusividade, os interesses de uma nação ou Estado (na verdade da classe que o domina), contra os interesses dos vizinhos e, pior ainda, divinizar a Nação e o Estado, fazendo dos direitos individuais tábua rasa naquilo que conflitue com o suposto “interesse nacional”, daí a famigerada frase de Salazar “tudo pela Nação, nada contra a Nação”, outorgando-se, claro, os regimes nacionalistas como únicos porta-vozes da “divinizada” Nação.

Os Estado Unidos da América fazem gala de apregoar que são a “Pátria da Liberdade”, o “Farol das Nações”, o “Bastião da Democracia”.
Todavia, o que podemos observar nessa democracia americana é a hipócrita defesa dos seus interesses (imperiais) contra os interesses da restante e conhecida como “comunidade internacional”.
Nação fortemente intervencionista (há quem lhe chame imperialista), usa o seu imenso poderio militar, no exterior, para fazer pender a guerra em seu favor ou submeter algum povo que se atreva a mexer com um seu interesse estratégico (da burguesia imperialista norte-americana). Note-se que um “interesse” não é sinónimo de “direito”. Quando uma nação soberana vai, legitimamente, contra um interesse (do império norte)americano, depressa os EUA tratam de submeter a nação relapsa aos seus interesses, invadindo-a militarmente ou fomentado o caos e golpes de estado.
A Doutrina Monroe, que preconiza o ataque a qualquer nação não-alinhada aos EUA no seu “quintal” é tida como legítima; Todavia, quando a Rússia esperneia por ver os seus ex Estados satélites a saltar para a Nato, os EUA não lhes reconhecem o direito a ter uma qualquer doutrina semelhante à sua.

Israel é um Estado satélite dos EUA, é um protectorado seu, isto porque o Médio Oriente é estratégico pela sua localização e, sobretudo, por causa do petróleo. Israel acaba sendo um porta-aviões americano no Médio Oriente, já que os EUA não confiam nas “pétreas” alianças celebradas com as corruptas e volúveis monarquias árabes. Em qualquer momento esses aliados podem roer a corda e transformarem-se num novo Irão, inimigo de morte dos gringos.
Embora os EUA encham a boca com Direitos Humanos violados, com ditaduras sanguinárias, com ameaças à paz mundial, na verdade não só não querem saber desses valores para nada, como eles próprios escarnecem de quem os quer defender.
Israel, desde o primeiro momento da sua fundação, em 1948, tem em mente a erradicação dos povos autóctones dos territórios por si ocupados, se preciso for através do genocídio puro e simples.
A paz na Palestina, que os EUA dizem preconizar, é, portanto, uma quimera, um desiderato hipócrita que só pode ter um significado: o extermínio do povo palestiniano.  
Os palestinianos, acossados desde 1948, vilipendiados, roubados, assassinados, espoliados, defendem-se como podem, através de guerrilha e de atentados… E Israel responde com terra queimada, numa desproporção absurda de um para mil, arrasando tudo, escolas, hospitais, bairros residenciais inteiros, infraestruturas, com pessoas lá dentro e tudo, e agora nem as instalações da ONU escapam (claro, as testemunhas independentes incomodam e a ajuda humanitária está a atrasar o extermínio).
Encurralados pelos sionistas, os palestinianos acabaram dando o seu aval a gente pouco recomendável a soldo da ditadura teocrática iraniana, o Hezbollah e o Hamas, com cujas direções e projectos de sociedade não nos identificamos. Se, por hipótese académica, Israel desaparecesse, há poucas dúvidas de que a Palestina viraria um tenebroso califado extremista ao pior estilo iraniano, saudita ou afegão.
A ONU é ignorada e escarnecida por Israel e EUA, sendo-lhes útil somente quando votam a favor dos seus interesses.
Agora o Tribunal Penal Internacional decretou mandados de captura para o PM de Israel (Netanyahu) e, para dourar a pílula, também para um dirigente (falecidíssimo) do Hamas.   
E o que é que vemos?
Suas altezas dos EUA a rasgar as vestes perante a decisão de um Tribunal (que eles não reconhecem, sendo, portanto, compaignons de route  das ditaduras), a carpir à conta de “tamanha injustiça”. A sorte deste Tribunal é estar situado em Haia, porque se fosse nos EUA, certamente já teria sido alvo de retaliação ou de expulsão.
Israel reagiu como seria de esperar; “genocidas, nós????? Nós estamos só a defender-nos”, lição bem estudada e aprendida do seu professor, o austríaco do bigodinho que procurava expandir o território nacional à conta do “Lebesraun”, inventando agressões aos Sudetas e entrando a arrasar com a famigerada “Blitzkrieg”, para tomar dos outros o território que achavam ser seu por “direito” (Direito ad Baculum, entenda-se).   

Quanto à Europa, podemos resumir tudo numa frase: não conta para nada e já lhe chega o imbróglio em que se meteu na Ucrânia, a que se soma a má consciência das patifarias que fizeram aos hebreus na II Guerra Mundial.

Que podemos esperar dos EUA a partir de 20 de Janeiro?
Dificilmente o Pentágono deixará o truão tomar outra opção que não seja “acabar de vez com a torrente de dinheiro torrado na Palestina”. Provavelmente vai dar (ainda mais) carta-branca para Netanyahu “acabar o serviço” rapidamente. Se preciso for, os EUA “raptam” o PM de Israel, no fim do seu mandato (para evitar “parvoíces” como ser julgado por crimes de guerra), e arranjam-lhe um tacho na Administração, como conselheiro para o Médio Oriente.  

Será que os países árabes irão virar-se contra Israel e os EUA?
Dificilmente o farão; O que conta para eles é o dinheiro.
Quanto ao Irão, se o Hamas e Hezbollah forem aniquilados, não se espere outra coisa que uma hostilidade da boca para fora, até porque tem tantos inimigos internos que Israel tem grande facilidade em recrutar Quintas Colunas suficientes para matar quem for preciso.
 
Nem nas mais ousadas piadas de humor se pode chamar “Farol da Liberdade e Democracia” aos EUA. E sobre o actual (e suposto) famigerado acordo de paz para o Líbano, é melhor aguardar, pois de paz terá certamente muito pouco e por muito pouco tempo.

Fernando Fernandes

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